Portugal conheceu-a como Gabriela, a atriz da primeira telenovela brasileira a ser transmitida no país. Na segunda metade da década de 1970, Sonia Braga era uma sex symbol no Brasil. Passaram-se quase quatro décadas e ela agora é Clara em “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho.

É um filme que coloca Sonia Braga novamente nas bocas do mundo. A sua carreira é feita de altos e baixos, ao longo de mais de quatro décadas alguns dos seus papéis ocuparam pequenos e grandes ecrãs. Criou o hábito de ser vista em telenovelas, depois em filmes e séries norte-americanas (e não só). Clara é uma das interpretações que marcam o percurso feito até aqui, entrega-se a uma história que diz muito sobre o presente, sobre a mudança, e ainda mais sobre a condição humana, a luta para não se perder a dignidade e o que edificou ao longo de uma vida. Clara é o agora, mas há uma longa carreira para rever. Eis alguns dos papéis que a levaram até aqui.

“A Moreninha”

1970

Aos 18 anos, Sonia Braga tem a sua primeira participação no cinema, em “O Bandido da Luz Vermelha” (1968) de Rogério Sganzerla. É um papel muito secundário, mas é aí que a sua carreira nos ecrãs arranca. Dois anos depois é uma das protagonistas de “A Moreninha”, de Glauco Mirko Laurelli, um musical que adapta o romance homónimo de Joaquim Manuel de Macedo. Começa a dar nas vistas no papel de uma rapariga que anda à procura daquele que será o homem dos seus sonhos.

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“Gabriela”

1975

Foi Ana Maria na adaptação brasileira da “Sesame Street”, “Vila Sésamo”, que se estreou no Brasil em 1972. Teve outros papéis em telenovelas como “A Menina do Veleiro Azul” (1969) ou “Selva de Pedra” (1972) mas é com a sua Gabriela, numa versão para televisão do romance de Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela), que ganha especial notoriedade. O seu impacto em Portugal é notório, foi a primeira telenovela exibida pela RTP, em 1977, e tornou-se num programa obrigatório. A sua história tocou pessoas de diferentes origens e classes sociais, era um tipo de drama televisivo que não se digeria por cá e marcou o Portugal pós-revolução. Deu início ao consumo em horário nobre de telenovelas.

https://www.youtube.com/watch?v=F37HU1D3KGE

“Dancin’ Days”

1978

Anos setenta, a febre do disco. “A Febre de Sábado à Noite” estreou-se um ano antes e o Brasil pegou em força na moda. “Dancin’ Days” foi essencial para a promoção dessa cultura de dança importada dos Estados Unidos. O logo da telenovela ainda hoje é reconhecível e é frequente vê-lo. A sério chegou à RTP no ano seguinte e em 2012 até teve direito a um remake a cargo da SIC. Sonia Braga era, na versão original, a protagonista, Júlia Matos, uma ex-presidiária que tenta reconquistar a sua vida após onze anos de pena. A vida que conhece fora das grades foi tudo menos fácil.

“O Beijo da Mulher Aranha”

1985

Começa a carreira internacional de Sonia Braga, num filme de Hector Bebenco. Foi o seu primeiro papel em inglês e não passou despercebido: a interpretação valeu nomeações para um Globo de Ouro e um BAFTA, como melhor atriz secundária. Ela é, claro, a Mulher Aranha, numa história sobre dois homens na prisão durante a Ditadura Militar Brasileira.

“The Cosby Show”

1986

Um ano depois chega às televisões norte-americanas como Anna Maria Westlake, a professora de matemática de Theo, um dos filhos dos Huxtable. É um papel pequeno, Sonia Braga apenas participa em dois episódios, mas é o arranque de uma série de participações suas em séries norte-americanas.

“Two Deaths”

1995

Entre a segunda metade da década de 1980 e meados da 1990, Sonia Braga tem uma série de papéis em produções norte-americanas. É verdade, muitas delas têm maior notoriedade do que esta produção britânica, uma das últimas longas-metragens de Nicolas Roeg: “Lua Nova Em Parador” (1988), de Paul Mazursky, “Rookie — Um Profissional De Perigo” (1990), de Clint Eastwood, ou até no episódio “This’ll Kill Ya” de Robert Longo na série “Tales From The Crypt” em 1992. Em “Two Deaths” é o motivo da paixão e da obsessão de um homem rico (Michael Gambon), que ao longo do filme conta aos seus amigos a relação que teve com a sua empregada.

https://www.youtube.com/watch?v=Cr77ku0XrG4

“As Ruas de Laredo”

1995

Sonia Braga já tinha sido escrava, professora, empregada, presidiária, chegava então o momento de entrar num western norte-americano, “As Ruas De Laredo” (estreou nos ecrãs portugueses no verão de 1997). Mini-série da CBS, três episódios, ao longo de cinco horas, para adaptar um dos romances da série de “Lonesome Dove” de Larry McMurtry. Sonia Braga é uma das mulheres fortes do elenco, como Maria Garza, cuja história se relaciona com a de Lorena, a cargo de outra grande figura do imaginário popular dos anos 1970, Sissy Spacek.

“O Sexo e a Cidade”

2001

Depois de alguns anos em papéis menores, entre filmes secundários, telefilmes e séries que passaram algo despercebidas — onde se inclui uma adaptação para o grande ecrã de “Tieta do Agreste” (1996), que não chegou a ter estreia comercial em Portugal — Sonia Braga participa em alguns episódios de “O Sexo e a Cidade” em 2001. Foi o início de uma série de papéis em episódios de séries como “Lei & Ordem” (em 2003), “CSI: Miami” ou “Alias” (ambas em 2005), “Irmãos e Irmãs” (2010-2011) ou “Mágoas de Grandeza” (2014).

“Luke Cage”

2016

O seu papel como mãe de Claire Temple (Rosario Dawson) é um papel menor, sim. “Luke Cage” poderia estar integrado no ponto anterior, onde se fala das séries em que entrou neste século. Mas a interpretação de Soledad prova que os seus talentos também não passaram despercebidos à Netflix e, claro, ao universo Marvel. É uma mulher-aranha sem ser uma super-heroína.

https://www.youtube.com/watch?v=ytkjQvSk2VA&t=4s

“Aquarius”

2016

O cabelo, o amor e o cancro de Clara. Sonia Braga dá corpo e alma à personagem principal do filme de Kleber Mendonça Filho, que agora se estreia em Portugal. É uma das grandes interpretações na carreira da atriz, que tem arrecado uma série de prémios, como no Prémio Ibero-Americano de Cinema Fênix ou no San Diego Film Critics Society Awards. Clara sobrevive a um cancro da mama. Viúva, mãe, mulher, jornalista e escritora, mas, sobretudo, um ser humano que não quer que o seu passado, as suas memórias e a sua vida lhe sejam tiradas sem dignidade. Um papel que transcende o próprio filme.