“Today I don’t feel like doing anything / I just wanna lay in my bed”, canta Bruno Mars no início de “The Lazy Song”. Há dias em que realmente apetece fazer muito pouco. Dias assim escasseiam na vida e na carreira de Bruno Mars. Preguiçoso é coisa que ele não é. Ou então vive numa dimensão temporal diferente da dos outros humanos. Cantor, multi-instrumentista, produtor, tem 31 anos e uma carreira invejável com apenas três álbuns. É dos poucos na história da música popular que pode reclamar mais de 100 milhões de discos vendidos e até ao momento teve seis singles que atingiram o primeiro lugar na Billboard Hot 100.

Ora Bruno vai estar mais logo na MEO Arena em Lisboa, num concerto que faz parte da sua 24K Magic World Tour 2017. É a sua segunda vez em Lisboa, depois de ter passado pela mesma sala a 16 de Novembro de 2013 durante a sua Moonshine Jungle World Tour, numa altura em que estava a promover o seu segundo álbum, Unorthodox Jukebox. Agora traz “24K Magic” no bolso, editado em finais do ano passado. Como se explica tamanho sucesso, principalmente quando se tem um nome artístico deste calibre? Vamos tentar perceber

Gosta assim tanto do chocolate?

Vale a pena refletir sobre isto. Bruno Mars está longe de ser uma escolha feliz para nome artístico. Parece algo inventado à pressa nos corredores de um casting para um filme pornográfico, em que no meio do nervosismo e da excitação se mistura o nome do primeiro animal de estimação com o chocolate preferido. E assim fica, Bruno Mars. É um daqueles nomes maus que acabam por pegar e neste caso até se pode dizer que correu muito bem. A história, contudo, não envolve animais de estimação nem chocolates. Bruno colou porque era o que o pai lhe chamava quando era miúdo, por causa da sua parecença com o lutador de luta-livre Bruno Sammartino. Consta que Bruno Mars era rechonchudinho. Mars ficou como um toque de arrogância, diz o próprio que as raparigas diziam que ele era de outro mundo, por isso escolheu “Mars”, que quer dizer Marte. Foi pouco ambicioso, escolheu um planeta bem pertinho. Fica por saber como teriam corrido as coisas se tivesse optado por Bruno Uranus. Ou tivesse mantido o nome que está no seu passaporte, Peter Gene Hernandez.

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De Elvis a R. Kelly

Há sempre algo de familiar no universo de Bruno Mars e isso é algo que tem sabido trabalhar na sua música, nos videoclips e nas suas digressões. A exploração da memória e de lugares reconhecíveis da música popular do século XXI até, praticamente, aos dias de hoje é uma das coisas que faz muito bem. É um bom recriador de lugares comuns, mas sem que isso soe escandalosamente a plágio ou a uma mera recriação da memória. Apropria-se mas instala o seu próprio verbo. Em miúdo gostava de imitar Elvis Presley e, com o passar do tempo, rapidamente passou para Prince, Michael Jackson ou Carlos Santana. A música e a imagem formam uma miscelânea perfeita dos vários sítios onde vai beber, seja o imaginário clássico de editoras como a Motown (com a qual assinou o seu primeiro contrato) e a Atlantic (a atual); a Prince, pela imagem de multi-instrumentista que faz passar, e não só; pelas coreografias nos seus vídeos que reforçam a sua proximidade com Michael Jackson, sobretudo em palco; ou como a sua voz por vezes é um misto perfeito entre Stevie Wonder, R. Kelly e Sting.

Se é para imitar, que seja à campeão

Os primeiros vídeos de Bruno Mars em nada faziam antever o seu desejo de explorar uma imagética clássica. Coisas como “Just The Way You Are” ou “Liquor Store Blues” são exercícios preguiçosos que não indicavam a boa onda, humor, divertimento e a colagem às suas influências que estariam para vir. “The Lazy Song” virou as coisas, um exercício simples com uma coreografia bem trabalhada, com tudo no sítio e que ainda hoje é o exemplo ideal de como fazer as coisas bem-feitas naqueles vídeos em que se está a olhar para o computador. Na altura de Unorthodox Jukebox tudo mudou, Bruno Mars agarrou-se definitivamente às suas influências e passou a recriar à sua maneira os universos que serviram de inspiração para todas as vertentes da sua carreira: no vídeo da já referida “Locked Out Of Heaven”, em “Treasure” ou “When I Was Your Man”. A coisa pegou e, claro, até nas suas colaborações essa costela clássica de Bruno Mars começou a entrar, como é o caso de “Uptown Funk” de Mark Ronson. Em “24K Magic” a onda já é completamente diferente, aí larga o universo do boogie/disco, Prince e Michael Jackson e agarra-se a influências mais recentes, como a imagética dos vídeos de hip hop e R&B da década de 1990. Até porque no seu último disco, musicalmente, Mars está mais virado para os últimos vinte anos da música popular.

Cinco centímetros

Calma, não é o que estão a pensar. Essa é a diferença de altura entre Prince e Bruno Mars. E porque é que se está a falar nisto? Porque se diz que os homens não se medem aos palmos e sendo Prince uma das suas grandes influências, é fabuloso que Bruno Mars tenha querido manter o pormenor de ser baixinho como um dos seus ídolos. Ele pode sentir-se confortável nesse papel, mas é muito frequente as câmaras tentarem esconder esse detalhe. Talvez o momento mais marcante tenha acontecido durante o Halftime Show do Super Bowl, quando Chris Martin tem de andar de forma muito estranha para não saltar à vista que Mars tem menos vinte centímetros de altura e, já agora, que também é mais baixo do que Beyoncé. Já que se fala no Super Bowl, Bruno Mars é dos – muito – poucos que se pode orgulhar de já ter actuado duas vezes no Halftime Show, em 2014 e 2016. E tem 31 anos, mas isso já foi dito lá atrás.

Retromania

Acompanhado ao vivo pela sua banda, The Hooligans, os espectáculos de Bruno Mars são também uma apropriação perfeita das suas influências. Consegue fundir a influência de James Brown com aquela sensação de espectáculo maior do que o mundo dinamizados por Michael Jackson e Madonna, enquanto mantém a coisa suficientemente jovem e, vá lá, cool. Fala com diferentes gerações sem que em nenhum momento cheire a mofo. O “retro” que existe na sua música, nos seus vídeos e, claro, nos espectáculos ao vivo, cai que nem ginjas no desejo da cultura popular estar constantemente a revisitar momentos que lá vão. É, um pouco, como lembrar a comida que a avó fazia. A música de Bruno Mars é um lugar seguro que reúne uma imensidão de outros lugares seguros. Por isso, só pode correr muito bem mais logo.