A demissão do ex-ministro Armando Vara do executivo de António Guterres, em dezembro de 2000, resultou de uma proposta do ex-chefe do Governo e não de uma exigência do então Presidente da República, revela o constitucionalista Jorge Reis Novais.

A revelação é feita por Jorge Novais no segundo volume da biografia política de Jorge Sampaio, da autoria do jornalista do Expresso José Pedro Castanheira, que chegará às livrarias no próximo dia 20, com a chancela da Porto Editora e da Edições Nelson de Matos.

Armando Vara, então ministro da Juventude, estava debaixo de fogo das oposições na sequência de notícias sobre irregularidades na Fundação para a Prevenção e Segurança, criada quando era secretário de Estado da Administração Interna para promover a segurança rodoviária.

Apesar de Guterres garantir que não soubera da criação desta entidade, financiada com dinheiros públicos, a oposição acusou o governo de clientelismo político e pediu a demissão de Vara e do seu sucessor no cargo de secretário de Estado da Administração Interna, Luís Patrão.

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Vara e Patrão acabaram por se demitir na sequência desta polémica, tendo sido amplamente noticiado nos jornais que a saída dos dois governantes fora exigida pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, uma versão que, agora, Jorge Reis Novais vem clarificar.

Apesar de ter sido uma iniciativa de Guterres, comunicada numa audiência no Palácio de Belém, Sampaio preparava-se para pressionar o primeiro-ministro com vista à saída dos dois governantes.

Antes de receber Guterres, Jorge Sampaio chama Reis Novais e pede-lhe para preparar um texto.

“Pediu-me que fizesse o esboço de uma declaração, a pressionar a demissão do Vara, para ser divulgada a seguir à audiência. Mas para surpresa do Sampaio, o Guterres já vinha com uma proposta nesse sentido”, esclarece o antigo conselheiro presidencial na biografia de José Pedro Castanheira.

Novais acrescenta que, durante a audiência, “o Guterres alinhou umas frases justificativas, que entregou a Sampaio”. “Quando a reunião terminou, chamou-me de novo e deu-me o papel escrito pelo Guterres, que conservo comigo, e a partir do qual preparei um comunicado da Presidência”.

Jorge Sampaio não deixou, contudo, de aconselhar a extinção da Fundação e de apontar uma “crise de autoridade” em que o então primeiro-ministro se deixou envolver.

“Se não houver demissões, não estou em condições de ficar calado”, porque “há comportamentos que são politicamente inaceitáveis num Estado de Direito”, terá dito o ex-Presidente, citado pelo seu conselheiro.

Na manhã seguinte, estava Sampaio em campanha para o seu segundo mandato em Belém, quando recebe um telefonema de António Guterres, que lhe comunica oficialmente a demissão de Armando Vara e Luís Patrão.

Na biografia, dedicada aos anos da presidência da Câmara de Lisboa e aos dois mandatos na Presidência da República, Sampaio aborda, entre outros temas, a equipa da sua primeira campanha presidencial, destacando o papel do atual primeiro-ministro, António Costa, então seu diretor de campanha.

“Tive uma grande equipa, mas o pulso férreo organizador foi António Costa”, que “puxou por mim até mais não poder ser”, refere o ex-Presidente da República.