No dia em que o Governo britânico entregou formalmente a notificação a pedir a saída da União Europeia, acionando o artigo 50, as reações não se fizeram esperar. E se é verdade que Theresa May prometeu fidelidade à Europa mesmo depois do divórcio, foram poucos os que conseguiram esconder a preocupação com o futuro do Reino Unido. Na hora da despedida, houve lágrimas e lamentos, mas também festejos dos que há muito vinham defendendo este desfecho.

No Parlamento, a primeira-ministra britânica, que fez campanha pela manutenção do Reino Unido na União Europeia, tentou convencer os deputados de que a saída do país do clube dos 28 era uma oportunidade única para o Reino Unido de construir um futuro melhor nesta geração. Uma oportunidade para que o país possa emergir “mais forte, mais justo e mais virado para o exterior”, ao mesmo tempo que recupera a soberania em vários domínios. Uma “viagem importante”, assente num plano “claro e ambicioso”, cujo objetivo é criar “uma parceria nova e profunda com a União Europeia”.

O Reino Unido quer ser um “amigo próximo” da União Europeia, prometeu Theresa May. Mas a verdade é que as promessas de amizade convenceram poucos. Jeremy Corbyn, líder do partido Trabalhista, já veio dizer que “a direção que a primeira-ministra quer é insensata e perigosa”. “O Reino Unido vai mudar, a questão é como”, afirmou o trabalhista. Recorde-se que o líder trabalhista já ameaçou chumbar o plano de saída do Reino Unido da União Europeia se nesse acordo não forem garantidos os “mesmos benefícios” de que o Reino Unido goza neste momento.

Jeremy Corbyn ameaça votar contra acordo do Brexit

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Incerteza parece ser, neste momento, o sentimento dominante entre britânicos e europeus. Glenis Willmott, líder do Partido Trabalhista no Parlamento Europeu, por exemplo, não conseguiu esconder as lágrimas no dia em que o Reino Unido iniciou formalmente o processo de desvinculação da União Europeia. O momento foi registado por Gianni Pittella, líder do grupo parlamentar dos socialistas no Parlamento Europeu, e partilhado no Twitter.

O dia de hoje fica também marcado por imagens como estas. Para a história ficam também as fotografias de Tim Barron, o embaixador britânico na União Europeia, a entregar a carta que aciona a saída do Reino Unido da União Europeia a Donald Tusk — e o olhar nostálgico do presidente do Conselho Europeu.

(Photo credit should read YVES HERMAN/AFP/Getty Images)

(Photo credit should read YVES HERMAN/AFP/Getty Images)

Donald Tusk não deixou de aproveitar o momento para lamentar a decisão dos britânicos. “Não há razão para fingir que hoje é um dia feliz, nem em Bruxelas, nem em Londres. Paradoxalmente, há também algo de positivo no Brexit. O Brexit deixou os outros 27 países muito mais determinados e unidos do que antes. O que posso acrescentar? Já temos saudades vossas. Obrigado e adeus”.

O Conselho Europeu reagiria mais tarde, formalmente, à decisão do Governo britânico. O The Guardian publicou um excerto da resposta inicial do Conselho Europeu à carta de invocação do artigo 50 garantido que a União está pronta. “Lamentamos que o Reino Unido vá deixar a União Europeia, mas estamos prontos para o processo que se segue”.

Durante os próximos dois anos Theresa May vai ter de fechar o acordo possível para a saída do Reino Unido. Dentro de portas, terá de convencer os britânicos de que este plano de saída vai proteger interesses do Estado. E lidar com os seus próprios problemas — e que problemas: a Escócia, por exemplo, já anunciou a intenção de convocar um referendo para a saída do euro. Hoje, em reação ao pedido de divórcio do Reino Unido, a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, foi clara: Theresa May “vai atirar o Reino Unido de um precipício sem ter ideia de um local de aterragem”.

O Governo irlandês também já reagiu à invocação do artigo 50, dizendo que as negociações devem ter quatro objetivos muito claros: “Minimizar o impacto no nosso comércio e economia; proteger o processo de paz da Irlanda do Norte, incluindo manter a fronteira aberta; continuar a zona comum com o Reino Unido, e trabalhar para um futuro positivo para a União Europeia”.

Os únicos verdadeiramente satisfeitos com o início deste processo são, naturalmente, os eurocéticos. À cabeça, Nigel Farage, ex-líder do UKIP e o grande defensor do Brexit durante o referendo. Aos microfones da BBC, Farage argumentou que o Reino Unido não deve abandonar a União sem alcançar um acordo. O ex-líder do UKIP defendeu ainda que o Reino Unido dispõe de “uma mão negocial extremamente forte” no processo negocial. No Twitter, o britânico não resistiu em celebrar o momento com um brinde à saída do Reino Unido.

Estados-membros e representantes europeus receosos

Entre os governantes dos Estados-membros da União Europeia e restantes representantes europeus as reações de preocupação à saída do Reino Unido da União Europeia sucedem-se. Além das posições assumidas por Donald Tusk e pelo Conselho Europeu, Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu, aproveitou o Twitter para lamentar a saída dos britânicos do projeto europeu.

“Hoje não é um bom dia. O Brexit abre um novo capítulo na história da União, mas estamos prontos, vamos seguir em frente, esperando que o Reino Unido continue a ser um parceiro próximo”, escreveu o responsável.

O líder do Partido Popular Europeu, o alemão Manfred Weber, por sua vez, já veio dizer que “a História vai provar que o ‘Brexit’ é um erro enorme e irá provocar grandes danos a ambos os lados”.

O presidente da família socialista no Parlamento Europeu (S&D, a que pertence o PS) considera que este “triste dia”, em que o Reino Unido formaliza o início do processo de desvinculação da União Europeia, é “uma derrota”. E que, “ao contrário das falsas premissas da propaganda dos defensores do Brexit, deixar a União Europeia pressupõe decisões difíceis”. No final do dia, “haverá consequências inesperadas e muitas vezes lesivas”, sublinha Gianni Pittella.

Num comunicado de nove parágrafos, divulgado no dia um do Brexit, o italiano diz que os cidadãos britânicos “não podem nunca esquecer-se de quem é a culpa” pela saída. E enumera: Nigel Farage, os conservadores britânicos, o ex-primeiro-ministro David Cameron e a sua sucessora, Theresa May, a quem caberá guiar o país durante o período em que decorrerem as negociações com as instituições europeias, que se avizinham duras para o país.

“Para o S&D, é claro que as quatro liberdades do mercado único são indivisíveis”, diz Pittella, referindo-se à liberdade de circulação de pessoas, bens, capitais e serviços dentro da União. “Theresa May pode esquecer um acordo que mude isto”, avisa o italiano, traçando s “linhas vermelhas” da negociação para aquela que é a segunda maior família política na atual configuração do Parlamento Europeu.

Angela Merkel também já se pronunciou sobre o início deste processo, admitindo que as águas agora são mais claras. A chanceler alemã prometeu fazer tudo para que a saída do Reino Unido tenha o menor impacto possível para os europeus. Mas não deixou de lamentar a decisão dos britânicos. “Perdemos um membro forte e importante”.

Em visita à Indonésia, o Presidente francês, François Hollande, traçou um destino pouco risonho para o Reino Unido e da União Europeia: “O Brexit será doloroso para os britânicos e irá forçar a Europa a avançar, sem dúvida a diferentes velocidades”.

Cá no burgo, Marcelo Rebelo de Sousa já veio dizer que espera que a Europa aproveite “o momento difícil” da saída do Reino Unido para “responder de forma resoluta aos desafios” que enfrenta. Essa, de resto, é a grande expectativa da maioria dos responsáveis políticos europeus: que a União Europeia encontre neste processo as motivações de que precisa para se reencontrar.

Apesar das incertezas, há quem ria com o Brexit

Rir é o melhor remédio, já diz o provérbio. Numa altura em que são mais as dúvidas do que as certezas em torno do futuro projeto europeu e do Reino Unido, na Internet não faltam utilizadores a brincarem, de forma mais ou menos criativa, com o início formal do Brexit. Alguns exemplos:

“Boa sorte, Grã-Bretanha”

“Jean-Claude Juncker recebe a carta do Artigo 50”

A imagem de Theresa May a escrever “a” carta está a ser usada para as mais diferentes adaptações. Outro exemplo:

“Lol. Não faço ideia do que estou a fazer”.

O futuro dirá se Theresa May saberá ou não liderar o Reino Unido durante as negociações do Brexit.