O Sr. Ove, 59 anos, sueco, viúvo e principal protagonista de “Um Homem Chamado Ove”, de Hannes Holm, bem tenta suicidar-se, mas há sempre um “idiota”, como ele lhes chama, que à última da hora o impede de ir ter com Sonja, a sua bem-amada mulher, falecida há poucos meses. Ove vai pendurar-se numa corda na sala de jantar, mas a nova e afável vizinha iraniana toca à porta para lhe dar um “tupperware” com comida; à segunda tentativa, a corda parte-se e Ove, um vergão vermelho em redor do pescoço, corre à loja para protestar da má qualidade do produto; mete-se na garagem, no carro, com uma mangueira enfiada no tubo de escape, e lá bate a vizinha com estrondo à porta da dita, a pedir-lhe que leve ao hospital o marido que caiu de um escadote e se magoou, porque ela, além de estar grávida do terceiro filho, não sabe guiar; dirige-se à estação local para se atirar para baixo de um comboio, e acaba por salvar um tipo que se mandou para a linha antes dele.

[Veja o “trailer” de “Um Homem Chamado Ove”]

Reformado compulsivamente do emprego nos caminhos de ferro onde sucedeu ao pai, sem a mulher e incapaz de se conseguir matar em sossego, o Sr. Ove dedica-se então ao seu único passatempo: fazer a vida negra aos vizinhos, ele, que já não é presidente da Comissão de Moradores do bairro mas ainda age como tal. E como. Ameaça a rapariga que tem um cão barulhento de o mandar desta para melhor, recusa arranjar os radiadores à senhora que tem o marido quadriplégico, anota as matrículas dos carros mal estacionados, espingarda contra quem não é da vizinhança e rosna a todos em geral. Ove tem um feitio em arame farpado. E fica ainda pior quando para a casa do lado se muda a simpática e barulhenta família da senhora iraniana grávida e sem carta de condução, do seu marido sueco que guia mal e não consegue consertar nada, e das duas filhas pequenas e chilreantes.

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[Veja a entrevista com o realizador Hannes Holm e o actor Rolf Lassgard]

Juntamente com “Toni Erdmann”, de Maren Ade, “Um Homem Chamado Ove”, baseado no “best-seller” com o mesmo título do escritor Fredrik Backman, foi um dos sucessos do cinema europeu de 2016 que teve expressão até nos EUA, fenómeno que se dá quase todos os anos. Ambos foram popularíssimos e muito lucrativos nos seus respectivos países, premiados a nível do Velho Continente e nomeados para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (o filme sueco até teve uma segunda nomeação, para Melhor Maquilhagem), tendo-se “Um Homem Chamado Ove” portado mesmo muito bem nas bilheteiras americanas.

[Veja uma sequência do filme]

Uma das principais razões – talvez mesmo a principal – do sucesso sem fronteiras de “Um Homem Chamado Ove” é o ser um filme “feel good”, feito para agradar ao maior número possível de pessoas mas que não se nega a ter momentos “feel bad”, tristes e deprimentes; e que consegue equilibrar o humor negro e os bons sentimentos, enquanto respeita as convenções do formato. Rezam estas que uma personagem aparentemente intratável acaba por revelar o seu bom coração graças à entrada de pessoas afáveis na sua vida, tendo além disso atenuantes para o seu mau feitio. As do Sr. Ove estão relacionadas com a falecida mulher, e o filme esmera-se (um pouco demais) a desvendar, numa série de “flashbacks”, a história de amor entre ambos, as muitas qualidades de Sonja, a tragédia que atingiu o casal, a incansável devoção de Ove à mulher e as razões do seu ódio a burocratas e “engravatados”.

[Ouça excertos da banda sonora]

https://youtu.be/IdvesrOdLTs?list=PLxfFUYjDOrpdZtMwxX9BkYWGyrQBxqOx9

É por isso que cinco minutos depois de “Um Homem Chamado Ove” ter começado já temos muito pó à personagem, e no final queremos fazer-lhe o mesmo que todos os seus vizinhos, ou seja, acarinhá-lo e apaparicá-lo como se fosse o nosso bondoso e cordial avô, e até acompanhá-lo na sua indispensável ronda ao bairro. Ove é interpretado pelo veterano Rolf Lassgard, conhecido na Suécia pelos seus papéis em séries e filmes policiais, nomeadamente o do inspector Kurt Wallander, criado pelo escritor Henning Mankell, e que se revela aqui também um consistente actor de comédia, metido na pele do velhote como ervilha numa vagem.

O filme tem algumas pepitas de comédia enraizadamente sueca – a longa e cerrada rivalidade Volvo-Saab entre Ove e o vizinho Rune – e um gato vadio irresistível, e conclui com uma mensagem que faz o elogio da entreajuda e do espírito de comunidade, com espaço para a tolerância e alguma “inclusão”. É bonito e fica-lhe bem, embora no cinema as soluções para os problemas sejam sempre mais fáceis e optimistas do que na vida real.