As visitas papais a Portugal revestiram-se de preocupações especiais, quer por parte da Igreja Católica portuguesa, quer das entidades oficiais, segundo Ana Cristina Câmara em “Os Papas em Portugal – Os Bastidores das Viagens e as Histórias nunca contadas”. A obra é apresentada esta quarta feira, às 18:30, pelo jornalista Joaquim Franco, na Biblioteca Municipal Camões, em Lisboa.

Paulo VI foi o primeiro pontífice a visitar o santuário de Fátima, em maio de 1967, quando se cumpriam 50 anos das “aparições”. O papa fez questão de afirmar que visitava Fátima “como peregrino”, e evitou aterrar em Lisboa, numa altura em que o governo da ditadura era presidido por Oliveira Salazar e o país vivia a Guerra Colonial.

Paulo VI viajou de avião de Roma até Monte Real, nos arredores de Leiria, de onde seguiu num automóvel Rolls-Royce, que também fora usado pela rainha Isabel II, de Inglaterra, dez anos antes. Francisco fará o mesmo, no próximo dia 12, mas seguirá de helicóptero até ao campo de futebol de Fátima, onde também aterrou João Paulo II, numa das suas três visitas.

Sobre a visita do quarto pontífice a Portugal, Ana Cristina Câmara afirma que “Francisco vai quebrar regras do protocolo para se abeirar espontaneamente dos peregrinos”, e salienta que as visitas papais também se fazem “destes contactos humanos”.

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Paulo VI foi o primeiro papa a visitar Fátima. Veio “como peregrino rezar pela paz, não passaria por Lisboa nesta sua primeira viagem a um país europeu fora da Itália, e quarta desde que tinha sido eleito”, escreve Ana Cristina Câmara. O pontífice, que foi o primeiro a recusar o uso da tiara pontifícia, tinha realizado em dezembro de 1964 uma deslocação a Bombaim, na Índia, para assistir ao Congresso Eucarístico, que foi “indigesta” para a ditadura portuguesa, após a anexação do chamado Estado da Índia, em 1961, só reconhecida por Lisboa após 25 de Abril de 1974.

Entre outros pormenores da viagem destaca-se o facto de António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros, ter revelado não ter vontade de assistir às cerimónias, quando soube que seria sorteada a comunhão que o papa daria aos membros do seu Governo, e que se limitaria a cinco ministros.

Salazar declararia que não comungaria, e assim devia proceder o Governo todo, se tivesse brio: é que ou não há comunhão, ou não tem limites, não se pode escolher quem tem mais ou menos fé, nem tirar à sorte quem cabe comungar”, escreve a investigadora segundo a qual “Salazar ficou furioso”.

O papa deu a comunhão a 50 pessoas, entre as quais membros do Governo, a carmelita Lúcia de Jesus e a infanta Margarida de Espanha, que se casara dias antes em Lisboa.

Esta visita papal foi também alvo de uma suspeita de atentado terrorista, segundo informação da embaixada portuguesa em Madrid, mas decorreu com normalidade e para história ficou, segundo relata o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Alberto Franco Nogueira, ao tratamento protocolar por “sua santidade” de Salazar, Paulo VI dirigiu-se ao político como “vossa eternidade”. Salazar mantinha-se no poder desde 1928, primeiro como ministro das Finanças, depois como presidente do Conselho de Ministros, com a aprovação da Constituição de 1933, que definiu a ditadura do Estado Novo.

As três visitas de João Paulo II a Portugal são as que ocupam a maior parte da obra, editada pela Parsifal. A primeira visita, em maio de 1982, aconteceu quando o país vivia “uma democracia em êxtase”, tendo o pontífice polaco, depois de chegado a Lisboa, visitado Fátima, Vila Viçosa, Braga e Porto, “um itinerário mariano como anunciou”.

A segunda decorreu em maio de 1991, quando se dá “o colapso do comunismo”. João Paulo II foi aos Açores e à Madeira, além de Fátima e Lisboa, onde se realizavam “megalómanas obras” como o Centro Cultural de Belém, e, finalmente, a terceira, em maio de 2000, quando foi revelado o “terceiro segredo de Fátima” e anunciada a beatificação dos pastores Jacinta e Francisco, protagonistas, com Lúcia, na altura com 93 anos, dos acontecimentos na Cova da Iria, em 1917. Nesta visita ofereceu a Nossa Senhora o seu anel “Totus Tuus”. Na primeira visita tinha entregado a bala que o atingira no atentado em Roma, em 1991, e que relacionou com o “terceiro segredo de Fátima”.

Em maio de 2010 visitou Portugal Bento XVI, que se deslocou a Lisboa, Fátima e Porto, quando “a economia [portuguesa ia] mal, em queda num poço cujo fundo é a austeridade”, e se registavam 570.000 desempregados. Todavia, como escreve a autora, Bento XVI “o ‘grande inquisidor’ conquistou o coração dos portugueses”.