Será a quarta vez que se encontram. Desde que o escândalo rebentou em Castanheira de Pera e o maestro, de 21 anos, foi afastado da liderança do coro paroquial de São Domingos – segundo o próprio, por ser homossexual; de acordo com a diocese de Coimbra, por delito de “desobediência e rebeldia para com a autoridade” -, João Cláudio Maria já foi chamado à presença do vigário-geral de Coimbra quatro vezes.

Aconteceu a 20 de fevereiro, a 1 de março, a 10 de março, e hoje, 20 do mesmo mês, voltará a suceder. “Ligou-me na semana passada a dizer que queria falar comigo, perguntou se podia ser na sexta-feira. Como eu estava fora, a trabalhar, na Bolsa de Turismo de Lisboa, ficou para hoje às 19h. Tenho esperança de que ele se sente e me ouça finalmente. Já lá fui três vezes para ser acusado, praticamente nem pude abrir o bico. Disse-me sempre ‘por muito que fales não tens como te justificar’. Cada reunião durou umas duas horas, sempre só comigo e com ele, para não haver testemunhas. Na segunda, retirou-me o ministério e fez com que ficasse impedido de cantar em todas as igrejas; na seguinte já me disse que não tinha dito nada disso, que eu e o coro só não podíamos cantar nas igrejas de Castanheira de Pera”, conta o maestro ao Observador.

Se na primeira reunião, em Coimbra, o maestro foi confrontado com acusações relativas a desvios de dinheiro alegadamente ocorridos há quatro anos, nas últimas, garante, esse assunto não veio sequer à baila. “Já deixaram cair essa acusação, claro, não fazia sentido nenhum! Entretanto falei com uma pessoa do Conselho Económico da Igreja que me disse que o meu problema era ter-me metido na política. Estão a arranjar desculpas atrás de desculpas mas continuam a fazer este braço-de-ferro, por orgulho. O vigário-geral diz sempre que os ataques [por causa da homossexualidade] são interpretações minhas, que não são reais.”

Realmente fechadas estiveram ontem as portas da Igreja Matriz de Castanheira de Pera, onde a habitual missa de domingo, celebrada religiosamente entre as 11h30 e as 12h30, não se realizou. Há apenas uma semana, em revolta contra o afastamento de João Maria e o silêncio imposto ao coro por ele dirigido, os castanheirenses gritaram que mais valia que a capela fosse encerrada. Ontem, dia de São José, essa vontade foi cumprida: “Dado não haver condições, como se tem visto para celebrar a fé, hoje domingo dia 19/03/2017 não há celebração. Em alternativa missa no Coentral [freguesia vizinha, a 9 km de distância] às 16h”, puderam ler numa folha colada na porta da igreja, com cabeçalho da Fábrica da Igreja Paroquial de Castanheira de Pera.

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“As pessoas foram à igreja a pensar que ia haver missa e não havia nada. Ficaram indignadas com isto, se não havia missa pelo menos podiam ter deixado as portas da igreja abertas, para se poder rezar. Algumas ficaram lá à porta durante algum tempo, mas não apareceu ninguém”, diz ao Observador Fernando David, membro do coro de São Domingos e filho da proprietária do Café Chicote, a dois minutos da Igreja. Ao todo, hoje são 12 os membros do grupo, menos três do que no início da polémica, homens e mulheres entre os 17 e os 70 anos: “Com o ultimato do padre José, que disse que ou era ele ou eu, essas três pessoas saíram. Houve um que me disse que talvez voltasse quando a situação acalmasse, é director do centro paroquial, deu-me a entender que não podia estar contra o senhor padre”, diz João Maria.

O maestro, que chegou à freguesia por volta das 6h00 da manhã de domingo, vindo do trabalho em Lisboa, foi avisado logo de manhã do aviso afixado na igreja, que só abre aos dias de missa, sábados e domingos, geralmente às 10h00.

“Nunca tinha acontecido. Sentámo-nos à porta e ficámos por lá a conversar, éramos uns 30. À hora a que devia ter acabado a celebração, fomos embora. Isto é tão injusto, tão sem cabimento e fora do normal que às vezes acho que não é real. Isto não é a Igreja de hoje, não pode ser a Igreja de hoje!”

Fátima Coelho, que no passado 19 de fevereiro, em plena missa, pediu para fazer uma “confissão pública” e acabou a defender o coro de São Domingos e o maestro perante o padre José Carvalho, entretanto afastado da paróquia há quase um mês, segundo o próprio “por uma questão estratégica”, também esteve à porta da Igreja. Ao Observador, diz que lamenta a atitude e que o sentimento geral da população é de tristeza: “Não achei jeito de fazerem aquilo. Ainda por cima, no sábado, durante a missa [na ausência de José Carvalho, em retiro em Cascais, acreditam os fiéis, celebrada agora pelo padre de Pedrogão Grande], disseram que no domingo ou haveria missa ou celebração, nunca que a igreja ia estar fechada. Não só não devia ter acontecido, as portas da igreja deviam estar abertas, como a acontecer devíamos ter sido avisados, as coisas devem ser resolvidas pelo diálogo. Já se viu ao longo de todo este processo que aqui as coisas funcionam na base do eu quero, posso e mando, é de lamentar mas é o que temos”.

Por seu turno, João Maria acredita que à quarta reunião talvez seja de vez. “Já não estou nervoso, sinto-me em paz. Vou tentar falar com o vigário-geral de uma forma diferente. Mas também dependerá muito do que ele tiver para me dizer. Sei que em Coimbra há muita gente que não concorda com ele. Nenhum padre gosta destas situações e, já se sabe, para a Igreja, quanto menos se falar sobre homossexualidade, melhor.”

Para além de ter, como tem desde o início, grande parte da população de Castanheira de Pera do seu lado, João Cláudio Maria acredita que, agora, tem também o tempo a seu favor: “Estamos a chegar à Semana Santa, a pressão sobre a Igreja é cada vez maior. É a semana da Paixão, do Domingo de Ramos, da Bênção dos Ramos, a igreja não pode continuar fechada; este braço-de-ferro, que a Igreja está a fazer por orgulho, tem de acabar”.

Garante que não tenciona afastar-se da missa e denuncia outros problemas que, com o afastamento do coro, começam a surgir: “Tínhamos um casamento marcado para 1 de Julho. A noiva já ligou para a diocese e a resposta que lhe deram é que não há nada a fazer e que o coro não pode mesmo cantar. Com tão pouco tempo de antecedência não vai conseguir encontrar outro. Já nos fizeram tudo, já me lincharam em público, disseram que era insubordinado, que tinha desviado dinheiro, agora é que já não temos mesmo nada a perder, não vamos desistir – é isso que lhe vou dizer esta tarde”.

Apesar das tentativas do Observador, tanto o vigário-geral da diocese de Coimbra, Pedro Miranda, como o padre José Carvalho se mantiveram incontactáveis.