Só a criação do mercado integrado na Península Ibérica pode “imunizar” Portugal face a preços mais elevados ou subidas repentinas no custo do gás natural, defende a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), numa carta enviada ao Governo.

Esta é a segunda resposta dada este ano pelo regulador sobre a evolução dos preços da energia à secretaria de Estado da Energia, tutelada por Jorge Seguro Sanches. Depois de questionar a ERSE em relação à subida dos preços da eletricidade no mercado grossista, que aconteceu em janeiro, a secretaria de Estado da Energia voltou a interrogar o regulador sobre o elevado custo do gás natural. O gás é usado na Península Ibérica para produzir eletricidade, fator que foi aliás apontado como explicação para o agravamento conjuntural dos preços da energia elétrica em janeiro.

Uma das questões levantadas por Jorge Seguro Sanches lembrava a circunstância de a Península Ibérica ter “uma parte considerável de capacidade de importação para considerar que era “expectável que o diferencial de preços de gás natural entre o norte e o sul da Europa fosse de menor dimensão”.

Na carta a que o Observador teve acesso, a ERSE realça que para mercados de reduzida dimensão, como é o português, a resposta tem de passar por “um nível mínimo crítico de integração regional”. Ou seja, só a “imunização do sistema nacional (e ibérico) a estes impactes em preço é apenas concretizável com o referido nível de integração de mercado”, diz o documento que ainda é assinado por Vítor Santos, o presidente da ERSE que já terminou o mandato, mas cuja substituição aguarda a nomeação da sucessora, Cristina Portugal, que já está n conselho do regulador.

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Qual é a relação entre o nuclear francês e o preço da eletricidade em Portugal?

Tal como defendeu na primeira resposta dada em fevereiro, a ERSE diz que necessário “avançar de forma concreta na implementação de um mercado ibérico de gás natural, robustamente integrado com o centro da Europa”. Depois de sublinhar que fez o que lhe competia por via regulamentar, com a adaptação das regras necessários ao funcionamento de um mercado mais integrado, com Espanha e o resto da Europa, o regulador devolve a bola ao Governo, a quem compete tomar os passos políticos necessários para concretizar o mercado ibérico de gás natural (MIBGAS). Ao mesmo tempo, diz-se disponível “para contribuir para os trabalhos que o Governo identifique como necessários e prementes para a concretização do Mercado Ibérico de Gás Natural”.

A carta lembra que a sociedade MIBGAS foi já reconhecida como a operadora neste mercado, mas que esta entidade, ao contrário do que defende a ERSE, “considera que apenas poderá listar produtos com entrega em Portugal, “depois de formalizado o acordo entre os dois Estados (Portugal e Espanha) que defina expressamente essa circunstância”.

A criação do MIBGAS, a versão gasista do MIBEL (mercado ibérico de eletricidade) tem sido defendida por vários governos portugueses, incluindo o atual, mas o vazio político que marcou o o último ano do lado espanhol, com a indefinição em relação à solução governativa, travou o andamento deste projeto. Por outro lado, é conhecida a resistência francesa em reforçar as interligações de energia com a Península Ibérica, ainda tenha usado essa capacidade para se abastecer quando uma parte importante do seu parque de centrais nucleares esteve parado, procura que foi a principal razão para a subida dos preços da eletricidade em janeiro.

A ERSE destaca as restrições do mercado português, e ibérico, do gás natural que está dependente do abastecimento de dois contratos de abastecimento do longo prazo, com a Argélia e a Nigéria, que fornecem por gasoduto e por barco, isolado dos hubs da Europa central e do Norte, que recebem gás de diversas origens geográficas (uma das mais importantes é a Rússia). Por outro lado, e apesar da flexibilidade introduzida pela capacidade de importar gás via terminais como o de Sines, no curto prazo, a “rigidez contratual poderá não responder a variações de procura, sobretudo em situações de acréscimos de consumo”, como a verificada no início do ano.

A ERSE aponta ainda para a existência “de congestionamentos contratuais no fornecimento de gás natural com proveniência de gás natural de Argélia” que restringiram as entregas à Península Ibérica, e outros destinos europeus, concluindo que só uma maior integração com os mercados do centro e do norte da Europa permite fazer uma arbitragem com o gás de outros fornecedores e assim obter uma resposta mais vantajosa para os consumos de mais curto prazo.