“Nunca mijes para uma ficha de eletricidade. Mija antes para feridas tuas ou de pessoas de quem gostes. É antisséptico, foi um urologista que me disse”. Este foi um dos primeiros conselhos que Bruno Aleixo deu em “Os Conselhos Que Vos Deixo”. Era um Ewok, transformou-se num cão. Desde então já se viu Aleixo como apresentador de televisão, na escola, no hospital, no Brasil, num programa de futebol, na rádio. Tem o seu próprio Twitter e Facebook. É uma pessoa como nós. E agora vai frequentar sessões de psicologia clínica. É essa a premissa de “Aleixo Psi”, que se estreia esta sexta-feira, dia 28, às 23h30 na SIC Radical. Seis episódios semanais de conversa de consultório. Ou desconversa.

Voltando atrás. 2008. “Este País Não É Para Velhos” ganhou o Óscar de Melhor Filme, o mundo parou com a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos em Pequim e Obama começava o seu primeiro mandato como Presidente dos EUA. Portugal saía do Euro 2008 nos quartos-de-final, o Magalhães era apresentado e todas as crianças poderiam ter o seu portátil, “Call Girl” venceu o Globo de Ouro para Melhor Filme e “Os Conselhos Que Vos Deixo” chegaram à internet. Vídeos de trinta segundos, ou menos, em que um Ewok com uma voz mal gravada e um ar meio tosco deixava importantes conselhos para a vida. Meses depois transformou-se em cão – por causa de direitos de imagem, os Ewoks são propriedade da Lucasfilm – e chegou à televisão (SIC Radical) com um talk show: “O Programa do Aleixo”.

O coimbrão brasileiro

A personagem foi criada por João Moreira e Pedro Santo. Conheceram-se em 2007 no programa “Boa Noite, Alvim” e em 2008, com João Pombeiro (que era autor dos bonecos e o realizador), introduziram Bruno Aleixo ao mundo. É uma personagem mas tem vida própria. Melhor: é assim que se deve experienciar Aleixo, como uma pessoa. Tem 59 anos (faz 60 no próximo 21 de Junho), sabe-se que é natural de Coimbra e tem ascendência brasileira. É alguém que não teme o confronto e tem sempre razão. É fácil de o reconhecer em alguns portugueses. Ao longo dos anos foi apresentando alguns dos seus amigos através dos seus programas, personagens também criadas por Moreira e Santo, que hoje são indissociáveis do universo de Aleixo.

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2017 e estreia “Aleixo Psi”. Bruno Aleixo vai ao consultório – só se saberá a razão mais para a frente na série – e é, segundo João Moreira, “um bom pretexto para falar das coisas do passado”. “As sitcoms têm quase sempre um episódio, um especial ou no final de uma temporada, em que vemos os gajos a relembrar partes do passado, só que vão buscar isso a bocados da sitcom. Isto não, não é ir buscar bocados da vida, mas preencher as lacunas que existem na vida do Aleixo. Ele fala do irmão, tem um irmão que aparece muitas vezes na escola com ele. Mas não aparece em casa. Como é que é a vida dele em casa a brincar, ou como conheceu outras pessoas, como é que conheceu o Homem do Bussaco. Basicamente aqui ele conta como conheceu todas as pessoas.”

Pedro Santo continua: “Já dissemos em vários sítios que ele conheceu o Bussaco na tropa, em Lamego. No ‘Aleixo Psi’ mostramos o sítio exato onde eles se conheceram. Foi uma desculpa para meter o Aleixo a falar do passado, com aquelas elipses todas. Como ele não fala do seu passado, teria de ser obrigado. E foi obrigado. E ninguém sabe se está a dizer a verdade”.

A verdade não importa para Bruno Aleixo. Nada parece importar além dele próprio. Gosta de confrontar, gosta de sair por cima. Tem sempre razão e não usa eufemismos. “No fundo é um bullying constante. É um alfa a querer chegar ao topo, o Aleixo quer ser sempre o primeiro, quer confrontar-se com toda a gente, para estar sempre por cima”, confirma João Moreira.

A psicologia de Bruno

“Aleixo Psi” traz algumas novidades. É a primeira série de Aleixo que conta com atores: Henrique Guerra no papel de psicólogo e Carolina Crespo no papel de secretária. E há cenas de animação quando, por vezes, se entra na cabeça de Bruno Aleixo. São duas grandes inovações no universo que Moreira e Santo têm vindo a desenvolver, mas não se sente que tenham entrado ali bruscamente. Há uma grande homogeneidade no seu trabalho e um aprumo maior a cada passo que dão em elementos essenciais para o seu humor muito próprio: a atenção no vocabulário, o trabalho exímio com os silêncios e a construção de um imaginário que, embora enigmático, não cria no espectador uma ânsia de saber.

O caráter lo-fi mantém-se. É uma das características essenciais de Aleixo. João Moreira relembra que no início disseram a si mesmos “vamos assumir a falta de condições, mas fazer o melhor possível com essa falta de condições. É como fazer dobrada, temos o estômago da vaca, vamos fazer o melhor possível com isso. Ou só tens tripas, é possível fazer coisas boas com tripas. Ou a chanfana, só tens cabra velha, então vai-se fazer o melhor possível com isso. Claro que não é filet mignon, mas com as tripas que nós tínhamos fizemos coisas boas. Agora felizmente temos mais condições. Aproveitámos o dinheiro e quisemos experimentar coisas novas.”

As coisas novas não interferem com o Aleixo de sempre. É, muito provavelmente, a personagem mais original a surgir no universo humorístico português na última década. E com ele vieram uma série de outras que deveriam ser canonizadas, como o Homem Do Bussaco, Busto, Renato Alexandre ou Nelson. Não têm o fator mímico das personagens de Herman José ou dos Gato Fedorento e o modo como interagem torna difícil ouvirem-se réplicas dos seus diálogos nas ruas, mas são poderosas e marcantes. E “Aleixo Psi” vai explicar um pouco mais sobre cada uma delas. Ou talvez não. Isso pouco importa, a verdade não tem lugar no universo de Bruno Aleixo. Porque, como nos dizia em 2008: “Usa sempre toalhitas húmidas no WC. Para te sentires verdadeiramente limpo”. Claro que isto diz pouco sobre essa verdade, mas com conselhos destes, como se pode ignorar Bruno Aleixo?