O Boavista já foi Boavistão, quando ganhou o título em 2001. Depois houve todos os problemas conhecidos, a descida de divisão, o regresso à Primeira Liga com uma equipa de nível inferior, uma subida exibicional desde que Miguel Leal assumiu o comando este ano. Não era Boavistão, mas nem nos escalões inferiores deixou de ser, simplesmente, Boavista. Até hoje, durante 90 minutos: aquilo que vimos este sábado em Alvalade foi, de forma simpática, um Boavistinha. Assim, foi com naturalidade que o leão tomou a pantera como presa fácil neste circo de feras. E fez um repasto à sua medida, que é como quem diz à medida de Bas Dost. Contra a equipa de xadrez (que equipou de laranja, cor da seleção do holandês), o número 28 foi o rei, mas esteve acompanhado de outras peças importantes no tabuleiro como Bruno César, a assistir, e Alan Ruíz, a marcar (e ainda faltou Gelson, lesionado). A goleada, por 4-0, pecou por escassa.

Quando uma equipa começa logo a perder jogadores no derradeiro teste físico, não costuma ser bom sinal. Sim, é verdade que também nascem dessa forma os heróis improváveis com histórias que deliciam, mas essas são exceções, nunca a regra. E quando Vágner, o titularíssimo da baliza do Boavista, teve de ceder o lugar a Mickael Meira (que até foi formado no Sporting, curiosamente), havia um certo pronúncio negativo a pairar sobre a equipa de Miguel Leal.

Não foi assim, pelo menos até aos 20 minutos. Até lá, Meira foi ganhando num duelo muito particular com Bruno César: aos 2’, o Chuta-Chuta fez jus à alcunha e disparou um fortíssimo remate rasteiro à entrada da área para grande defesa do guardião axadrezado para canto; mais tarde, aos 11’, o brasileiro mostrou que é mais do que um bom pé esquerdo e arriscou de cabeça na área após um cruzamento da direita de Schelotto, mas a bola saiu perto do poste.

(e entretanto, Bas Dost, o homem golo dos leões, nem tinha tocado na bola)

Esta era mesmo a noite de Bruno César, que até de forma involuntária levava perigo à baliza do Boavista: aos 18’, levou uma bolada no corpo no seguimento de um corte de Anderson Carvalho e Meira teve de defender junto ao poste. O jogo era Sporting, Sporting e Sporting, sendo um bocadinho menos Sporting quando os passes longos na primeira fase de construção não entravam e sendo um bocado mais Sporting quando a bola entrava na zona entre linhas entre a defesa e o meio-campo dos axadrezados para explorar a velocidade dos leões mais adiantados. O golo era inevitável e chegou mesmo aos 20 minutos.

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Porque se é verdade que Bruno César estava inspirado, a verdade é que Alan Ruíz nunca o deixou de estar. É daqueles jogadores que às vezes chateia os próprios adeptos pelo estilo de falso molengão meio alheado do jogo e com uma estranha tendência para fazer faltas desnecessárias. Mas se há alguém que o argentino chateia mesmo são as defesas adversárias: em pezinhos de lã, quando ninguém está à espera, lá surge aquele pé esquerdo a fazer estragos, desta vez após cruzamento recuado de Schelotto da direita. Nos últimos oito encontros, este foi o sexto golo de Alan Ruíz. Grande registo!

(e por esta altura, Bas Dost já tinha aparecido no golo, a arrastar os defesas do Boavista para dentro e a deixar espaço à entrada da área para Alan Ruíz)

Talocha tinha responsabilidades no primeiro golo, na forma como perdeu a bola no início da jogada para Podence. Foi um problema lateral, à esquerda, que depois para a direita… e passou a ser um problema central: Edu Machado teve um erro inexplicável que colocou a bola nos pés de Bruno César em posição privilegiada. O brasileiro não recusou a oferta, seguiu e cruzou rasteiro para Bas Dost fazer facilmente o 2-0 pouco antes da meia hora. E foi só encostar…

Tudo corria bem. O Sporting puxava pelo coletivo para potenciar tudo o que de bom apresenta em termos individuais. E se os jogadores não olhassem tanto para a equipa, o resultado poderia ser ainda mais dilatado ao intervalo: Podence surgiu isolado de novo com um grande passe de Schelotto, avançou para Meira mas, na altura de rematar, tentou assistir Bryan Ruíz que vinha de trás. A bola saiu um pouco mais para a frente e o lance perdeu-se, sem remate sequer.

Se a primeira parte foi boa, o segundo tempo começou ainda melhor: logo aos 47’, Bruno César sofreu uma carga de Bukia na sequência de um canto e estendeu a passadeira para mais um golo de Bas Dost. E o holandês nem tremeu naquele típico duelo de bola para um lado, guarda-redes para outro.

(e aqui percebeu-se que Bas Dost não ia ficar por aqui)

Bruno César, durante a semana, tinha referido na newsletter enviada a todos os portadores de lugar anual em Alvalade que esperava ainda subir na classificação. Quase toda a gente interpretou aquela frase como uma fé, bem mais do que uma ambição real. E essa esperança pode haver, mas os leões passaram a centrar atenções a partir dos 3-0 naquilo realmente tangível: colocar Bas Dost como o melhor marcador dos campeonatos europeus na presente temporada.

Meu dito, meu feito. Alan Ruíz já tinha obrigado Mickael Meira a uma defesa apertada após remate à entrada da área, mas se esse lance parecido com o primeiro golo dos leões não entrou, o seguinte, tirado a papel químico do segundo tento verde e branco, acabou mesmo por entrar: de novo Bruno César pela esquerda a fazer a assistência, de novo Bas Dost a encostar para golo (64’).

O encontro caiu então a nível de qualidade e intensidade. Continua a notar-se aquela vontade, sobretudo dos alas, em procurar o pinheiro Dost para lhe oferecer mais uns enfeites na já bem preenchida árvore de melhor marcador. No entanto, o Boavista, completamente arrasado por uma exibição muito fraca (e atenção: não perdia há quatro meses fora, somando três vitórias e cinco empates), conseguiu acertar uma – colocou sempre o enfoque defensivo no avançado holandês. E, com isso, ficou mais perto de anular o perigo.

Podence, Alan Ruíz e Joel Campbell ainda se aproximaram do quinto golo, Mickael Meira ainda mostrou à casa-mãe que valeu a pena o tempo investido quando fez a formação na Academia, mas a principal nota acabou mesmo por ser o regresso de Adrien, capitão do Sporting que esteve ausente dos relvados durante algumas semanas após ser operado ao joelho. Isto no dia em que William celebrou o 150.º jogo pelos leões. E que até Marvin Zeegelaar, o patinho feio da equipa de Jesus, bateu o recorde pessoal de desarmes na presente edição da Primeira Liga. Deu para tudo. E tocou a todos.