A lista de longas-metragens animadas clássicas da Walt Disney transpostas para filmes de imagem real com actores continua a aumentar. É agora a vez de “A Bela e o Monstro”, adaptação do filme animado de 1991 realizado por Gary Trousdale e Kirk Wise, que foi o primeiro deste estúdio a usar tecnologia digital (para a composição dos cenários), combinada com animação tradicional. Aliás, é um contrassenso dizer-se que esta nova série de filmes da Disney são de “imagem real”, já que desde o primeiro todos recorrem, com maior ou menor peso, a efeitos especiais digitais, inclusive para a caracterização dos actores e outras personagens, e para a composição dos ambientes (lembremos só a selva e os animais de “O Livro da Selva”). Será por isso mais correcto dizer-se que se trata de versões consentâneas com a nova idade digital que o cinema vive, onde os actores convivem com os computadores e com a realidade sintética saída destes.

[Veja o ‘trailer’ de “A Bela e o Monstro”]

A animação original é uma das que melhor e com mais felicidade recria um conto de fadas tradicional de acordo com a ideologia e a estética da Disney: atenuamento dos elementos de terror e ênfase na edulcoração romântica, papel fundamental da música e sobretudo das canções, introdução de alívio cómico e de personagens secundárias “características”, humanas, animais ou antropomorfizadas. Além de uma história com componentes impecavelmente calibrados e de uma animação a tocar no tecto da excelência, “A Bela e o Monstro” beneficiava de uma inspiradíssima componente musical, da responsabilidade de Alan Menken e Howard Ashman. Tudo concorria para que fosse muito difícil fazer uma versão “realista” que aguentasse a comparação com esta. O que se confirma no filme realizado por Bill Condon, ao qual nem sequer vale o ter mantido a música original, acrescentando-lhe material novo composto por Menken e Tim Rice.

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[Veja a entrevista com o realizador Bill Condon]

Mantendo-se parcialmente fiel ao filme animado, este “A Bela e o Monstro” é uma confecção cinematográfica hiper-elaborada e artificialmente vistosa em todos os aspectos, como um daqueles grandes bolos de vários andares, muito coloridos e cheios de enfeites, que depois de provados se revelam cheios de corantes e sensaborões. A personalidade visual de “A Bela o Monstro” oscila entre o piroso e o cruzado de rococó e gótico, e por mais do que uma vez as costuras dos efeitos digitais ficam à mostra. Aqui, mais é mesmo demais, como se pode ver na recriação de uma das sequências mais brilhantes do original, quando os objectos animados do castelo do Monstro servem o jantar a Bela e cantam “Be Our Guest”. Condon transforma-a num “pastiche” hipertrofiado de um clímax de um musical da MGM, com uma referência a Busby Berkeley e tudo.

[Veja a entrevista com Emma Watson]

Os (poucos) momentos que funcionam bem neste novo “A Bela e o Monstro” são aqueles em que o realizador se limita a fazer um decalque dos seus equivalentes da versão animada, como a sequência da canção de Gaston na taverna da aldeia ou a da dança feérica da Bela e do Monstro no salão de baile. Os efeitos especiais também não conseguiram que os vários objectos animados do castelo do Monstro fossem tão expressivos, visualmente subtis e afectuosos como os do filme de Trousdale e Wise, enquanto que a história, além de ter alguns chumaços dramáticos, faz concessões ao politicamente correcto sob a forma de um multiculturalismo anacrónico na França do século XVIII onde se sugere que a acção se situa, e de uma nota de homossexualidade da personagem de LeFou, o lacaio de Gaston. (O tio Walt deve ter dado um mortal encarpado no túmulo).

[Veja a entrevista com Dan Stevens]

A cereja azeda no topo deste bolo exuberante mas desenxabido é a Bela de Emma Watson, um dos erros de “casting” mais gritantes da história da Disney. Actriz medianíssima que deve a fama à personagem que desempenhou na série dos filmes Harry Potter, Watson é uma Bela pãozinho-sem-sal, toda ela carinhas, olhinhos e poses. Dan Stevens, que saltou de “Downton Abbey” para Hollywood, tem um papel ingrato como Monstro, com a voz manipulada e a cara escondida por uma maquilhagem digital inspirada na de Jean Marais na versão de Jean Cocteau de 1946, mas não tão assustadora como a deste. E o seu Monstro, na verdade, é mais morcão que monstruoso.

Claramente o menos conseguido destes “remakes” de clássicos da animação da Disney, “A Bela e o Monstro” será seguido, em 2018, por “Mulan”, que ainda não tem realizador nem elenco. E esperamos ansiosamente, lá mais para a frente, pelo anunciado “Dumbo” de Tim Burton.