O cenário de manutenção de uma participação minoritária por uma entidade pública no Novo Banco é, para já, o mais favorável às contas do Estado face à proposta inicial, pedida pelo investidor privado, de uma garantia pública. Isto se a venda não for acompanhada de uma operação de recapitalização que envolva também fundos públicos. Por outro lado, se o negócio vier a envolver uma garantia emitida pelo Fundo de Resolução, que é uma entidade que faz parte do perímetro das contas públicas, poderá vir a penalizar o défice.

O Observador colocou os vários cenários que têm sido discutidos nas negociações de venda do Novo Banco perante o Instituto Nacional de Estatística (INE) para avaliar que impactos poderão vir a ter nas contas do Estado, em particular no défice. Ainda que uma resposta concreta só possa ser dada depois da operação estar fechada e após uma avaliação de todos os detalhes, é já possível tirar algumas conclusões a partir das soluções que têm sido divulgadas.

Estado/Fundo de Resolução ficam acionistas minoritários do Novo Banco

De acordo com fonte oficial do Instituto Nacional de Estatística, a venda da participação no capital de uma empresa em que o Estado ou o Fundo de Resolução (FR) mantenham uma percentagem minoritária, “equivale a uma privatização parcial que, em geral, não tem impacto no défice em contas nacionais se não existir qualquer intervenção no momento dessa alteração”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma eventual intervenção pode passar por uma recapitalização. Sabe-se que a proposta da Lone Star prevê uma verba para recapitalizar o Novo Banco — mas se for uma entidade privada a realizar um aumento de capital numa entidade participada pelo Estado, “isso não terá qualquer impacto nas contas das Administrações Públicas”, acrescenta fonte oficial do INE, em resposta ao Observador. Ainda que ressalve que “um eventual aumento de capital efetuado pelo Estado (ou pelo Fundo de Resolução) terá de ser analisado de acordo com as regras estabelecidas nos manuais”.

De acordo com notícias avançadas já nesta quinta-feira, a proposta do fundo americano prevê uma recapitalização de mil milhões de euros no Novo Banco, que não será feita no imediato. Não está para já previsto que o acionista público tenha de acompanhar este reforço, mas se as perdas ou imparidades entretanto registadas obrigarem a mais capital, a questão pode voltar a colocar-se. E, neste caso, acrescenta o INE, o impacto da assunção de responsabilidades futuras não depende da percentagem de participação do Fundo de Resolução no Novo Banco, mas das circunstâncias em que ocorrerem” essas responsabilidades futuras.

A decisão do registo dependerá, uma vez mais, de uma análise aprofundada da situação em causa e pode não ser registada já este ano, dependendo de quando essas contingências sejam materializadas. Caso seja imputado algum impacto negativo às contas de 2017, esse dado só será conhecido provavelmente no próximo ano, quando o INE anunciar as contas nacionais.

A favor de uma participação acionista minoritária está, ainda, a possibilidade de partilha, não só dos riscos no caso das coisas correrem mal, mas também do upside (ganhos futuros) com a desejável recuperação económica e financeira do Novo Banco e a valorização da posição acionista do Estado, que será sempre para vender.

Ainda não se sabe que entidade pública ficará com uma posição minoritária no Novo Banco, em princípio 25%, se o Estado, se o Fundo de Resolução que, apesar de ser financiado pelos bancos, é uma entidade integrada no perímetro das administrações públicas, logo conta para o défice e para a dívida pública.

Garantias públicas para cobrir eventuais perdas

Na oferta vinculativa inicial, a Lone Star pedia uma garantia pública na ordem dos dois mil milhões de euros para se proteger contra perdas futuras e imprevistas na carteira de ativos problemáticos do Novo Banco. O Governo recusou logo esta possibilidade porque iria representar um risco financeiro para o Estado. E percebe-se porquê.

Segundo o INE, as garantias concedidas por entidades públicas “são consideradas passivos contingentes pelo que não têm impacto em contas nacionais no momento em que são concedidas”. Essas garantias só terão impacto no défice “no momento em que são executadas (adicionalmente, à terceira execução de uma garantia, toda a dívida garantida terá nesse momento impacto no défice)”. Foi o que aconteceu, por exemplo, na garantia concedida pelo Estado aos bancos que emprestaram dinheiro ao Banco Privado Português em 2008 e que foi executada quando o BPP entrou em insolvência, pesando no défice.

Mas o INE deixa um alerta:

“Existem circunstâncias particulares previstas nos manuais que determinam um registo diferente, podendo implicar impacto no défice no momento em que são concedidas (as garantias), nomeadamente se for considerado que existe uma elevada probabilidade da garantia ser executada (o que implica o seu registo com impacto no défice logo no momento em que é concedida) ou no caso de garantias “estandardizadas” (em que se regista uma parte da perda esperada no momento em que as garantias são concedidas).

A decisão, nestes casos particulares, depende de uma análise aprofundada da situação em causa, acrescenta o INE. Mas quanto maior for o risco de perdas e imparidades nos ativos cobertos pela garantia, mais provável será uma decisão de registo nas contas públicas desse compromisso, assim que for assumido.

A garantia teria como finalidade neutralizar perdas adicionais geradas pela carteira de ativos mais problemáticos, que foi separada contabilisticamente no chamado side bank (banco paralelo). Em causa estão, sobretudo, créditos de risco, mas também imóveis, num valor que deverá oscilar entre os sete mil e os nove mil milhões de euros.

A manutenção da participação do Estado no Novo Banco, com um parceiro minoritário e aparentemente silencioso ao nível da administração, foi uma alternativa encontrada para contornar a exigência do grupo que está em negociações exclusivas com o Banco de Portugal desde fevereiro. Mas se a solução final implicar não uma garantia do Estado, mas do Fundo de Resolução?

A resposta já dada sobre as garantias públicas mantém-se válida, “independentemente de ser concedida pelo Estado ou pelo Fundo de Resolução (e independentemente de ser concedida a uma entidade com acionista privado ou não)”, responde outra vez o INE.

Por outro lado, se as garantias não fossem executadas, nem registadas de imediato no défice, poderiam até constituir uma fonte de receita para o Estado na medida em que são pagas, e a um custo elevado, pelo beneficiário. Ainda assim, seria um ganho condicional, cuja dimensão não compensaria os riscos orçamentais desta solução.

Venda total sem garantias: a melhor solução que não foi possível

A solução que melhor defendia o interesse do Estado, pelo menos ao nível das contas públicas, seria a venda da totalidade do capital do Novo Banco, como se tentou fazer desde 2015, e sem a assunção pelo Estado de quaisquer tipo de responsabilidades ou garantias futuras para evitar perdas ao comprador. Mas esta solução, tentada por duas vezes, nos processos de venda de 2015 e de 2106, não foi viabilizada, por ausência de proposta de compra que preenchessem esses critérios.

Nesse caso, a alienação deveria ser entendida como uma operação de privatização de uma entidade pública. Em contas nacionais, as receitas de privatização não são contabilizadas no défice, tendo reflexo apenas nas contas financeiras e podem beneficiar a dívida pública.

O processo que deu origem ao Novo Banco envolveu uma recapitalização no valor de 4.900 milhões de euros pelo Fundo de Resolução que foi registada em 2014 nas contas públicas, porque a instituição não foi vendida no prazo de um ano após a resolução.