Dos sete deputados que foram chamados a prestar esclarecimentos sobre suposta incompatibilidade entre o mandato de deputado e a sua situação profissional nenhum está em situação de incompatibilidade. Foi pelo menos este o entendimento dos deputados da Comissão de Ética, que aprovaram esta quinta-feira os pareceres que apontavam no sentido da ausência de incompatibilidades. Em causa estava a alegada participação, revelada em março pelo Jornal Económico, de sete deputados em mais de 10% do capital de sociedades com contratos com o Estado.

A votação indiciária da comissão de ética aponta para a ausência de impedimentos, mas só um caso foi unânime: o do deputado socialista José Rui Cruz, que assinou contratos com o Estado enquanto gerente da empresa Frutas Cruz II Lda, mas cujos contratos foram assinados antes de ser deputado. Aí não havia qualquer incompatibilidade.

O caso dos deputados-advogados, cujas sociedades fizeram contratos com entidades públicas enquanto exerciam funções no Parlamento, também foram considerados livres de qualquer incompatibilidade. Justificação: essas sociedades de advogados são consideradas, à luz da lei, como sociedades civis e não comerciais, o que os protege juridicamente da lógica de impedimento prevista no Estatuto do Deputado relativa às atividades de comércio e indústria. Pelo menos foi esse o entender do PS, PSD e CDS, que votaram a favor dos pareceres, ao contrário do Bloco de Esquerda e do PCP que votaram contra. Nesta categoria encontram-se os deputados Luís Montenegro (PSD), Paulo Rios de Oliveira (PSD) e Ricardo Bexiga (PS), assim como o de Virgílio Macedo (PSD).

Caso diferente e mais complexo é o dos deputados socialistas Luís Testa e Renato Sampaio, que se refere a participações dos cônjuges superiores a 10% do capital social de empresas que contratualizaram com o Estado. Acontece que, quando os casos foram detetados, os deputados terminaram imediatamente o impedimento ao reduzirem as participações das respetivas mulheres nas respetivas empresas, de forma a ficarem inferiores ao patamar de 10%. Ainda assim, BE e PCP votaram contra o parecer que os ilibava da situação de incompatibilidade, por entenderem que é preciso sanção, e só o PS (relator do parecer) votou a favor. Mas mesmo assim o parecer foi aprovado, com o PSD e o CDS a darem a mão ao PS ao optarem pela abstenção.

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Ao que o Observador apurou, a abstenção dos partidos da direita deve-se ao facto de ainda terem dúvidas quanto à fundamentação jurídica do parecer. Isto porque entendem que o Estatuto dos Deputados não é claro quanto às consequências a tirar da situação de impedimento. Embora estas situações estejam resolvidas — as mulheres dos deputados reduziram as suas participações nas sociedades — fica a dúvida sobre se os deputados em causa têm de devolver os rendimentos recebidos no exercício de funções públicas durante o tempo em que estiveram em situação de incompatibilidade.

A abstenção da direita, contudo, é o suficiente para o parecer ser aprovado e os deputados socialistas serem ilibados de qualquer impedimento. Em todo o caso, a votação desta quinta-feira foi apenas indiciária, já que terá de ser confirmada na comissão dos Assuntos Constitucionais, na próxima quarta-feira.

As justificações dos partidos

Através do deputado Jorge Machado, o PCP considerou, no final da reunião, que a interpretação para o caso dos advogados foi restritiva, defendendo uma clarificação legal para que sejam também abrangidos pelo impedimento. Argumentou ainda que, no caso de Renato Sampaio e Luís Testa a correção da participação social não chega e que deviam perder remuneração pelo período em que houve essa incompatibilidade. Também o deputado José Manuel Pureza justificou o sentido de voto do Bloco de Esquerda pelo “critério de exigência máxima de transparência”.

A deputada do PSD Sara Madruga da Costa transmitiu a posição dos sociais-democratas, explicando que se abstiveram no caso de Renato Sampaio e Luís Testa por terem dúvidas quanto à aplicação de sanção.

O deputado do PS Pedro Delgado Alves afirmou que “em todos estes casos a lei comporta imensas dificuldades interpretativas”, reafirmando a necessidade de a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência “clarificar e tornar legível pelos cidadãos, pelos deputados e pela Assembleia da República todas as leis sobre esta matéria”.

Questionado pelos jornalistas, o deputado do PS explicitou que apenas no caso do deputado Luís Testa houve uma alteração da situação nesta legislatura, após a notícia do Jornal Económico, quando a mulher do deputado vendeu parte da sua participação na referida empresa, enquanto no caso de Renato Sampaio a questão foi detetada em 2011 e corrigida nessa altura.