A equipa do Désintox, secção do Libération responsável pelo fact-checking, criou uma plataforma para, ao longo do debate entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron, ir esclarecendo as dúvidas dos leitores. Muitas (muitas mesmo) foram-se repetindo ao longo da noite.

Exemplos:

  • “Havia mais desempregados em 2000 do que agora?”

“Havia 3,7 milhões de desempregados em março de 2017, contra 2,9 milhões em março de 2000,e a taxa de desemprego era de 10% no terceiro trimestre de 2016 contra 8,7% no segundo trimestre de 2000”.

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  • “Quanto contribui a França para a União Europeia?”

“A contribuição francesa para a Europa era de 22,5 mil milhões de euros em 2015, sendo que 14,5 mil milhões foram recuperados, o que dá um custo líquido de 8 mil milhões. Mas esse é apenas um valor facial porque esse dinheiro serve, entre outras coisas, para financiar o mercado único europeu de 500 milhões de consumidores, de que a França beneficia largamente”.

  • “Emmanuel Macron é gay?”

“Esse rumor é bastante persistente. Tentámos esclarecer o assunto neste artigo, que o convidamos a ler [e reencaminham o leitor para aqui] “.

Os descodificadores do Libé

Grande parte das questões a que o Désintox respondeu foram feitas também pela equipa de “Décodeurs” do Le Monde. Que, depois de ir verificando, retificando e esclarecendo as afirmações de cada um dos candidatos, determinou quais eram verdadeiras, falsas ou assim-assim.

No final do debate, os jornalistas deram razão aos leitores: efetivamente ao longo das 2h30 de conversa, verificaram muito mais declarações de Marine Le Pen do que de Emmanuel Macron. Mas também se apressaram a justificar: só foi assim porque ela mentiu muito mais.

“A candidata da Frente Nacional disse esta noite uma série verdadeiramente impressionante de desinformação e contra-verdade, enquanto o seu adversário, de um modo geral, respeitou os factos”, escreveram.

Eis 9 “verificações” da noite, a comprovar a tendência:

1 – Afirmação: Le Pen criticou Macron sobre a guerra contra o terrorismo: “No dia depois do ataque você disse, ‘Não vou inventar um programa durante a noite para combater o terrorismo’.”.

Veredito: Errado.

Explicação: A candidata cita informações recorrentemente publicadas em sites de extrema-direita depois dos ataques nos Campos Elísios. Emmanuel Macron disse no dia seguinte à RTL: “Não vou inventar um programa durante a noite para combater o terrorismo”. E a candidata da Frente Nacional veio para a frente das câmaras acusá-lo de não ter um programa anti-terrorismo. Aquilo que Macron queria dizer é que não iria fazer alterações ao programa que tinha depois do que tinha acontecido: “Isso seria irresponsável. Quem nos ataca quer pânico, que alteremos todos os nossos planos e programas de acordo com as circunstâncias. Querem que nos dividamos, que interrompamos a campanha eleitoral”.

2 – Afirmação: “Somos o único país na Europa que não travou o desemprego massivo”, disse Emmanuel Macron.

Veredito: É exagerado.

Explicação: É verdade que a França tem uma taxa de desemprego a rondar os 10% e que está abaixo da média da zona Euro — cerca de 9,5%. Ainda assim, outros países como Espanha (18%) ou Itália (11,5%) estão piores.

3 – Afirmação: Emmanuel Macron disse que não era ministro quando a SFR (a Telefónica Francesa) foi vendida. Marine Le Pen discordou: “Obviamente você era ministro” e pelo meio acusou o rival de ter mentido sobre isso a “milhões de franceses”.

Veredito: Macron disse a verdade.

Explicação: A venda da SFR pela Vivedi à Numéricable foi registada na primavera de 2014 e Macron assumiu a pasta da Economia no final de agosto do mesmo ano, depois de Arnaud Montebourg e Benoît Hamon terem saído do governo. Macron também se manifestou publicamente contra a aquisição da Bouygues pela SFR-Numéricable.

4 – Afirmação: Emmanuel Macron disse que a Frente Nacional fez com que representantes da União das Organizações Islâmicas de França (UOIF) participassem em colóquios organizados pelo partido. Citou Louis Aliot, vice-presidente da FN e namorado de Le Pen.

Veredito: Verdade

Explicação: Um grupo da Frente Nacional, o “Banlieues Patriotes”, convidou Camel Bechikh, membro da UOIF (sem cargo dirigente), no final de 2016, para participar num evento. De acordo com Jordan Bardella, líder do grupo, Bechikh também participou, em 2013, num colóquio do Club Idées Nation, fundado por Aliot.

5 – Afirmação: Os franceses “terão o controlo da sua moeda para poderem adaptar a economia de forma a poderem deixar de ter um desemprego massivo”, garantiu Marine Le Pen, sobre o seu projeto para a Europa.

Veredito: É discutível.

Explicação: Desde que se aliou a Nicolas Dupont-Aignan (putativo candidato a primeiro-ministro), a candidata diz que a saída do euro “não é um pré-requisito para qualquer política económica”. Sem a França sair do euro, 70% do programa não é sequer aplicável, ela própria reconhece. Por outro lado, ela não defende um abandono do euro mas uma mudança para uma moeda comum. Nesse caso, Le Pen manteria uma cooperação europeia e não deteria o controlo total da sua moeda, ao contrário do que defende. Não poderia por isso “adaptar o euro para evitar o desemprego massivo”.

6 – Afirmação: Marine Le Pen diz que “entre 1993 e 2002 as maiores empresas francesas puderam pagar em euros”, para defender a ideia de um regresso ao franco mas com a manutenção do euro como moeda comum mas não única.

Veredito: Errado.

Explicação: Realmente, o euro foi primeiro introduzido na sua forma imaterial e só depois na fiduciária. Mas foi em janeiro de 1999 — não em 1993. As duas moedas (o franco e o euro) coexistiram apenas entre 1999 e 2002, durante a transição das moedas nacionais para aquela que é hoje a moeda única dos países que fazem parte da zona Euro. Durante essa fase de transição foram fixadas taxas de câmbio. Le Pen também se refere ao ECU, que existiu na Europa entre 1979 e 1998. Mas o ECU não foi uma moeda, só uma ferramenta bancária. Os bancos centrais faziam transações nesta unidade, mais estável do que as moedas nacionais, mas os privados praticamente nunca transacionaram em ECU, ao contrário do que Le Pen afirma.

7 – Afirmação: Marine Le Pen diz que “as poupanças francesas estão em risco” por causa da “lei da união bancária”.

Veredito: É enganador.

Explicação: A lei prevê a possibilidade de os depósitos dos clientes poderem ser utilizados para salvar os bancos em caso de crise. Mas existe uma garantia para os depósitos até 100 mil euros. Só investidores com quantias iguais ou acima deste valor podem ser ameaçados. Se um banco estiver em risco de falência, as perdas serão primeiro assumidas pelos acionistas, depois pelos credores, incluindo os grandes depositantes, acima dos 100 mil euros, o que faz com que efetivamente quase todos os contribuintes franceses estejam seguros.

8 – Afirmação: Para enfatizar as consequências positivas de sair da União Europeia, Marine Le Pen deu o Brexit como exemplo e disse que “a economia britânica nunca esteve tão bem como desde que os britânicos decidiram recuperar a sua liberdade”.

Veredito: É enganador.

Explicação: A economia do Reino Unido está realmente bastante bem neste momento, com um crescimento de 2% no PIB em 2016 e o aumento do consumo. Mas isso não tem é nada a ver com o Brexit. O referendo foi em junho e o artigo de saída da UE só foi ativado oficialmente a 29 de março de 2017, dando então início às negociações entre o Reino Unido e a UE. Na prática, o Brexit ainda não se verificou.

9 – Afirmação: “A pena dupla foi abolida há alguns anos”, disse Le Pen.

Veredito: Errado.

Explicação: A “pena dupla” é o princípio de determina que cidadãos estrangeiros condenados em França, depois de cumprirem as respetivas pena de prisão, devem regressar aos países de origem. O princípio foi criticado por Nicolas Sarkozy, que prometeu revogá-lo, já antes de 2007. Ao contrário do que Le Pen diz, a pena dupla nunca foi abolida — só ganhou algumas exceções.

As mentiras, segundo o Le Figaro

Menos exaustivo, o Le Figaro identificou sete mentiras apenas ao longo do debate, cinco de Marine Le Pen, duas de Emmanuel Macron. Salientamos duas, uma de cada.

  • “Você pode escolher os seus jornalistas, eu não”, disse Le Pen a Macron. “Não fui eu que recusei um jornalista neste debate”, retorquiu ele.

É falso diz o Le Figaro: desde as primeiras horas da campanha que a Frente Nacional divulgou listas negras de meios de comunicação que não quer nas suas reuniões públicas. Tornou-se mesmo habitual ver equipas de jornalistas deixadas à porta de eventos do partido de Le Pen.

  • Macron disse que iria criar uma célula antiterrorista em torno do presidente.

É falso. Até porque, na realidade, essa célula já existe. Um coordenador dos serviços de informação franceses trabalha em permanência no Eliseu. Yann Jounot foi nomeado em agosto. É o quinto a ocupar o cargo.