Comecemos este jogo com uma reflexão. Acabou o encontro e o misto de resignação e desânimo (com umas pitadas de irritação à mistura) era evidente. E alguém aqui perto da bancada de imprensa perguntou: “A que propósito um miúdo pequeno quer ser do Sporting?”. Os leões jogavam pela primeira vez em Alvalade de manhã, às 11h45. E o estádio, com lotação esgotada, estava repleto de crianças e mães. Foi histórico. Mas quem fez história foi mesmo o Belenenses, que vinha numa senda muito negativa mas conseguiu escandalizar, vencendo por 3-1. Desde 1955 que os azuis do Restelo não ganhavam ao Sporting fora, algo que nunca acontecera em Alvalade. No antigo e no novo.

Ficha de jogo

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Sporting-Belenenses, 1-3

32.ª jornada da Primeira Liga´

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Bruno Paixão (AF Setúbal)

Sporting: Rui Patrício; Schelotto, Paulo Oliveira, Coates, Marvin Zeegelaar (Francisco Geraldes, 75’); William Carvalho, Adrien Silva, Bruno César, Matheus Pereira (Joel Campbell, 67’); Bryan Ruíz (Castaignos, 67’) e Bas Dost

Treinador: Jorge Jesus

Suplentes não utilizados: Beto, Rúben Semedo, Ricardo Esgaio e João Palhinha

Belenenses: Ventura; Edgar Ié, Dinis Almeida, Gonçalo Silva, Florent; Vítor Gomes, Persson; João Diogo (Benny, 81’), André Sousa, Juanto (Maurides, 57’) e Abel Camará (Mica Pinto, 77’)

Treinador: Domingos Paciência

Suplentes não utilizados: Cristiano, Fábio Nunes, Betinho e Tiago Caeiro

Golos: Bruno César (51’), Abel Camará (65’, g.p.), Dinis Almeida (84’) e Gonçalo Silva (88’)

Ação disciplinar: nada a registar

Desde que foi conhecida a hora deste jogo que andávamos numa luta mental intensa para fugir aos lugares-comuns. Não queríamos, por exemplo, entrar no campo do “talvez por ser de manhã, a equipa entrou a dormir”. Nem recordar a célebre frase de Marco Fortes nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, quando disse que “de manhã é bom é na caminha”. Pedimos desculpa por isso, mas não há volta a dar – o início do jogo foi mesmo assim. E é assim, por isso, que devemos entender os primeiros 25 minutos, onde não se registou uma única oportunidade.

Ou era o passe longo que não entrava, ou era o cruzamento que ia demasiado longo, ou era o adversário que chegava primeiro. De um lado e de outro, com especial enfoque para o Sporting, como seria de esperar. Por isso, muitas vezes lá nos íamos perdendo em trivialidades e fait-divers. Nós e as bancadas, que deram a primeira grande assobiadela quando o árbitro Bruno Paixão cortou, de forma inadvertida, uma saída para o ataque dos leões. E deram uma gargalhada bem sonora quando o juiz setubalense tropeçou em Camará e caiu.

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É diferente o futebol a esta hora, de manhã. Em tudo. Mais tarde daremos conta em reportagem de quais são as principais diferenças entre um jogo entre as 18 e as 21 horas e uma partida com início às 11h45. Agora, centremo-nos apenas no interior do recinto. Por muito que as claques puxem pelas equipas, há um barulho de fundo diferente, mais de converseta com o camarada do lado. E às vezes até se conseguia ouvir o barulho da bola quando batida com mais força. Hoje foi, literalmente, dia de futebol para o menino, para a menina e para a mãe, com o público feminino a marcar presença em força num dia que o Sporting dedicou também às “Mulheres com Garra” e que terá prolongamento à tarde, quando a equipa feminina jogar também no palco principal do clube.

Mas houve mais. Ui, calma! Bruno César veio até zonas centrais do terreno, viu bem a desmarcação de Adrien, arriscou o passe de rutura na diagonal mas o remate do médio passou ao lado da baliza de Ventura (27’). Agora é que vai ser, temos jogo. Ou não. Lá voltou a monotonia e o vazio de ideias…

No início do jogo, Bruno Paixão foi dar um abraço a Jorge Jesus e a Domingos. E, entretanto, os jogadores do Belenenses começam a estender toalhas em cima do banco – o sol que ali bate deve estar mesmo quente. Mais um momento de boa disposição: William tenta o remate mas sai uma rosca que em vez de ir para a baliza acaba por ser uma assistência para Matheus na esquerda. Finta, ganha espaço, cruza, mas a a jogada volta a gorar-se sem perigo. Chega o intervalo. E pela primeira vez, o Sporting não tinha feito um remate enquadrado.

O descanso, um café para acordar ou um sermão de Jesus. Alguma coisa mexeu com os jogadores leoninos ao intervalo, que entraram com outra vontade em campo. Queriam mais, pressionaram mais, correram mais. E, mesmo de forma meio atabalhoada, conseguiram mesmo chegar à vantagem: cruzamento de Bryan Ruíz da esquerda muito chegado à baliza, a bola bateu na trave, desviou de Ventura e Bruno César, de carrinho, encostou para o 1-0 (52′).

Domingos mexeu, lançou Maurides, mas o Belenenses era um vazio autêntico nos últimos 30 metros. Era mesmo preciso uma mãozinha para ajudar o conjunto do Restelo, mentalmente desgastado por tudo o que se passou durante a semana. E esse empurrão acabou por surgir da mão de Matheus, na área, que deu uma grande penalidade para Abel Camará, o mais fustigado de todos, apontar a igualdade (65′). Os festejos disseram tudo. Os adeptos do Sporting não perceberam o poço de emoções que estava ali em ebulição com a camisola 30, mas o avançado não se coibiu de mandar cá para fora a raiva de uma semana onde terá sido apertado pelos adeptos, quando estava com a mulher grávida. Um jogador pode ser melhor ou pior, mas quando lhe tocam na honra… cuidado! E acabou por ser o conjunto verde e branco a pagar a fatura dessa resposta.

Jesus mexeu. E, com isso, nada ganhou. Joel Campbell entrou para o lugar de Matheus Pereira, tudo bem, mas Luc Castaignos passou também para a posição de Bryan Ruíz. Quem se lembra deste avançado holandês no Inter, há um par de anos, não consegue acreditar que se trata do mesmo jogador. Só mesmo o nome é igual, nada mais. E, outra vez, a força voltou a não estar com Luc que, isolado, com o golo à mercê, atirou com tanta força que a bola só acabou na bancada. Ouviam-se os primeiros sinais de desespero. Pelo resultado, que não desatava, e pela realidade nua e crua que explica a má temporada do Sporting: o completo falhanço no ataque ao mercado.

Bas Dost acabou por ser a exceção. Mas, hoje, nem o melhor marcador da Primeira Liga conseguiu fazer a diferença. E seriam os dois elementos que andaram o jogo inteiro apenas preocupados com as movimentações do gigante holandês a provocarem o escândalo em Alvalade. Dinis (84′) e Gonçalo (88′) estiveram uma partida toda a evitar golos na sua baliza. Foram à frente e, como quem não quer a coisa, marcaram na outra baliza. Porque a defesa dos leões, mais uma vez, voltou a ser permissiva. Hoje, ainda mais do que é habitual. E Rui Patrício voltou a encaixar três golos, desta feita em casa, sem que tivesse feito uma única defesa sequer para contar.

Ainda antes do apito final, os adeptos verde e brancos saíram em debandada. Nem o segundo lugar é uma possibilidade, nem Bas Dost será o melhor marcador europeu, nem os leões conseguem arrancar uma exibição de encher o olho. Ficaram os mais novos, sobretudo. E voltamos à interrogação que ouvimos e reproduzimos no início do texto: “A que propósito um miúdo pequeno quer ser do Sporting?”. Se calhar é complicado de explicar, mas eles existem e são muitos. Muitos mesmo. Mas por convicção, não pelas conquistas desportivas. Que, mais uma vez, voltaram a andar arredadas de Alvalade.