Tu-tu-ru, tu-tu-ru, tu-tu.

(Aí vem ela: Uptown Funk)

Awww

Podia ser a primeira, a abrir o espetáculo como está a abrir este texto, mas não. Foi mesmo a última, a fechar o encore antes do cair do pano. Por esta altura já Bruno Mars tinha as cordas vocais a gritar por socorro e nem mais uma gota de suor para dispensar; já lá iam quase duas horas de espetáculo, sempre on fire, mas… ‘bora lá: tronco inclinado para a frente, ombros firmes, mão direita pronta para estalar os dedos ao mesmo tempo que se abana o pescoço e… vai.

This hit, that ice cold
Michelle Pfeiffer, that white gold
This one for them hood girls
Them good girls straight masterpieces.

A energia não se esgota. Ele bem tinha pedido, no início, a todas as “beautiful girls” que se pusessem “ready” porque iam suar. 3,2,1. Assim que arranca, o espetáculo não pára mais. Pumba, pumba, pumba, salta, dança, senta, dança sentado, deita, dança deitado, cima, baixo, lado, frente. Parar é morrer. Do shaking muito pop de “Treasure” ao R&B mais eletrónico de “24K Magic”, passando por “Versace on the Floor”, pela muito coreografada “Runaway Baby” ou pela guitarra acelerada daquela que num piscar de olhos se deve ter tornado a música mais batida de sempre em pedidos de casamento (“Marry You”), Bruno Mars, o havaiano de 31 anos e 1,65m de altura com jeitos de Prince e Michael Jackson que se pode orgulhar de já ter atuado em dois Halftime Shows do Super Bowl, isto para não falar dos mais de 100 milhões de discos vendidos (está sem fôlego? é para ver o que nós sofremos), esse Bruno Mars, dizia, só não pegou fogo em palco porque a água que lhe inundava a camisola não terá permitido.

Não mudou de roupa, contudo. Isso seria perder tempo. Ao fim de uma hora de espetáculo limitou-se a pôr um blaser preto por cima da blusa branca e dourada, que já estava imprópria para o grande ecrã e… segue para bingo. O momento é de ‘Bruno e os seis’ em palco, contando com os seis bailarinos e músicos que, lado a lado com o vocalista, constituem a equipa vencedora (mais dois que ficam na retaguarda, nas teclas e na bateria). Bruno, baixinho, é o Messi lá do sítio, ou uma espécie de Deco, mais nosso: o Mágico. Vai sempre à frente marcar os golos, faz um brilharete sozinho, mas também distribui jogo como ninguém, e brilha igualmente quando está no meio dos outros. A tática é quase sempre 2x6x1, mas por vezes o 1 junta-se aos 6 e não é por isso que falha encanto à equipa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A maioria dos passos de magia até já é conhecida do público. Há quem os saiba antecipar. Repetem-se não só dos concertos anteriores como das atuações em eventos mais espetaculares como o intervalo do Super Bowl, vistos e revistos no Youtube. Mas não faz mal.

A verdade é que aqui não há muitas surpresas. Não há vídeos personalizados, descidas do palco para a plateia, subidas acrobáticas ou aparecimentos enigmáticos na outra ponta do pavilhão. (Quase) Nada foge ao alinhamento que, de resto, é igual ao da véspera em Madrid ou da semana passada em Lille. Há apenas Bruno e os seis, e isso basta para encher uma sala daquele tamanho. Ou outra maior se houvesse. Há confetti a dada altura, OK, isso sim; há uma espécie de petardos e fogo de artifício que rebenta de forma ligeiramente assustadora no meio do palco, mas, de resto, só música e dança. Muita dança.

Sim, é claramente um concerto pensado para as massas, e não pensado para cada um de nós. Mas também, numa 24K Magic World Tour com 44 paragens só em território europeu, depois de 60 já percorridas nos EUA, queríamos o quê? Ser especiais? Hmmm… Se calhar merecíamos mais do que o banal Obrigado Lisbon, I love you, que isso diz a todas? Talvez. Mas Bruno Mars sabe fazer as coisas: “Acendam as luzes para eu ver as vossas caras”.

Faz-se luz no MEO Arena e é aí que aproveita um dos raros momentos de “paragem” para percorrer calmamente o palco de um lado ao outro e olhar para o pavilhão esgotado que tem aos seus pés. E é também aí que canta ao ouvido de cada um/a:

When I see your face
There’s not a thing that I would change
‘Cause you’re amazing
Just the way you are.

Já tinha derretido corações com “When I Was Your Man” (aquela em que admite que devia ter comprado mais flores para a amada e que a devia ter levado mais vezes a sair porque tudo o que ela queria era dançar) — mas agora era o toque final, com o concerto já a aproximar-se do fim. Era preciso uma carícia. E nada melhor do que recorrer às origens, ao seu primeiríssimo single. Porque “cada um de vocês é espetacular por ser como é”. Corações, corações e mais corações feitos com os dedos das duas mãos. Era o adeus que se queria.

Mas, stop, wait a minute. Como tudo em Bruno-de-outro-planeta é uma mistura de estilos, géneros, inspirações, é claro que não se podia despedir com uma balada do mais pop e fácil que os seus álbuns têm. Queremos mais labaredas, mais chamas (não tão quentes como as que apareceram em “Grenade”, sff) mais boogie, mais disco, mais um pouco de Michael Jackson (aquela espécie de moonwalk deixou-nos com vontade). É pois para esse serviço que está reservado o “Uptown Funk” de Mark Ronson: para incendiar a lenha que restava.

I’m too hot (hot damn)
Called a police and a fireman
I’m too hot (hot damn)
Make a dragon wanna retire man

No final, Bruno lá teve mesmo de chamar dois bombeiros, que teatralmente o tentaram apagar do palco com um extintor. O pior é que conseguiram. Foi nesse momento que desceu o pano branco e dourado que abraçava o palco a toda a volta e a vitoriosa equipa de 9 elementos foi engolida sem mais demoras. Todos à exceção de um. Só o guitarrista (ou seria o baixista?) que estava na ala direita do palco ficou, ups, do lado de fora. Talvez não quisesse ir embora. Compreendemos. Nós também não.