Comecemos este texto por imagens que valem mais do que mil palavras.

No primeiro caso, podiam ser imagens de 2014 ou 2016, quando o Real venceu a Liga dos Campeões. No segundo vídeo, podiam ser imagens de 2012, quando o Atleti ganhou a Liga Europa, ou 2014, quando se sagrou campeão. Mas nesta altura o tempo verbal funciona como spoiler dos trailers: foi assim que uma e outra equipa foram recebidas hoje. Isto é o desporto no seu mais puro estado. Aquele que move paixões. É por isto que gostamos de futebol.

Ficha de jogo

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Real Madrid-Atl. Madrid, 3-0

1.ª mão da meia-final da Liga dos Campeões

Estádio Santiago Bernabéu, em Madrid

Árbitro: Martin Atkinson (Inglaterra)

Real Madrid: Navas; Carvajal (Nacho, 46’), Varane, Sergio Ramos, Marcelo; Casemiro, Modric, Kroos; Isco (Asensio, 68’), Cristiano Ronaldo e Benzema (Lucas Vázquez, 77’)

Treinador: Zinedine Zidane

Suplentes não utilizados: Kiko Casilla, Kovacic, James Rodríguez e Morata

Atl. Madrid: Oblak; Lucas Hernández, Savic, Godín, Filipe Luís; Saúl Ñiguez (Gaitán, 58’), Gabi, Koke, Carrasco (Correa, 68’); Kevin Gameiro (Fernando Torres, 57’) e Griezmann

Treinador: Diego Simeone

Suplentes não utilizados: Moyá, Thomas, Tiago e Alberto Rodríguez

Golos: Cristiano Ronaldo (10’, 73’ e 86’)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Koke (26’), Isco (48’), Saúl Ñiguez (53’) e Savic (83’)

À falta de Bale, Zidane avançou para o BIC. Que é como quem diz, Benzema-Isco-Cristiano. Podíamos fazer graçolas com a facilidade com que escreveram o futebol ofensivo do Real Madrid. Podíamos arriscar analogias com bancos – ainda para mais no dia em que se soube que Florentino Pérez tem 40 milhões de euros preparados para distribuir em prémios caso os merengues consigam o Campeonato e a Liga dos Campeões, era dinheiro em caixa. Mas decidimos ser fiéis ao futebol do representante espanhol neste trio.

Isco não se vê, mas sente-se. Isco não toca na bola, mas isso é sinal de que vem aí perigo. Isco, quando toca na bola, é ele próprio um perigo para o adversário.

A primeira parte teve um Real Madrid vestido de campeão na luta pelo título e um Atl. Madrid que partia como desafiador sem nunca desafiar nada. Porque os primeiros 45 minutos foram de sentido único, uma constante vertigem dos merengues que deixou à nora o ponto forte dos colchoneros – o seu coletivo.

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1-0 para o Real: cruzamento de Casemiro da direita após assistência e toque sem hipóteses de Ronaldo na área

Aos 5’, Ronaldo atirou ao lado. Aos 7’, Carvajal permitiu a defesa a Oblak. Aos 10’, Ronaldo não perdoou após assistência do improvável Casemiro. 1-0.

Desde que há Champions, Ronaldo marcou 103 golos. O Atleti tem 100 (e aqui fica bem confessar que achávamos que este seria o único dado estatístico que seria falado caso o português marcasse, mas afinal havia mais).

Desde que há Champions, ninguém marcou 13 golos em meias-finais. Ronaldo marcou.

Desde que há Champions, ninguém tinha marcado 52 golos nas fases a eliminar. Ronaldo marcou.

Varane, aos 17′, e Benzema, aos 29′, ainda tiveram oportunidades para dilatar o marcador. Foi um autêntico abafo do Real ao Atl. Madrid, com 11-1 em remates. Mas, para não variar, a ficha de jogo apontava para o do costume.

Após o intervalo, as coisas mudaram. O Real colocou o ADN do Atlético: organizado, bem posicionado, a tirar profundidade ao adversário enquanto procurava a profundidade no ataque. O Atlético tentou colocar o ADN do Real: muita troca de bola, diagonais, mobilidade, carregando na frente mesmo sabendo que ficava exposto atrás. Mas esta mutação genética futebolística só deu jeito a quem ganhava. Até porque Modric e Kroos quase pareciam brincar com o adversário pela forma como pautavam ritmos, decidiam velocidades e escondiam a bola.

Mas havia outra história por escrever. Ou mais história, no caso de Ronaldo.

Um dia, durante um treino, um treinador português mostrou toda a satisfação com uma jogada bem conseguida numa expressão meio popular mas que dizia tudo. “Parece bilhar, parece bilhaaaaaaar!”, gritou orgulhoso. Os últimos 20 minutos do dérbi de Madrid pareciam mesmo bilhar. Com o do costume a dar a tacada final.

2-0 para o Real: transição rápida dos merengues, passe de Benzema, bola a ressaltar e míssil de Ronaldo sem hipóteses

Pim, pim, pim, pim, pim, golo. Modric e Kroos telecomandavam a bola de pé para pé em progressão, Benzema, Asensio e Lucas Vázquez davam a velocidade final, Ronaldo puxava a culatra atrás e marcava. Mais um (73′). Mais dois (86′). Estavam escritos mais três golos. E voltávamos outra vez à história dos recordes.

3-0 para o Real: mais uma saída vertiginosa, cruzamento atrasado de Lucas Vázques e toque mortífero de Ronaldo

Dos últimos nove golos do Real Madrid na Liga dos Campeões, oito foram de Ronaldo.

Pela sexta vez consecutiva, apontou 10 ou mais golos na Liga dos Campeões.

Di Stéfano tinha feito dois hat-tricks em meias-finais da Liga dos Campeões. Ronaldo fez o terceiro.

Nunca ninguém tinha marcado um hat-trick ao Atl. Madrid nas competições europeias.

Em 389 jogos com a camisola do Real Madrid, apontou 400 golos.

E podíamos continuar, continuar, continuar. Mais três vezes. Mas esta é a altura em que quem escreve deixa a terceira pessoa do plural e fala, por uma vez, na primeira pessoal do singular. Andamos numa fase onde se fala das gerações X, Y ou Z. Mãe, pai, eu pertenço à geração R, CR. E dou graças por poder escrever sobre isso. Sobretudo porque o tempo passa e, aos 32 anos, há sempre qualquer coisa nova capaz de servir de inspiração para o resto.