Seis manequins passeiam pela sala. Deixam-se fotografar em poses descontraídas q.b, conversam entre si e vão, à semelhança de convidados e de potenciais clientes, petiscando aqui e acolá o que é servido em pequenas bandejas. Este não é um desfile tradicional, é antes uma performance que pretende aproximar a moda de quem a usa e, em última análise, de quem a compra. Esta quarta-feira, data que assinala o arranque da 40ª edição do Portugal Fashion, o espaço da Storytailors, em Lisboa, transformou-se numa passerelle pouco habitual de modo a apresentar as propostas de primavera-verão 2017 da dupla de sucesso.

A coleção “Monte das Pretas”, inspirada no campo alentejano e originalmente divulgada ao público em outubro do ano passado, ganhou nova vida a mando de uma nova necessidade: desconstruir o mito de que tanto os designers como as suas criações são inacessíveis ao comum dos mortais. Luís Sanchez e João Branco, os hábeis contadores de estórias no reino encantado do corte e costura, apostaram no conceito de “see now, buy now”.

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“As peças estão todas etiquetadas e as pessoas podem experimentá-las e comprá-las. Queremos desconstruir a ideia de que os desfiles são meramente concetuais e não têm uma realidade prática, ou que as peças não podem ser usadas. Queremos desconstruir estes mitos que nos distanciam do nosso cliente”, explica João Branco ao Observador, enquanto passeia os dedos pela roupa que criou, inundada de padrões vistosos — impressos nas muitas camisolas e saias plissadas — que se dividem pelas quatro estações do ano.

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Se na loja da Storytailors a palavra de ordem é “desmistificar”, no desfile da também dupla Alves/Gonçalves, com lugar cativo na Cordoaria Nacional, a mistura de tecidos e os cortes assimétricos dão corpo e textura à “desmistificação do clássico”, como explica Manuel Alves à porta do camarim, onde, momentos depois, duas dezenas de modelos entram descontraídas para se começarem a vestir. No processo, cabe aos designers ajeitar golas e mangas, bem como apertar botões, e às aderecistas ajustar a roupa sobre o corpo de quem a vai usar e, se for preciso, colar os sapatos com fita cola aos pés das jovens mulheres.

A dupla Alves/Gonçalves quiseram reconstruir peças clássicas, mais tradicionais, de forma a mostrar a versatilidade da moda. © Ugo Camera

“Pegámos na expressão ‘no trendy’ e, a partir daí, procurámos subverter o clássico”, continua Manuel Alves, falando com orgulho da nova coleção de outono-inverno 2017-2018 da marca. A dupla não quer ser trendy, mas sim passar a mensagem de que as gerações mais novas têm a “obrigação de olhar para outras formas de se vestirem”. É nesse sentido que fala da reconstrução do que é considerado tradicional: “Onde há uma manga, há um zip. Onde há um casaco, há também umas calças [cosidas por inteiro na parte de trás]. Queremos dar uma ideia mais divertida, mais espontânea”.

Não é assim de estranhar que à passerelle tenham chegado silhuetas esguias e volumes amplos, peças em ganga misturadas com outros tecidos, incluindo pelos, inúmeros plissados com acabamentos técnicos, casacos e vestidos com aplicações brilhantes e estampados fluidos. Isto é, visuais que marcam pela junção de materiais — da ganga, que até então a dupla nunca tinha usado, à seda e à caxemira –, mas também de conceitos.

A dupla não foi a única a transmitir mensagens através de roupas mais e menos fluidas. Semelhante responsabilidade (ou vontade) ficou a cargo dos designers Alexandra Moura e Pedro Pedro, cujos desfiles antecederam o de Alves/Gonçalves. E se Moura voltou a dar uma lição de história portuguesa, à imagem e semelhança do desfile que orquestrou na Semana da Moda de Londres, Pedro Pedro tirou partido, tal como em Milão, do mundo caótico em que vivemos para criar peças de roupa disruptivas, munidas de cortes assimétricos.

O primeiro dia da 40ªa edição do Portugal Fashion, que ocupou em grande a centenária Cordoaria Nacional, virada para um Tejo muito diferente do Douro, terminou ainda com o desfile da conhecida marca TM Collection. O evento dedicado a promover a moda portuguesa — de tal forma que nem o primeiro-ministro António Costa faltou, para dizer aos jornalistas que esta é uma indústria “de grande valor e de grandes valores” — vai passar ainda pelo Porto e promete inúmeros desfiles até ao dia 25.