A Caixa Geral de Depósitos (CGD) concretizou esta quinta-feira a emissão de dívida perpétua que há várias semanas estava a ser preparada e que é essencial para que o plano de recapitalização do banco público possa ser concluído com sucesso e o Estado possa injetar os 2.500 milhões de euros sem que isso seja considerado ajuda de Estado a um banco a operar no mercado concorrencial. Houve uma procura elevada mas o juro ficou em quase 11%, mais do que a Caixa pagava no empréstimo da troika (e pagava ao Estado, como um dividendo, e não a investidores privados, como agora).

Quem comprou os títulos?

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O montante final alocado aos investidores institucionais nesta emissão da CGD foi distribuído por gestoras de ativos (49%), hedge funds (41%) e seguradoras (5%) e com uma origem geográfica diversa, com destaque para o Reino Unido (59%), Portugal (14%), Suíça (8%), Espanha (6%) e França (5%). No total, foram mais de 160 investidores.

Porque é que emissão saiu tão cara?

O conceito de caro, nos mercados financeiros e na economia, é sempre relativo. Mas todas as emissões que os bancos europeus têm feito nos últimos meses têm características diferentes, o que torna mais difícil fazer comparações e aferir se a emissão foi cara ou não. Uma coisa é certa: a colocação de dívida desta quinta-feira — 500 milhões a que se juntarão mais 430 milhões dentro de alguns meses — vai obrigar a Caixa a pagar juros de quase 100 milhões de euros por ano, o que seria um desafio para a rentabilidade de qualquer banco. É, também, por isso que especialistas como os da agência DBRS veem riscos no regresso da Caixa aos lucros.

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Não se pode considerar, ainda, a dívida barata, porque é mais cara do que o empréstimo estatal que a Caixa teve de remunerar nos últimos anos e que também ascendia ao pagamento anual de juros na ordem de 90/100 milhões de euros. O empréstimo estatal, que já contava para os rácios de capital da Caixa (por isso mesmo foi feito), acabou por ser absorvido como capital no âmbito da recapitalização pública. Esse encargo anual, que penalizava a margem financeira da Caixa (e dos outros bancos que receberam empréstimos estatais — BCP, BPI e Banif), vai agora ser substituído por um pagamento de juros associados a esta emissão.

Mas a emissão junto de privados teve de ser feita, para se poder concluir o plano de recapitalização e demonstrar, nos termos definidos pela DGComp, que o aumento de capital estatal foi feito em termos que também seriam válidos caso a Caixa tivesse acionistas privados e precisasse de fazer emissões no mercado. Nas palavras de um especialista ouvido pelo Observador, o custo é elevado mas é inevitável — “é como mudar de casa para poupar na renda, já sabemos que vamos ter de pagar a alguém para fazer as mudanças”.

Apesar das diferenças, as emissões que serviram de comparação com a emissão da Caixa foram duas: a emissão do espanhol Popular, cujos títulos estão a ser negociados com uma taxa de perto de 10,8%, e as do italiano UniCredit, que foram emitidas a um juro mais elevado mas já estão a ser negociados a um juro de 8,6%. O que torna a emissão da Caixa especialmente difícil de comparar com outras emissões é que, ao contrário do que acontece no Popular e no Unicredit, existe uma cláusula que impede que, em caso de dificuldades, o crédito agora obtido se converte em ações.

As obrigações podem ser convertidas em ações? Não, não faz parte das condições da emissão. Por lei as ações da Caixa Geral de Depósitos apenas podem ser detidas pelo Estado Português. Para garantir isso a emissão prevê o mecanismo de redução do valor nominal dos títulos e não a conversão em ações. (esclarecimento da Caixa Geral de Depósitos sobre a operação, disponível aqui)

Se os rácios baixarem, há perdas para os investidores

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Caso o rácio de fundos próprios principais de nível 1 (CET1) consolidado ou individual da CGD desça abaixo de 5,125%, o valor nominal dos Valores Mobiliários será reduzido de forma a repor o referido rácio de fundos próprios principais de nível 1. Esta redução pode ser temporária, uma vez que se a CGD voltar a ter lucros, poderá repor o valor nominal dos Valores Mobiliários desde que, ao fazê-lo, o rácio de fundos próprios principais de nível 1 não desça abaixo de 5,125%.

O que é que isto quer dizer? Em termos simples, significa que o Estado beneficia de uma grande proteção e sabe que não irá ver a dívida convertida em ações — significaria que a sua posição ficaria diluída. O que acontece caso a Caixa não consiga cumprir os rácios previstos? Perdas imediatas para os investidores, que podem vir a ser recuperadas em parte, mas são perdas. E o que é que isto implica? Maior risco, claro, e maior risco significa juros mais elevados.

“Vamos supor que existe um crash no mercado imobiliário dentro de alguns anos. Isso significaria que os ativos da Caixa iriam desvalorizar-se e, com isso, os rácios de capital iriam baixar. Aí, os investidores vão ter perdas, ou seja, esse risco está presente na mente dos investidores neste momento da subscrição”, explicou um especialista em mercado de dívida, ao Observador.

Apesar dessa cláusula, Paulo Macedo garantiu antes da operação que os “investidores, todos eles do tipo institucional (fundos de investimento, fundos de pensões, seguradoras, hedge funds), demonstraram profundo conhecimento acerca da CGD e do setor financeiro português, bem como um forte interesse na operação”. A procura foi, de facto, elevada — cerca de quatro vezes a oferta antes da hora de almoço — apesar das limitações que alguns investidores têm em investir em ativos tão arriscados. Mas a procura elevada não foi suficiente para baixar de forma mais significativa o juro a pagar — que foi fixado em 10,75%.

“São obrigações perpétuas vendidas a investidores institucionais, aquele que normalmente o PCP e o BE chamam fundos abutres. Se fosse feita por nós, PSD, levantavam-se todas as vozes a dizer: está em curso uma privatização encapotada, era o que os senhores diriam”. A acusação foi do líder da bancada parlamentar do PSD, Luís Montenegro, que acrescentou que esta é uma “privatização geringonçada” da CGD.

Na realidade, a tal cláusula que impede a conversão das obrigações em ações, que agrava o juro, impede que se possa falar em privatização da Caixa por causa desta operação. O que se pode dizer é que os benefícios do capital público que vai ser injetado na Caixa serão subtraídos pelos quase 100 milhões de euros de juros que serão… privatizados, ou seja, pagos a investidores privados.

Mas foi este o fruto da negociação com as autoridades europeias da concorrência, a chamada DGComp. O primeiro-ministro, António Costa, comentou que não deseja “a ninguém, sobretudo a alguém que seja meu amigo, que tenha de negociar com a DGComp”. Contudo, a entidade acabou por aceitar que uma emissão de dívida perpétua (sem data de reembolso prevista) de 500 milhões, mais 430 milhões, seja suficiente para demonstrar que a Caixa tem acesso ao mercado e que o Estado reforça no capital como um investidor privado o faria.

O que outro especialista em mercados financeiros sublinhou, em conversa com o Observador, é que com mais ou menos comparabilidade, o problema desta emissão é que poderá criar uma referência para outras emissões de outros bancos, que venham a ser feitas. Se outros bancos quiserem emitir dívida com estas características no mercado, os quase 11% pagos pela CGD serão sempre um valor que estará na mente dos investidores.