Na catedral de Nossa Senhora das Graças, na Ladeira do Pinheiro, Torres Novas, uma centena de pessoas, metade delas trajadas de branco, assiste à missa ortodoxa, mas, para a maioria, é a “mãe Maria” que as traz ali.

É primeiro domingo do mês, aquele em que a afluência é maior, muito longe do tempo em que “o povo não cabia” na catedral e os autocarros enchiam o amplo recinto, hoje “pintado” com três autocarros, que chegam com uma dezena de pessoas cada um, e uma dúzia de carros.

Chegam cedo, a partir das 09:00, e as mulheres vestem por cima das roupas as vestes brancas do que resta do “Exército Branco” de seguidoras de Maria da Conceição, a “mãe Maria”, como se lhe referem, ou a “santa da Ladeira”, como ficou popularmente conhecida.

“Não venham falar mal do local”, pede Ana Rosa, ela que começou por recusar vir a um “lugar de bruxarias” e que nem conheceu pessoalmente a “mãe”, mas que desde 2004 “nunca mais deixou de vir”.

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Católica romana, veio em “último recurso” à procura da cura para uma doença cuja origem os médicos não conseguiam identificar e, diz, saiu da Ladeira curada. Nunca mais deixou de vir, embora amigos e família pensassem que ia a Fátima e os que sabem que aqui vem lhe causem sofrimento pelo que dizem.

“Dou a vida por este local. Sei o que estou a dizer. Dou a cara. Curei-me aqui”, declara, lamentando que haja quem ponha o lugar “na lama”.

Só entra na catedral, não para a demorada missa ortodoxa, mas para se aproximar da pequena capela que guarda o túmulo de Maria da Conceição e do marido Humberto Rosa e onde encostou a cabeça há 13 anos para pedir a cura.

As “graças” obtidas, quase sempre curas, são o denominador comum dos testemunhos de um lugar que se divide em três: a catedral ortodoxa, que guarda o altar católico romano junto ao túmulo de Maria da Conceição, a capela católica romana, fechada pouco tempo depois da morte da fundadora, em 2003, e a casa onde mora, “cativa”, a sucessora Teresinha.

Enquanto decorre o culto ortodoxo na catedral, uma dúzia de pessoas carrega cadeiras e uma pequena mesa, que vai servir de altar, até ao cimo da escadaria da capela e, no pequeno patamar, frente à porta fechada, reza sob orientação de um “padre” (que recusam identificar) segundo o culto católico romano.

O terceiro ponto de convergência, para onde se dirigem carregadas de sacos com comida, garrafões de água e de azeite, fica no extremo oposto da catedral, dentro de um pátio, lá onde se situa a casa de telhado de zinco onde vive Teresinha, a filha adotiva de Maria da Conceição que esta nomeou como sucessora, mas que foi afastada pelos que agora dirigem o culto e a fundação criada em 1998.

Acompanhada pela madre Elisa, ortodoxa canadiana, que espreita à porta para ir deixando entrar as mulheres, e também alguns homens, que vêm pedir “graças”, Teresinha está “cativa” não porque esteja proibida de receber quem quer ou mesmo de sair, mas porque “não pode dar o terço nem fazer as orações” e, afastada da fundação, “precisa de ajuda” para viver.

“Precisa de comer e nós precisamos dela. É uma santa”, solta Gracinda, que vem à Ladeira “há mais de 40 anos”.

Esta “trilogia” em que se tornou o espaço – um lugar onde o cumprimento se faz com três beijinhos simbolizando a Trindade cristã – foi “anunciada” por Maria da Conceição, uma “visão” relatada ao detalhe por várias das mulheres, com Clotilde a assegurar que viu o rosário partir-se em três, ficando apenas a parte final que contém o crucifixo, representando a quebra dos fieis.

“Agora somos poucochinhos, mas, como disse a ‘mãe’, um dia hão-de ser tantos como as folhas das oliveiras”, afirma, contando que, com 13 anos, foi das primeiras a estar com a “santa da Ladeira” e das poucas de Torres Novas que a seguiram.

Com Clotilde, agora com 66 anos, caminha uma jovem, uma das “muitas crianças abandonadas que a ‘mãe’ acolheu”.

A “obra social” da Ladeira expressa-se no lar de idosos deixado por Maria da Conceição, com meia centena de camas, e no que entretanto foi construído (aberto em 2013, com capacidade para 60 utentes), razão da criação da fundação.

A par do culto – missa ao domingo, com maior predominância no primeiro do mês (quando chegam os que vêm de mais longe), e reza do rosário em procissão às terças e quintas-feiras à tarde -, as seguidoras da “mãe” vão tentando manter vivos momentos simbólicos, como o Banho do Mar, uma “purificação” junto à Lagoa de Óbidos (Foz do Arelho) que se repete anualmente a 18 de agosto, e, a 20 de agosto, o aniversário de Maria da Conceição.

Nas viagens até Torres Novas, no distrito de Santarém – que geralmente incluem uma passagem por Fátima – e também em casa, vão ouvindo as cassetes com as gravações da “mãe Maria”, afinal a razão que as traz ali, ainda que algumas assistam ao culto ortodoxo. “A missa é linda, toda cantada.” Apesar das críticas ao atual bispo Estevão da Costa que acusam de ser o responsável pela queda da Ladeira.