“Tenho observado os políticos. Lidei com eles toda a minha vida. Se não consegues fazer um bom acordo com um político, então existe alguma coisa de errado contigo. Não podes ser muito bom. E são esses que nos têm representado. Eles nunca farão a América novamente grandiosa. Não têm hipóteses. Eles estão totalmente controlados — pelos lobistas, pelos doadores e pelos interesses especiais”. Foi desta forma que, a 16 de junho de 2015, Donald J. Trump se apresentou aos norte-americanos como candidato à Casa Branca, o auto-proclamado grande negociador que ia derrotar o establishment e conseguir os melhores acordos para os norte-americanos. Ainda assim, no primeiro teste decisivo à sua capacidade de negociação, o Presidente dos Estados Unidos falhou. E falhou com estrondo, às mãos do próprio partido.

Na sexta-feira, Donald Trump foi forçado a retirar o plano que tinha para substituir o Obamacare na Câmara dos Representantes, depois de não ter conseguido garantir o apoio do próprio partido, mais precisamente da ala mais radical dos conservadores no Senado, o Freedom Caucus. O Partido Republicano tinha uma margem de 21 votos no Senado para fazer aprovar o plano, mas nem assim foi capaz de o fazer, com a imprensa norte-americana a descrever o resultado das negociações como uma “derrota humilhante” para Donald Trump.

Republicanos não conseguem votos para revogar Obamacare

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Na altura de reagir à derrota, o Presidente norte-americano apressou-se a apontar dedos. Reconheceu que estava “ligeiramente desapontado” e “surpreendido”, garantiu que tinha uma “excelente relação” com a ala mais radical do partido, o Tea Party, assegurou que “o Obamacare vai acabar por explodir” nas mãos dos democratas e disparou: “Os verdadeiros perdedores são Chuck Summer [líder da minoria no Senado] e Nancy Pelosi [líder dos democratas]”.

Mas Trump parece isolado nesta leitura. O site Politico, por exemplo, não hesita: a primeira tentativa de Trump de controlar o Congresso “fracassou miseravelmente e ameaça paralisar sua agenda política do primeiro ano”. Apesar de ter tentado transformar esta “derrota humilhante”, com lhe chamou o The Washigton Post, em vitória, Trump saiu fragilizado deste primeiro embate com o seu próprio partido — o mesmo partido que foi forçado a apoiar a candidatura multimilionário, depois de a “febre laranja” ter derrubado, um a um, os candidatos do aparelho republicano.

De resto, o The New York Times tem um artigo a esse respeito: “A maior derrota de Trump no seu curto período é o resultado de uma longa guerra civil republicana que já havia humilhado uma geração de líderes partidários antes dele”.

Apesar de ter desvalorizado este resultado, a verdade é que Donald Trump se empenhou diretamente nestas negociações. Na manhã de quinta-feira, quando a derrota do “Trumpcare” já parecia inevitável, a Casa Branca ainda cedeu a algumas exigências da representação do Tea Party no Congresso, admitindo cortar os requisitos mínimos obrigatórios, como o acesso a apoio na maternidade, a serviços de emergência e apoio à saúde mental. Ainda que todos os republicanos concordem no essencial — o plano de saúde pensado por Obama deve ser revertido — a ala mais radical do partido queria ir mais longe e reduzir o Obamacare a pó. E bateu o pé ao Presidente norte-americano.

De acordo com The Washigton Post, que faz um relato extensivo e detalhado sobre os bastidores das semanas de negociação, Trump não foi capaz de pressionar com eficácia os membros do seu próprio partido, nunca foi verdadeiramente capaz de explicar os detalhes do novo plano de saúde e falhou em votar os democratas ao isolamento, não tentado sequer encetar um tímido esforço de negociação.

Quando o cenário de chumbo parecia cada vez mais certo, Trump tentou seduzir os conservadores que estavam indecisos com sessões de bowling na Casa Branca, levou-os a passear no Air Force One, telefonou, conversou e desconversou. Apesar dos avisos dos seus assessores, o Presidente norte-americano nunca deixou de tentar, apesar das dúvidas que sempre levantou sobre o projeto de lei — a 6 março, no dia em que o líder da Câmara, o republicano Paul Ryan, apresentou o pacote legislativo, Donald Trump deixou escapar: “Isto é mesmo uma boa lei?”, terá questionado Trump, segundo o relato The Washigton Post.

Noutro texto, o Politico propõe-se a desmontar a estratégia de controlo de danos que a Casa Branca tem curso. Na hora de encontrar culpados, todos apontam o dedo ao mesmo Paul Ryan: o homem que devia ter assegurado o sucesso da votação no Congresso é desprezado pela ala mais radical dos conservadores e perdeu o controlo do próprio partido.

A relação tensa entre Trump e Paul Ryan ganha especial relevância neste caso: ainda que o Presidente norte-americano se tenha apressado a desresponsabilizar o líder da Câmara pelo falhanço, esta derrota fragiliza ainda mais o conservador, o maior responsável pelo novo plano de saúde. As dúvidas de Trump em relação ao projeto de lei, de resto, nunca o terão deixado. Ainda assim, e numa altura em que a operação de charme teimava em não dar os resultados desejados, Trump ainda tentou uma outra estratégia: o ultimato. Ou conservadores aprovavam do novo plano de saúde nacional ou tinham de se contentar com o Obamacare, o ódio de estimação dos Republicanos.

Sem efeito. Grande parte da ala mais radical do partido manteve a posição e Trump foi obrigado a retirar o projeto de lei. O grande negociador fez bluff e acabou por ser derrotado no próprio jogo.