Há artigos que contam histórias e, depois, há artigos que as criam. Em novembro de 2012, o crítico de vinhos Fernando Melo chamou a 12 mulheres portuguesas “princesas do vinho”. No artigo, publicado na Notícias Magazine, o autor juntou nomes que, em comum, tinham a paixão pela bebida que nasce das videiras. Do Douro ao Alentejo, cada uma das entrevistadas representava (e representa) um negócio familiar dedicado ao vinho — eram elas mulheres, novas, herdeiras e líderes num universo marcadamente masculino. O furor foi tanto que as palavras impressas ganharam vida e, assim, nasceu o grupo D’Uva — Portugal Wine Girls.

Da publicação do artigo à criação do grupo passaram-se poucos anos que permitiram definir trajetos e agregar sinergias (provas conjuntas incluídas, sendo que há planos para este ano que ainda não podem ser desvendados). A ideia das D’Uva — vamos optar por esta abreviação — passa por projetar a uma só voz (feminina, note-se) o vinho português, bem como espelhar a riqueza vinícola do país. Das 12 mulheres ao comando de legados familiares distintos sobraram apenas oito — um número igualmente interessante. Falamos de produtoras, diretoras gerais e responsáveis pelo marketing e/ou vendas, que souberam marcar pela diferença.

“Se queres ir rápido, vai sozinho. Se queres ir longe, vai em grupo.” É Rita Nabeiro, diretora geral da Adega Mayor, quem cita o conhecido provérbio para explicar em que consiste o grupo que nasceu em maio de 2016. Rita, que começou a envolver-se no projeto vinícola da empresa Delta Cafés ainda na área do design, garante que esta é uma forma de valorizar as oito marcas em questão, mas também de passar a mensagem de “o que é que Portugal tem” lá para fora. E o facto de serem mulheres ajuda:

Acho que a curiosidade ajuda, apesar de ser cada vez mais fácil encontrar mulheres ligadas ao vinho. Mas quando vamos a um restaurante, a carta de vinhos é quase sempre entregue ao homem — ainda não se está habituado a que seja a mulher a pedir o vinho.”

Rita Nabeiro é o rosto por trás da Adega Mayor, projetada pelo arquiteto Siza Vieira e inaugurada em 2007, apesar de o projeto ter começado 10 anos antes. E se ao início produziam-se “poucas dezenas de milhares de garrafas”, hoje a empresa está quase a chegar ao primeiro milhão. Rita, que ajudou a concretizar o sonho do avô, Manuel Rui Azinhais Nabeiro, em produzir vinho em Campo Maior, não está sozinha e a ela juntam-se outros sete nomes — Catarina Vieira, Francisca Van Zeller, Luísa Amorim, Maria Manuel Poças Maia, Mafalda Guedes, Rita Cardoso Pinto e Rita Fino –, que passamos a apresentar.

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Francisca van Zeller

Quinta Vale D. Maria, Douro

Francisca van Zeller tinha 10 anos quando, pela primeira vez, disse ao pai que queria ser “uma cozinheira de vinhos”. Anos antes já ela se habituara ao cheiro do vinho a fermentar nos lagares e a envelhecer em cascos: foram os aromas da sua infância. A atual responsável de marketing e de vendas da Quinta Vale D. Maria, projeto que arrancou em 1996, cresceu de nariz virado para o vinho e de ouvido virado para as histórias. Por esse motivo, a também descendente de uma família que está há 15 gerações envolvida no negócio de vinhos do Porto e do Douro licenciou-se em História e passou ainda pelas lides do jornalismo. “Há várias formas de estar neste negócio, uma das quais é estudar enologia. Mas também existe outro tipo de conhecimento, que passa por contar histórias”, diz ao Observador. E é preciso viver o mundo para termos o que relatar, disse-lhe um dia o pai. Nem de propósito, Francisca chegou a viver em Londres e em Madrid, para prosseguir os estudos, e hoje é no vinho — e nos quase 50 hectares de vinha da Quinta Vale D. Maria — que encontra o equilíbrio.

Luísa Amorim

Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, Douro

O vinho surgiu-lhe por acaso: de todas as vezes que os pais recebiam à mesa produtores de vinho, seus clientes, e de todas as vezes que a levavam em viagens que incluíam paragens em zonas vitivinícolas. Luísa Amorim não cresceu a sonhar em trabalhar a bebida ora tinta ora branca (e até rosada), até que a oportunidade surgiu na viragem do novo milénio, quando a família que desde sempre se dedicou ao comércio da cortiça adquiriu, em 1999, a J.W. Burmester, empresa histórica do Vinho do Porto. 2005 foi um ano de viragem, com a família Amorim a decidir apostar em vinho do mesa, DOC Douro, em detrimento do vinho do Porto. Tal resultou na aposta na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, plantada em socalcos durienses, propriedade da qual Luísa Amorim é diretora-geral desde 2006 e onde, até hoje, participa no fecho de todos os lotes de vinhos que saem para o mercado.

Maria Manuel Poças Maia

Poças Júnior, Douro

Assim que terminou o curso de Engenharia Agrícola pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Maria Manuel integrou a Poças Júnior, empresa centenária produtora de vinhos, e assumiu a gestão de viticultura nas três quintas da família, todas elas com morada fixa na Região Demarcada do Douro. De referir que a família Poças, com uma longa tradição de Vinhos do Porto, está entre os pioneiros que, em 1990, investiram na produção de vinhos tranquilos no Douro.

Catarina Vieira

Herdado do Rocim, Alentejo

O pai, fundador do grupo Movicortes, sempre lhe disse que a terra era o maior valor de qualquer homem ou mulher, que nunca se vendia. A mensagem passou para a filha que, com tempo e dedicação, tornou-se agrónoma, viticultora e empresária. Catarina Vieira assumiu, em 2002, a liderança da Herdade do Rocim, no Alentejo, depois de acabar os estudos da Universidade de Bolonha. Nos primeiros quatro anos acompanhou de perto a construção da adega do Rocim e dedicou-se à viticultura para, em 2007, lançar os primeiros vinhos com o rótulo e o nome da propriedade alentejana, situada entre a Vidigueira e Cuba. Ao todo, a propriedade dedicada ao vinho tem 120 hectares, dos quais 70 são vinha, quase toda ela plantada no início do novo século.

Mafalda Guedes

Herdado do Peso, Alentejo

Mafalda Guedes é a mais velha da quarta geração da Sogrape, empresa líder nas exportações de vinho português há mais de uma década e detentora de várias quintas espalhadas pelo país. A mulher que trabalha onde cresceu, lado a lado com outros membros da família, é hoje gestora de mercados da Sogrape Vinhos, depois de ter passado por várias áreas dentro da empresa, na qual ingressou já lá vão seis anos. A Herdade do Peso, a marca da Sogrape destacada no grupo D’Uva, foi adquirida em 1996 e é, desde então, casa para muitos vinhos alentejanos.

Rita Fino

Monte da Penha, Alentejo

A aventura começou no armazém, nesse ambiente escuro onde lhe foi pedido que preparasse bacelos (varas de videira para formar uma nova planta). A ideia era tratar a vinha alentejana por tu e aprender a trabalhá-la. Rita Fino viveu até aos 18 anos em Inglaterra, mas sempre manteve uma relação forte com Portalegre, terra da família, e com os projetos vinícolas a ela associados. Atualmente, Rita, que chegou a estudar tradução no ISLA para se enturmar, é a responsável de marketing e vendas do Monte da Penha, cuja primeira colheita com marca própria surgiu em 1999.

Rita Cardoso Pinto

Quinta do Pinto, Lisboa

Primeiro esteve em multinacionais como a Unilever e a Panrico, depois decidiu enveredar pelo universo dos vinhos (foram abertas muitas garrafas e feita muita investigação para aqui chegar). Hoje Rita Cardoso Pinto é uma das anfitriãs para quem visita a Quinta do Pinto, em Alenquer, na Região Vitivinícola de Lisboa. O projeto de família ganhou raízes fundas há sensivelmente 15 anos — certo que a história ainda agora começou, mas o derradeiro desafio é deixar eventuais herdeiros orgulhosos do legado que ficou para trás. Ao todo, a Quinta do Pinto estende-se por 120 hectares, sendo que metade é dominada por vinha. E entre as 25 castas plantas, estão aquelas tradicionais da região e outras que vêm de além fronteiras, a pedido e gosto do seu pai, o fundador.