O PCP manifestou-se esta sexta-feira contra o voto de condenação pelo ataque com armas químicas na Síria, que vitimou 86 pessoas na povoação Khan Cheikhoun. Os comunistas escudaram-se, sobretudo, num argumento: não há qualquer prova de que tenha sido o regime de Bashar al-Assad a autorizar o ataque. O partido liderado por Jerónimo de Sousa foi ainda mais longe: os restantes partidos — à exceção de PCP e PEV, todas as bancadas parlamentares repudiaram o ataque — não podem contar com o PCP para uma condenação do uso de armas químicas que mais não é do que “justificar uma nova intervenção militar de agressão contra um país” soberano.

De resto, não é a primeira vez que os comunistas invocam este argumento. Logo no início da guerra na Síria, em março de 2011, o PCP, através do jornal Avante!, não hesitava em denunciar aquilo que dizia ser o início de uma estratégia concertada do “imperialismo”ocidental, liderado pelo Estados Unidos, para depor Bashar al-Assad e “garantir a sua hegemonia planetária”.

Era isso que se podia ler na edição de 7 de dezembro de 2011. Escreviam os comunistas: “Imersas nas contradições de um sistema em crise profunda, as potências imperialistas procuram nas guerras de agressão garantir a sua hegemonia planetária. Síria e Irão são os alvos que mais sobressaem numa campanha de mentiras cujo guião recorda o seguido nos casos da ex-Jugoslávia, Iraque e Líbia”.

Nesse mesmo artigo, os comunistas associavam os relatos que iam chegando sobre as manifestações contra Assad em vários pontos da Síria a uma campanha de desinformação orquestrada pela NATO.

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“As supostas manifestações populares em curso desde 8 de Março não só são circunscritas a escassas cidades como têm mobilizado muito poucos sírios, sobretudo quando comparadas com as multidões que se têm concentrado na capital, Damasco, e noutras grandes cidades em defesa da unidade, soberania e integridade territorial do país”, denunciava o PCP. “Na Síria, as botas cardadas que na última década o imperialismo fez soar nos Balcãs, Médio Oriente e Norte de África já ecoam”, preconizava o PCP.

PCP vota contra condenação a ataque com armas químicas na Síria

No início de junho de 2012, e na sequência do massacre na região de Houla, na Síria, que resultou na morte de 108 civis e 300 feridos, o Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade (Rússia, incluída) uma declaração onde condenavam e responsabilizavam o Governo sírio pelo ataque, exigindo ao presidente Bashar al-Assad a retirada de armamento pesado das cidades sírias.

No site oficial do partido, o PCP juntava-se ao voto de condenação, atribuindo o ataque “a bandos armados — alguns dos quais confessadamente armados e pagos por países estrangeiros –“, peões numa estratégia de “desestabilização interna da Síria que dura há mais de um ano”.

Nessa nota, os comunistas alertavam para os riscos de uma qualquer solução militar, apelavam à paz e faziam uma ressalva:

Este massacre não pode deixar de ser analisado à luz da estratégia de militarização, subversão, agressão, ingerência e guerra do auto-apelidado ‘grupo de amigos da Síria’ integrado pelas principais potências imperialistas e ditaduras fundamentalistas do golfo-pérsico. Uma estratégia, afirmada sem pejo e amplamente noticiada na comunicação social mundial, que passa pelo financiamento, armamento e treino de grupos armados que várias fontes identificam com ligações a redes terroristas, e que continuam a operar na Síria”.

Nas posições que foram assumindo sobre o conflito sírio, este foi um argumento a que os comunistas recorreram com a frequência: “A Síria vive desde 2011 uma guerra de agressão em que o exército nacional enfrenta grupos armados da oposição e organizações terroristas, entre as quais o autodenominado Estado Islâmico e a Frente Nustra (rebaptizada Fatah al Sham), ligada à Al-Qaeda, uns e outras financiados e armados pelos Estados Unidos e aliados [França, Reino Unido, Turquia, Arabia Saudita, Qatar, Israel, entre outros]”, foi defendendo o PCP.

O papel da NATO neste conflito (e noutros) também nunca foi poupado. “Pela sua ação direta ou indireta, a NATO é responsável pelas guerras de agressão contra a Jugoslávia, o Afeganistão, o Iraque, a Líbia ou a Síria, é responsável pelas centenas de milhar de mortos e feridos, pela negação da satisfação das mais básicas necessidades de milhões de seres humanos, pelo drama de milhões de refugiados e deslocados, pela colossal destruição que causou”, escreveu o PCP, a 8 de julho de 2016, num texto intitulado “Sim à Paz! Não à NATO”.

Cinco meses depois, em dezembro de 2o16, os comunistas chocavam de frente no Parlamento com o Bloco de Esquerda, depois de os bloquistas terem apresentado um voto de condenação aos ataques das forças fiéis a Bashar-al-Assad, apoiadas por Moscovo, em Alepo.

“O que está acontecer em Alepo é a libertação da cidade e dos seus habitantes dos grupos terroristas que há anos, apoiados e suportados pelos EUA e seus aliados, os utilizam para alcançar os seus objetivos, ou seja, destruir aquele país”, argumentavam os comunistas, que se propunham a “desmascarar as provocações e as falsidades” levantas pelo voto de condenação do Bloco.

Os deputados do PCP iam mais longe e denunciavam aquilo que diziam ser “uma cruel guerra de agressão protagonizada por grupos armados, criados, pagos e apoiados pelos Estados Unidos, as grande potências da União Europeia – como o Reino Unido e a França – e os seus aliados na região, como a Turquia, Israel, a Árabia Saudita ou o Catar”.

PCP “desmascara” Bloco: “O que está a acontecer em Alepo é a libertação da cidade”

Dias depois, no Avante!, os comunistas ainda condenavam o voto apresentado pelo Bloco, celebrando a libertação de Alepo como uma “pesada derrota do imperialismo”. “O que torna legítima a pergunta: o que fazem o BE e outras forças que se proclamam de esquerda, levando água ao moinho das campanhas propagandísticas que tentam ‘legitimar’ as guerras imperialistas? Já foi assim aquando da guerra à Líbia. Não aprendem? Ou não querem aprender?”, questionava o PCP.

Daí para cá, os comunistas foram acompanhado as negociações pela paz na Síria, denunciando, ao mesmo tempo, as campanhas de desestabilização lideradas pelos Estados Unidos e saudando as posições assumidas pelos aliados da Síria, Rússia, Turquia e Irão. Esta sexta-feira, o PCP apresentou um voto próprio de condenação, mas em sentido contrário, condenado as operações militares que prosseguem em território sírio. O voto foi chumbado, com votos contra de PSD, CDS e PS, e com a abstenção do Bloco de Esquerda e PAN.