Foi uma espécie de ensaio para o Orçamento do Estado 2018, com o Governo a apresentar a estratégia económica para os próximos anos e Bloco de Esquerda e PCP a levantarem o tom e a fazerem exigências. PSD e CDS criticaram e pediram coragem para Governo levar o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas a votos, mas até o deputado social-democrata Duarte Pacheco notou que o Bloco de Esquerda parecia estar a voltar à condição de partido da oposição. Foram sobretudo duas as exigências deixadas pelos partidos da esquerda: que o Governo se comprometa com o aumento do salário mínimo já em janeiro de 2018 e que se comprometa com o aumento dos escalões de IRS também no início do ano que vem. Sempre com o OE 2018 no horizonte.

Salário Mínimo e IRS? Esquerda exige mas Governo não se compromete. Foi o mote do Bloco de Esquerda em todas as intervenções durante o debate desta quarta-feira. Começou logo na primeira intervenção, com o deputado José Soeiro a pedir ao Governo que reafirmasse aquilo que tinha prometido em relação ao salário mínimo nacional: que iria aumentar para 580 euros em 2018, e para 600 euros em 2019.

O desafio foi lançado ao ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, que tinha ido apresentar o Programa Nacional de Reformas. Mas como Pedro Marques não deu resposta, Mariana Mortágua voltaria à carga, a pedir para, então, Mário Centeno responder: o Governo vai ou não aumentar já o salário mínimo em 2018? Ficou a pergunta. Mais: e o aumento dos escalões de IRS? O BE também quer compromisso nessa matéria e quer que o Governo não se limite à “ordem do simbólico” e que se comprometa com “a alteração dos escalões já em 2018”. Nem que seja faseado, como tinha dito já Catarina Martins. Porque “fasear e adiar são coisas diferentes”, resumiu Mariana Mortágua.

Também o PCP tinha feito a mesma exigência. “É preciso reverter o saque fiscal do anterior Governo, impedir que as pessoas de mais baixos rendimentos comecem a pagar IRS, e é preciso aumentar escalões e reduzir a taxa de imposto dos escalões mais baixos e intermédios”, disse o deputado Paulo Sá. João Oliveira seguiria o mesmo mote, e também o líder parlamentar do Bloco de Esquerda faria, no fim, uma intervenção de fundo a insistir na mesma ideia, acrescentando-lhe outras: a necessidade de o Governo garantir que o programa nacional de combate à precariedade sai do papel e é implementado em 2018, a necessidade de dar uma “reforma digna” a quem trabalhou a vida inteira e colmatar “a falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública”. Porque, disse, “é na vida das pessoas e não nos números que se encontra o verdadeiro défice do país”.

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Mas apesar das tentativas dos partidos da esquerda, o Governo não se comprometeu com respostas. Mário Centeno limitou-se a dizer ao BE e ao PCP que o Governo “tem cumprido todos os compromissos”, nomeadamente os que estabeleceu com os partidos da esquerda em novembro de 2015. Mas as posições conjuntas que o PS assinou com BE, PCP e PEV em 2015 são vagas nos compromissos, não especificando se o aumento dos escalões de IRS é para avançar em 2018 ou só em 2019, no final da legislatura. Certo é que no OE 2018 a esquerda não vai largar o assunto.

Os amigos da banca. Quem são? Foi a acusação mais sonante da direita para a esquerda. Depois de acusar o Governo de não fazer reformas estruturais por motivos de “sobrevivência política” da “geringonça”, Maria Luís Albuquerque os partidos da maioria de esquerda de serem amigos dos bancos, sendo os únicos para quem há medidas generosas nos programas de reformas e de estabilidade.

“Medidas mesmo, e generosas, só para a banca. Só no setor da banca as empresas podem ser grandes e ter mais tempo para deduzir prejuízos, pagando menos impostos. Só a banca precisa de reforçar capital. As esquerdas unidas não gostam de empresas grandes que criem muitos postos de trabalho, que inovem, que invistam, e que possam ter condições para competir além-fronteiras”, defendeu. “Quem diria, senhores deputados do PCP e do BE, que se iriam revelar tão prestimosos para com a parte do grande capital que mais criticaram antes de experimentar o poder”, acusou.

“Se é assim tão bom, levem o programa a votos”. O CDS foi o único partido que, para forçar os partidos da esquerda a votarem, apresentou iniciativas legislativos sobre o programa de estabilidade e o programa nacional de reformas. Como estes documentos do Governo não vão a votos (a não ser que o Governo os sujeitasse a votação), os centristas foram ao debate com dois projetos de resolução sobre o tema, que serão votados na sexta-feira e que, sem surpresa, vão ser chumbados pela esquerda.

Ainda assim, fica a intenção. Depois de Mário Centeno e Pedro Marques terem pintado um Portugal “cor de rosa fluorescente”, nas palavras de Mota Soares, o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, foi o primeiro a notar as omissões no discurso “do país das maravilhas”: o abandono escolar precoce, a dívida que continua a aumentar, e o investimento que “se cresce, cresce para baixo”. Por isso, o líder parlamentar do CDS deixou um desafio ao Governo: levar os documentos com a estratégia económica de médio prazo a votos na Assembleia da República. “Se é assim tão bom [o Programa de Estabilidade] porque é que não levam a votos? Têm medo? Se é assim tão bom leve a votos”, disse.

Mas os únicos documentos que vão ser votados na sexta-feira são mesmo os projetos de resolução dos centristas.

Calma, é preciso “sensatez”. Perante os avanços do PCP e BE, o PS saiu em defesa do Governo e pediu “prudência” e “sensatez”, mesmo na reposição de direitos e de rendimentos. Na última intervenção do debate, o líder parlamentar do PS defendeu um caminho de “prudência” em domínios como o salário mínimo nacional ou o combate à precariedade, advertindo que proteger a competitividade das empresas é proteger a economia nacional.

“Todas as medidas, sejam elas no plano dos direitos laborais em geral, sejam dos especificamente remuneratórios, incluindo as da remuneração mínima, devem continuar a ser criteriosamente acompanhadas e avaliadas nos seus resultados para não afetar as capacidades geradoras de mais e melhores empregos e, a montante e jusante, de mais e melhores empresas”, disse. E avisou os parceiros: tem de haver a “sensatez constante de entender e fazer entender que proteger o emprego é proteger as empresas e proteger a competitividade das empresas é proteger a economia nacional”.

Fica o recado para o próximo Orçamento do Estado. BE e PCP podem querer mais e mais rápido, mas PS continua a lembrar que não pode ser tudo de uma vez. E, como sublinhou Mário Centeno, o Governo limita-se a cumprir o que ficou acordado, lembrando que nas posições conjuntas não há metas concretas.