Depois de uma sessão comemorativa do 25 de Abril muito pacífica em matéria de críticas ao Governo (com PSD e CDS a absterem-se de qualquer acusação), o debate quinzenal desta tarde no Parlamento teve material suficiente. Pedro Passos Coelho liderou a frente de oposição, entrando num duelo duro com o primeiro-ministro sobre as nomeações travadas pelo Governo para o Conselho de Finanças Públicas. Passos acusou o Governo de violar o acordo entre PS e PSD que esteve na base da criação daquele organismo independente e acusou mesmo Costa de “lidar mal” com instituições independentes, bem como de recusar responder perante os seus atos ao Parlamento.

Foi o pico do debate, que voltaria a incendiar-se quando Assunção Cristas acusou o primeiro-ministro de fazer “cortes cegos e de esconder despesa para baixo do tapete”. Mas as cativações, que são por norma a arma de arremesso da direita (que acusa o Governo de só atingir as metas desejadas do défice por não canalizar dinheiro para os serviços públicos), foram desta vez uma defesa do primeiro-ministro, que deixou claro que são um instrumento essencial à boa gestão orçamental.

Sobre as alegadas “contradições” do Governo e os parceiros da esquerda, nomeadamente em matéria europeia, Costa preferiu chamar-lhes “tensões”. Porque, disse, tem sido “difícil” conseguir entendimentos com vista à aprovação de todos os orçamentos e documentos estratégicos, mas a missão tem sido cumprida. Depois de assegurar ao BE que vai cumprir com tudo o que está acordado, Costa até arriscou dizer que esse acordo pode alongar-se para lá de 2020. Ao PCP, contudo, o primeiro-ministro deu uma má notícia: não vai alinhar com a proposta dos comunistas de avançar com um novo referendo à regionalização até 2019. Regionalista confesso, Costa ainda está “traumatizado” do mau resultado de 1998 e diz ser prematuro avançar com essa discussão já. “Nesta legislatura não”.

Eis os principais momentos do debate, ponto por ponto.

Conselho de Finanças Públicas. “Quem se mete com o PS leva”

Como justifica o veto aos nomes para o CFP? Foi a guerra do debate. Passos Coelho começou por questionar o primeiro-ministro sobre a recusa do Governo em nomear os elementos do Conselho de Finanças Públicas (nomes propostos por aquele organismo independente), mas Costa recusou-se a responder, alegando que, sendo as propostas são do Banco de Portugal e do Conselho de Finanças Públicas, “seria bastante indelicado responder aqui o que nunca disse aos próprios, que também não perguntaram”. Perante a insistência do líder do PSD, António Costa limitou-se a dizer que o Governo entendeu não terem “perfil” para o cargo.

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Quem se mete com o PS leva. Mas Passos Coelho não gostou do que ouviu, porque o Conselho de Finanças Públicas é uma entidade independente criada pelo Parlamento na sequência de um acordo assinado, na altura, por PS e PSD. Assim sendo, ao travar nomeações feitas por aquele organismo independente, segundo Passos, o Governo está a “violar o acordo”. As acusações iriam depois mais longe: Passos acusou Costa de “lidar mal com as instituições independentes” e ironizou com o velho lema de que “quem se mete com o PS (e com o Governo do PS) leva”, neste caso quem está a “levar” é o Banco de Portugal e o Conselho de Finanças Públicas.

Cativações, a arma da direita. Mas Costa diz que são muito boas

Como funciona um órgão regulador com 30% do orçamento cativado? O argumento é: o Governo só conseguiu atingir a meta do défice de 2% à custa da redução do investimento público e das cativações. O argumento voltou a ser usado neste debate por PSD e CDS, com Assunção Cristas a protagonizar o duelo. Depois de ter perguntado diretamente ao primeiro-ministro qual o valor da dívida “escondida” no setor da saúde, Cristas perguntou também qual o valor das cativações no setor dos transportes, lembrando que a Autoridade dos Transportes tem 30% do seu dinheiro cativado.

Até o gabinete do primeiro-ministro está cativado. Na resposta, António Costa viria a elogiar essa medida: “Todos os responsáveis da Administração Pública, começando por mim próprio, consideram que [essa cativação] é boa para uma boa execução orçamental e que o Orçamento vai ser gerido ao longo do ano e de forma a não haver surpresas”. E “No dia em que as cativações não existam não se garante uma boa cativação orçamental”, defendeu, acrescentando que “é muito bom 30% de cativação”. Ao responder diretamente à pergunta de Cristas não podia ser mais claro: “É muito bom manter essa cativações nessa autoridade reguladora e nas instituições do Estado”.

A resposta levaria Assunção Cristas a afirmar que o Governo assume que o que inscreve no Orçamento “não é para cumprir”, porque destina uma dada verba para um dado setor mas depois não aplica a despesa, e acusou por isso António Costa de falta de transparência orçamental.

Contradições ou tensões na “geringonça”

As exigências da Europa contradizem a necessidade de crescimento. Jerónimo de Sousa foi o primeiro a levantar o tema das “contradições”. Que contradições? As que há entre o cumprimento das metas definidas nos “programas de ingerência e policiamento de metas definidas pela UE” e as preocupações de ver o país crescer de forma “robusta e sustentada”. “Contradições” que Passos Coelho viria a aproveitar para assinalar as que existem entre o Governo e os seus parceiros da esquerda em matéria europeia.

A tensão para fazer a quadratura do círculo. Costa preferiu chamar “tensões” às contradições. “Não diria que há contradição, mas há, seguramente, tensão. Na nossa política económica, temos de prosseguir diferentes objetivos e cumprir diferentes compromissos. Aquilo que foi o sucesso de 2016 demonstra bem como é possível articular a eliminação nos cortes dos salários da função pública, nas pensões, a diminuição da carga fiscal e, simultaneamente, termos uma situação orçamental melhor do que a que tínhamos anteriormente”, disse Costa, garantindo que não há qualquer contradição nem sequer tensão no tema do combate à precariedade laboral — nisso todos concordam.

Costa garante que vai cumprir tudo o que acordou. Neste seguimento o primeiro-ministro garantiria ainda ao Bloco de Esquerda: “Pela nossa parte, iremos cumprir tudo o que acordamos com o BE”. E até lançaria o desafio de virem a reiterar o acordo para depois de 2020. No ar ficou uma “tensão” por sanar: o que vai de facto acontecer ao instituto Ricardo Jorge? Foi uma preocupação levada pelo BE ao debate, com Catarina Martins a questionar o primeiro-ministro sobre a hipótese de parte do instituto passar para o grupo Mello Saúde. Mas Costa disse “desconhecer” tal negócio e garantiu que iria ficar público. “Deve haver uma confusão”, disse apenas o primeiro-ministro.

Referendo à regionalização. Para já não

Um trauma que dura há 20 anos. Numa resposta aos Verdes, mas também ao PCP — que lançou o desafio e já avançou com um projeto de resolução para pôr na agenda o tema do referendo à regionalização –, António Costa afastou a ideia, apesar de ser a favor da regionalização: “Fiz campanha pela regionalização e hoje não penso diferente”. Mas não será para agora. “Neste momento não é oportuno e não há condições políticas para que se retome esse tema sem cometer os mesmos erros do passado. Ainda não desaprendi o trauma que tive com esse referendo”, disse.

“O caminho deve fazer-se de uma forma consolidada. É um caminho que um dia terá de ser traçado, como de resto está previsto na própria Constituição”, notou o primeiro-ministro, mas não agora, não nesta legislatura. A proposta do PCP é clara no calendário: ouvir primeiro todos os municípios do país, consensualizar a proposta junto da maioria parlamentar e apresentar a proposta de referendo até 2019, último ano da legislatura. Mas Costa é perentório: “Não creio que isso vá acontecer no quadro desta legislatura”. E insistiu: “No momento próprio lá chegaremos, não tenho poderes divinos para saber quando será, mas nesta legislatura não é possível”.

Ser euro-convicto não é ser euro-ingénuo

Estar no euro sem concordar com tudo. A Europa foi o tema da segunda parte do debate, dedicado à preparação do Conselho Europeu de sábado. Focado no Brexit e nas preocupações dos deputados sobre os portugueses residentes no Reino Unido, António Costa garantiu que irá trabalhar junto dos parceiros comunitários no sentido de garantir “uma saída ordeira” do Reino Unido do projeto europeu. E disse que o Governo e os socialistas não são “euro-arrependidos”, mas são sim “euro-convictos”, o que não significa que sejam “euro-ingénuos”.

Antes, falando para as bancadas do PCP e do BE já tinha dito que “fora da união económica, fora do euro, estaremos seguramente pior do que dentro”. Mas, para piscar o olho aos parceiros, acrescentou: “Mas estar dentro do euro não quer dizer que concordemos com tudo”.