Há uma coisa que devemos ter sempre em conta no futebol: muitas vezes, ou quase sempre, o que se diz para fora é diferente do que se fala lá dentro. Quando Nuno Espírito Santo recusava dizer se era em Alvalade que esperava que o Benfica escorregasse, dizia o que não pensava. Quando Rui Vitória, ontem a seguir ao dérbi, recusava dizer que o campeonato estava acabado, dizia o que não pensava. E isto não tem a ver com mentiras ou hipocrisias: um líder no futebol, como em qualquer outra atividade, tem de perceber a melhor forma de controlar a parte mental do jogo. Para dentro e para fora. A prova de que é assim foi vista esta noite no Dragão: os azuis e brancos acusaram em demasia o empate nos encarnados frente ao Sporting, perceberam que estavam numa posição complicada e quebraram, mais uma vez, onde não podiam ter quebrado (quarto empate nos últimos cinco jogos). Tanto que, pela primeira vez na Primeira Liga, não marcaram em casa.

Ficha de jogo

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FC Porto-Feirense, 0-0

30.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Rui Costa (Porto)

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira, Felipe, Marcano, Alex Telles; Danilo, André André (Herrera, 46’), Óliver Torres (Otávio, 46’); Diogo Jota, André Silva (Rui Pedro, 66’) e Soares

Treinador: Nuno Espírito Santo

Suplentes não utilizados: José Sá, Boly, Layún e Rúben Neves

Feirense: Vaná; Jean Sony, Flávio Ramos, Ícaro, Vítor Bruno; Cris, Luís Machado (Ricardo Dias, 90’); Edson Farias, Tiago Silva (Babanco, 75’), Etebo e Karamanos (Luís Aurélio, 80’)

Treinador: Nuno Manta

Suplentes não utilizados: Peçanha, Fabinho, Sérgio Barge e Hugo Seco

Golos: nada a registar

Ação disciplinar: cartão amarelo a Jean Sony (52’), Tiago Silva (59’), Luís Machado (63’), Flávio Ramos (64’), Edson Farias (74’) e Babanco (85’)

O jogo começou mas ainda se ouvia, e de que maneira, aquele ruído da noite anterior a 300 quilómetros. O resultado do dérbi não foi propriamente um KO para o FC Porto, mas funcionou como aqueles murros no estômago que deixam os pugilistas meio a cambalear de mãos em cima para se equilibrarem. E viu-se isso nos primeiros 15 minutos do encontro, que não tiveram sequer um remate para amostra até que Soares, de bicicleta, mereceu aplausos pela nota artística.

No relvado ou nas bancadas, a força com que os dragões atacaram por exemplo a primeira parte da partida com o V. Setúbal (um dos dois empates em casa, a juntar-se à igualdade frente ao Benfica consentida nos descontos) não se sentia. Até a música do topo dos Super Dragões parecia mais arrastada, menos entusiástica, à espera de um clique. E a equipa deixava-se ir nessa ladainha, até porque os agitadores que podiam abrir a pista com os habituais dribles e desequilíbrios ficaram ambos de fora (Brahimi por castigo, Corona por lesão). Jota, na direita, estava discreto.

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Foi nessa janela de oportunidade de apareceu Karamanos, avançado grego que deu nas vistas no Atromitos de Sá Pinto e que recusou uma série de convites de Grécia e Chipre para arriscar uma aventura em Portugal. Foi dos pés do homem mais adiantado dos fogaceiros que veio o primeiro lance de real perigo, após um passe longo da defesa, mas Casillas antecipou-se bem antes do chapéu (20’).

O FC Porto não tinha nem largura nem profundidade no seu jogo e o único que ia tentando remar contra o marasmo era mesmo Alex Telles: ou rematava de meia-distância, ou ganhava cantos, ou marcava bolas paradas, ou conseguia arrancar faltas perigosas. Ele, um lateral, fazia mais do que as três unidades da frente juntas e ainda liderava nas interceções ao intervalo. Jogava por dois.

Até ao intervalo, Danilo teve um cabeceamento perigoso, André Silva abriu um parenteses num início de noite desastrado para marcar um golo que foi (e bem) anulado, Óliver atirou para defesa de Vaná e Danilo, em jeito de fora da área, ficou a centímetros do golo. Mas era pouco. E quase tudo via individual. Todos percebiam que era preciso mexer qualquer coisa para desfazer o nulo.

Nuno Espírito Santo não esperou muito tempo para mexer: sacou Óliver (que tem estado em quebra nos últimos jogos), lançou Otávio e abriu a frente com um 4x4x2 clássico que se transformava em 4x2x4 com bola. O efeito a nível de oportunidades não foi imediato, mas notou-se outra genica, outra vontade, até uma maior facilidade em chegar a espaços que tinham estado fechados. E seria o brasileiro a criar a primeira grande oportunidade do segundo tempo, com uma grande jogada iniciada em Casillas a ser travada por Vaná (56’).

Nuno gostava do conteúdo mas quis mudar a forma: lançou Herrera e Rui Pedro aos 66’, retirando André André e André Silva, e apostou as fichas todas em busca de um golo que permitisse a aproximação ao líder Benfica. Todavia, os dragões pareciam não ter aprendido nada com a segunda parte que tinham feito contra o V. Setúbal, deixando que a emoção prevalecesse sobre a razão.

O FC Porto circulou, procurou largura, encostou o Feirense a 30 metros sem a mínima capacidade de esticar jogo, mas foi precipitado, foi para o meio quando devia ir para as alas, cruzou quando devia tabelar. E depois houve outro fator a desequilibrar: a Manta do Feirense podia ser curta, mas Vaná nunca deixou que a equipa apanhasse aquele friozinho de um golo sofrido no final. Frente a uns azuis e brancos em noite de desinspiração e a reclamarem dois penáltis, o brasileiro ex-Coritiba e ABC defendeu tudo o que lhe apareceu pela frente, incluindo os remates desviados em defesas de Rui Pedro e Soares e uns pouco prováveis cabeceamentos com sele de golo de Maxi Pereira, qual ponta-de-lança.

Afinal, a Manta mais curta de todas acabou por ser a do FC Porto, que partia para este encontro com a possibilidade de ficar apenas a um ponto do primeiro lugar e manter a pressão alta sobre o Benfica. A equipa com mais golos, mais remates e mais cantos do campeonato não passou do nulo. E assim pode ter sentenciado o campeonato. Por muito que os jogadores azuis e brancos tenham tentado, sendo Felipe o exemplo paradigmático depois de ter passado parte da segunda parte a coxear e ter saído de cabeça aberta.