As margens de lucro na comercialização de gás engarrafado revelam “algum exercício de poder de mercado” por parte das operadoras, conclui a Autoridade da Concorrência numa avaliação ao mercado de GPL (gás de petróleo liquefeito), pedida pelo Governo. Esta situação resulta sobretudo de uma forte concentração no mercado, combinada com uma procura rígida, que não reage às variações de preço, sobretudo no gás propano em garrafa, em relação ao butano.

O relatório, cujas conclusões foram divulgadas esta quinta-feira, adianta que a rigidez na procura mostra que os consumidores não são sensíveis ao preço, até porque não têm alternativas — regra geral quem usa gás de garrafa não tem acesso ao gás natural — o que “é essencialmente justificado pelas necessidades energéticas dos consumidores, mais intensas no inverno”.

De acordo com dados da associação de defesa do consumidor DECO, há 2,6 milhões de famílias que usam gás de botija ou garrafa e que pagam cerca do dobro do que pagariam se tivessem acesso ao gás natural. Por outro lado, e por decisão política, o preço deste gás é penalizado por via fiscal, porque paga imposto sobre produtos petrolíferos não aplicável ao gás natural. Além disso, a população dependente do gás de botija é menos urbana e está associada a rendimentos mais baixos.

O relatório admite que a evolução do número de consumidores de gás natural desde o início da década (um crescimento de cerca de 240 mil clientes) “não terá sido suficiente para alterar de significativamente a relevância que o gás em garrafa tem na satisfação de consumo de agregados domésticos.”

A Autoridade da Concorrência (AdC) reconhece, ainda, que a comparação de preços entre Portugal e Espanha, um dos fatores que fundamentou o pedido deste estudo, revela “comparações significativas”, mas avisa que estas diferenças (no caso preços mais altos em Portugal) devem ser vistas com cautela, tendo como referência decisões judiciais recentes que mostram que os preços regulados no mercado espanhol podem ter sido fixados abaixo do custo.

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O mercado do GPL é controlado, sobretudo, por quatro fornecedores, a Galp, a Repsol, a Rubis (ex-BP) e a OZ Gás (antiga Esso), com uma presença da Prio no gás propano. A Galp lidera com uma quota de mercado entre 40% a 50%, seguida da Rubis e Repsol (20% a 30%) e da OZ (até 10%). A Galp tem ainda a maioria do capital das instalações de armazenamento que são partilhadas com outros operadores, sendo também em regra a primeira a alterar os preços.

A AdC reconhece a existência de um “conjunto de características da indústria suscetíveis de facilitar a colusão (mesmo que tácita”, a saber:

  • Concentração elevada
  • Homogeneidade de produto
  • Transparência de mercado e monitorização entre operadores
  • Estrutura de custos potencialmente simétrica
  • Os regimes que governam a utilização por terceiros das instalações de armazenamento partilhadas pelos três maiores operadores.

Ainda que não aponte para a existência de práticas restritivas da concorrência neste mercado — para além do processo instaurado à Galp em 2015, que valeu uma condenação com coima de 9,29 milhões de euros (reduzida para 4,1 milhões em tribunal), a AdC aponta o regime de acesso às instalações de armazenamento de GPL como um dos “elementos centrais que caracteriza e que condiciona o funcionamento do mercado”. Nessa medida, recomenda ao Governo que alargue o estatuto de interesse público às instalações de Perafita e Sines, à semelhança do que foi adotado para a CLC, a empresa de logística de combustíveis que gere o parque de Aveiras.

As recomendações passam, ainda, pela eliminação de outras barreiras à entrada de novos operadores neste mercado. O Governo anunciou a intenção de estender a regulação da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) ao mercado do GPL, mas ainda não se sabe qual será o alcance desta regulação que aguarda uma proposta da ERSE.