A imagem teve fama instantânea. Carme Chacón, grávida de sete meses, passa revista às tropas espanholas no dia em que toma posse como ministra da Defesa. Estávamos a 14 de abril de 2008 e Chacón, que morreu este domingo aos 46 anos, tornava-se na primeira mulher espanhola a assumir esta pasta. Cinco dias depois, mesmo com uma gravidez de risco, voou até ao Afeganistão para estar novamente com os militares.

“Grávida ou não, era claro para mim que a minha primeira obrigação era visitar aqueles que são capazes de pôr a sua vida em risco por valores superiores: a liberdade de outros. Uma grávida não é uma doente. Claro que é mais duro estar o dia todo de pé. Queria expressar a gratidão da sociedade àqueles que se arriscam para que haja paz nas regiões de conflito”, explicou a ex-governante, numa entrevista ao El Pais.

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Uma decisão arriscada para quem estava a dois meses do nascimento do primeiro (e único) filho, mas especialmente para alguém com uma doença congénita do coração. Nada disso parou a socialista, que morreu este domingo, sozinha em casa, ao que tudo indica na sequência desse problema cardíaco.

“Tenho 35 pulsações por minuto [o habitual é 60 a 100 batimentos por minuto] e o coração virado ao contrário, com um bloqueio ventricular completo”, explicou a ex-governante relativamente ao seu problema de saúde, que lhe foi diagnosticado aos 10 anos de idade.

Os médicos tinham-lhe dito que o seu frágil coração não iria permitir que fosse mãe, mas a catalã, filha de um funcionário do corpo de bombeiros de Barcelona e de uma advogada, ignorou os avisos e Miquel nasceu em maio de 2008. A sua última publicação no Instagram referia precisamente as muitas saudades que tinha do filho, atualmente com oito anos, que tratava por “Miquelete” — Chacón estava de regresso a Madrid dos EUA (onde dava aulas na MD College), após uma viagem de trabalho, relata o El Confidencial.

São, aliás, várias as fotografias de Miquel no Instagram da socialista.

Miquel é filho de Carme Chacón e de Miguel Barroso. Segundo o El Español e o El Confidencial, o casal conheceu-se em 2007, quando Chacón era ministra da Habitação e Barroso diretor da Casa da América em Madrid e assessor de Zapatero. Casaram-se em dezembro do mesmo ano em Esplugues de Llobregat — onde Chacón cresceu –, meses depois do primeiro encontro. Um ano depois nascia o único filho do casal — Chacón posou para revista Elle enquanto estava grávida, com um sobrinho ao colo.

O então primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero, foi um dos primeiros a saber da gravidez, lembra o jornal ABC. “Não houve quase palavras, só um sorriso. Enorme. Um sorriso de felicidade”, lembrou Chacón. Quando falavam ao telefone, Zapatero perguntava-lhe sempre: “Como vai o nosso menino?”.

Miguel Barroso foi também jornalista, assessor de imprensa do ministro José María Maravall, secretário de Estado da Comunicação entre 2004 e 2005 durante o Governo de Zapatero, tendo sido a pessoa responsável por implementar a Televisão Digital Terrestre em Espanha. Nos anos 90, também liderou a comunicação da Fnac Espanha e foi ainda autor de romances como Crónicas Caribes (1996) e Amanecer con hormigas en la boca (1999). Atualmente, Barroso encontra-se totalmente afastado da política e trabalha como conselheiro delegado da Young & Rubicam, empresa que pertence ao grupo WPP, ligado à comunicação e publicidade, dividindo os seus dias de trabalho entre Miami e Cuba.

Carme Chacón, à saída do hospital com o recém-nascido Miquel, e o na altura marido Miguel Barroso (JOSEP LAGO/AFP/Getty Images)

Os meios de comunicação social descrevem-nos como um casal discreto, mas isso não impediu que a sua separação fosse muito noticiada. O casamento entre Chacón e Barroso chegou ao fim nove anos depois, em julho do ano passado, quando Barroso pediu o divórcio. Era o seu segundo casamento: já tinha sido casado com a escritora e jornalista Charo Izquierdo — atual diretora da Mercedes-Benz Fashion Week Madrid. Dessa união tem duas filhas, Cristina e Camila. Chacón chegou a partilhar fotografias dos irmãos no seu Instagram.

Miquel ficou este domingo órfão de uma mãe que passou a vida a desafiar os limites que lhe eram impostos. “Para mim, a vida é um privilégio. Tenho uma cardiopatia congénita e isso faz-me pensar que todos os dias são um presente”, afirmou. Mas não foi só ao decidir ter um filho que Carme Chacón ignorou os conselhos médicos para ter uma vida tranquila. Jogou basquetebol — a sua “grande paixão” — até aos 23 anos, trabalhou na secção de roupa de um centro comercial enquanto tirava o curso de Direito na Universidade de Barcelona e, mais tarde, decidiu seguir a carreira política — aos 23 anos, e até 2004, deu aulas de Direito Constitucional na Universidade de Girona.

Já tinha ocupado vários cargos políticos antes de chegar ao Governo de José Luis Rodríguez Zapatero em 2007, inicialmente enquanto ministra da Habitação e só depois da Defesa: foi nomeada vice-presidente da Câmara dos Deputados em 2004, altura em que deixou o cargo de porta-voz do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) que ocupava desde 2003, lê-se no El Pais.

Entre 2000 e 2004 foi deputada por Barcelona, tendo sido também secretária da Educação, Universidades, Cultura e Investigação do PSOE nesses quatro anos. Em 2000 entrou para a Comissão Executiva Nacional do Partido Socialista da Catalunha (PSC), do qual era militante desde 1994, depois de ter sido vereadora do município de Esplugues de Llobregat entre 1999 e 2003.

Um percurso político que continuou para além dos cargos governativos. Em 2011 ponderou candidatar-se às eleições gerais, mas acabou por não avançar, tendo sido Alfredo Pérez Rubalcaba a candidatar-se pelo PSOE. No ano seguinte, Chacón decidiu contestar a liderança de Rubalcaba e concorreu ao cargo de secretária-geral do partido. Corrida que perdeu por 22 votos.

Ainda teve oportunidade de recandidatar-se à liderança do PSOE em 2014, após a demissão de Rubalcaba na sequência das eleições europeias, mas não o fez. No mesmo ano, foi eleita secretária das relações internacionais do partido no congresso do PSOE. Em 2015, foi eleita deputada pelo PSC, cargo a que renunciou para se candidatar às eleições de junho de 2016. Estava entre os membros da Comissão Executiva Federal do PSOE que, em setembro do ano passado, se demitiu em bloco em protesto contra o antigo líder Pedro Sanchéz — decisão que levaria à sua queda. Isso não significou, contudo, um abandono completo do partido: esteve presente na apresentação da candidatura de Susana Díaz à liderança do PSOE.

No domingo, Carme Chacón foi encontrada já sem vida em sua casa, depois de amigos e familiares não a conseguirem contactar. O corpo da socialista estará em câmara ardente na sede do PSOE, a partir das 13h30 (hora local).

Ex-ministra da Defesa espanhola morre aos 46 anos. Tinha síndrome do “coração invertido”