Se há coisa que temos cada vez mais em Portugal é espaços para jogar futebol. Agora nem é preciso improvisar, como fazíamos quando éramos miúdos e não pensávamos que andar na rua com ténis novos que ficavam de biqueira gasta em meia dúzia de minutos. É agarrar no telefone, trocar meia dúzia de mensagens, acertar o horário e está feito. Mas isto somos nós, o país dos 10 milhões (hoje somos mais, mas este número redondo não descola) com pouco mais de 92 mil quilómetros quadrados. E na China, esse gigante com 1,3 mil milhões de habitantes e mais de 9,5 milhões de quilómetros quadrados? Devia ser mais fácil, mas não é. E aí entronca um dos seus maiores problemas.

Lin Xiaohua, vice-presidente da Federação Chinesa de Futebol, passou esta manhã pelo Football Talks, congresso que está a juntar no Estoril a nata do futebol mundial. Alto, com uma figura simpática e um sotaque muito próprio na preleção em inglês quando dizia a palavra que mais vezes repetiu: football. “É isto que temos sempre de tomar em conta: Keep Calm and Love Football”, atirou no seguimento da apresentação dos valores gastos pela SuperLiga do país em 2017, quase na ordem dos 450 milhões de euros. Que eles amam o futebol, isso ninguém duvida. Mas a forma como conseguem manter-se calmos é que nos atrai a atenção.

Quando olhamos para os grandes clubes da Europa, ou aqui mesmo de Portugal, percebemos que têm muitos e muitos anos de existência. Na China, temos pouca história. Só em 1994 começámos a ter clubes profissionais. E hoje temos três divisões: 16 equipas na SuperLiga, 16 na Division A e 24 na Divisão 2. Além destes clubes, contamos apenas com mais cerca de 2.000 amadores. E é a partir daqui que devemos perceber o resto”, salienta.

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Não são precisas vistas gold para se perceber que se fala de horizontes largos. Muito largos. Até 2050. E mais uma vez com essa premissa tão habitual na cultura chinesa: desenvolvimento de uma atividade, neste caso o futebol, no seu papel social e económico no país. “Começámos por rever o modelo de governance: temos a Associação de Futebol da China, que foi reforçada; as Associações, que foram sendo esquecidas; e os clubes, que muitas vezes não têm estádios próprios, futebol de formação ou sistemas de fair-play financeiro”. Havia que mudar.

Assim, a China, que tem apenas 10.600 campos de futebol espalhados pelo país, conta ter edificados 70.000 campos até 2020. Que é como quem diz, em menos de quatro anos. Desses, 40.000 serão em escolas e 20.000 nas próprias comunidades. Mas com nuances para promover a paixão pelo jogo: por exemplo, os campos nas escolas poderem ser abertos ao público (e aqui fazemos um parênteses: tem tudo a ver também com uma questão de cultura, acreditando que os mesmos serão bem cuidados por quem os utilize). Em paralelo, serão construídos dois grandes Centros Nacionais de Treino, um no Norte e outro no Sul.

Construídos os alicerces, continuemos a percorrer este novo edifício pensado pelos responsáveis chineses e em três andares distintos: desenvolvimento técnico, com um total de 70.000 treinadores, 30.000 árbitros e 200 centros de treino; criação de 20.000 escolas de futebol, com um sistema muito similar ao que temos nas nossas escolas com disciplinas diferentes etc. mas tendo o foco no ensino do desporto, por forma a atingir-se o número recorde de cinco milhões de jogadores registados; e o projeto “Live Your Goals”, virado para o futebol feminino e com o intuito de dar continuidade a uma vertente hoje muito mais desenvolvida do que o masculino.

Lin Xiaohua recorre-se da história para colocar a China no mapa do futebol (“foi aqui que se começou a jogar futebol na Ásia), mas tem consciência que não se conseguiu apanhar o comboio do profissionalismo quando ele saiu da estação. Agora, corre-se contra décadas perdidas e estudam-se apeadeiros para retomar o trilho perdido. Mas que, atenção, não é assim tão mau como se possa pensar: falamos de uma liga com uma assistência média de 24 mil pessoas por jogo (sexta no Mundo, pelas contas apresentadas), transmitida em termos televisivos para 96 países e regiões e que consegue já receitas de muitos e muitos milhões de euros. Agora, falta o resto.

Nomes como Ricardo Carvalho, Óscar, Hulk (Shanghai), Paulinho, Jackson Martínez (Guangzhou), Ramires, Alex Teixeira (Jiangsu), Witsel, Alex Pato (Tianjin), Tardelli, Cissé, Pellé (Shandong), Tévez, Obafemi Martins ou Guarín (Shanghai Shenua) são apenas os primeiros nomes de uma revolução onde os rostos são importados mas tudo o resto é feito a nível interno. Com calma, de forma pensada. A 30 anos, mais exatamente.