Fazendo um zapping pelos canais do cabo após o nulo do Benfica em Paços de Ferreira, era um fartote de ouvir a ideia de que os encarnados iriam entrar atrás no clássico da próxima jornada. De quando em vez, lá aparecia uma voz que dizia “mas atenção, o FC Porto tem de ganhar ao V. Setúbal”. Mas rapidamente era engolida por algumas críticas a Rui Vitória, uns pozinhos de teorias de conspiração e uma certeza que não passava disso mesmo de que os dragões, 444 dias depois, iriam isolar-se na liderança da Primeira Liga. Afinal, aquela voz é que tinha razão.

Era fácil apostar numa vitória dos dragões na receção aos sadinos. E depois do encontro das águias, provavelmente houve uma romaria ainda maior à outra missa de domingo de manhã: preencher o Placard. Os números jogavam a favor dos azuis e brancos: tinham feito 40 dos últimos 42 pontos em disputa; tinham ganho 58 das 68 vezes em que defrontaram este adversário em casa para o campeonato; tinham Soares, que marcara nos primeiros seis jogos da Primeira Liga de dragão ao peito. Tinham tudo menos o antídoto para as bolas ao poste, a ineficácia na hora de finalizar e, sobretudo, a ansiedade que tomou conta da equipa com o passar dos minutos após o 1-1. Com isso, quem fez história foi mesmo o V. Setúbal, conjunto liderado por José Couceiro com um dos orçamentos mais baixos da competição.

Frederico Venâncio apontou o golo que valeu o empate na Luz, num lance que teve também Vasco Fernandes

José Couceiro já foi treinador (e jogador, e diretor, e candidato a presidente) do Sporting; já foi treinador do FC Porto; nunca foi treinador do Benfica mas manteve sempre uma relação próxima com Luís Filipe Vieira, quando ambos tomaram conta do futebol do Alverca na Primeira Liga. Aos 54 anos, é das pessoas que melhor conhece o futebol português. Trata por tu os adversários, até mesmo os que se estreiam este ano como técnicos – Nuno Espírito Santo, por exemplo, chegou a ser orientado pelo técnico dos sadinos em 2004/05. E leu bem o que tinha de fazer para abafar o Dragão, da mesma forma como já tinha arrancado um empate na Luz à segunda jornada.

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Com isso, e pela primeira vez na sua história, o V. Setúbal conseguiu fazer um campeonato sem qualquer derrota frente a Benfica (empate 1-1, vitória por 1-0 no Bonfim) e FC Porto (empates 0-0, em casa, e 1-1, fora). E mesmo não tirando pontos ao Sporting na Primeira Liga, afastou os leões da fase final da Taça da Liga com um triunfo por 2-1. Com esses resultados, somados a todos os outros que já conseguira, garantiu o principal objetivo da época – assegurar a permanência no principal escalão do futebol português. E trouxe outro brilho ao clássico.

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O mais curioso ainda é ver a história do herói desta noite, João Carvalho. Um jovem internacional Sub-21, com um largo futuro pela frente, que se destacava pela equipa B dos encarnados até à saída de Ryan Gauld de Setúbal para o Sporting. Os leões não terão gostado de algumas atitudes dos sadinos antes e depois do jogo da Taça da Liga e, vai daí, decidiram quebrar os empréstimos do escocês e de André Geraldes, que estão agora na equipa B verde e branca. Faltando um médio construtor, e sem meios para grandes aventuras, Couceiro recorreu ao miúdo do Benfica. E hoje, na estreia a marcar pelo conjunto do Sado, garantiu um ponto que pode mudar a história do campeonato. Ficará agora essa dúvida: e se Sporting e V. Setúbal mantivessem as boas relações?