O nascimento do filho de Alice Vieira estava por semanas. Não faltava mais de um mês. Mas a jornalista nunca tinha perdido uma festa de Santo António e não seria aquela a vez. Nesse tempo, como agora, as ruas da capital encheram-se de gente. Música a sair de cada beco, copos na mão, alguns empurrões. Lisboa tinha saído à rua.

“Mas, de repente, começou aquilo tudo”. Gente a mais, espaço a menos para uma grávida. Um encosto mais forte quase a deitou ao chão. Valeram-lhe os braços — uns braços quaisquer, no meio da confusão nem sabia quem ali estava — que a agarraram e a levaram dali. “Só me lembro de ser puxada para um vão de escada, primeiro, e dali entrar para uma casa, sem nunca perceber quem me estava a puxar”, recorda Alice Vieira ao Observador.

A salvo, conseguiu, finalmente, virar-se. Era Batista Bastos, o jornalista que morava, ao tempo, em Alfama. “Foi uma tolice, visto a esta distância”, diz Alice Vieira. “Ele salvou-me a vida”, garante a escritora.

Nunca partilharam a mesma redação. “Um grande entrevistador, é essa a imagem que fica” para a memória futura, considera Alice Vieira. Também a imagem de “uma pessoa que utilizava a língua portuguesa como ninguém”. Não se cruzavam há algum tempo. “Há sempre tanta coisa para fazer, e uma pessoa pensa que os amigos são eternos”, desabada a escritora.

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Já com Mário Zambujal Baptista Bastos partilha as memórias de uma geração que pôde viver o jornalismo no coração da cidade de Lisboa. O Bairro Alto, rua Luz Soriano, casa do Diário Popular (agora casa do Observador) de Bastos e do Diário de Lisboa de Zambujal. Tinham dois anos de diferença. Cruzaram-se inúmeras vezes, com as redações separadas por 50 metros.

E até há um ano continuaram a juntar-se regularmente para uma tertúlia em que também participavam Mário Ventura Henriques, Fernando Dacosta, Eugénio Alves, Vítor Bandarra. Chamaram-lhe “Os empatados da vida”. Porquê a escolha? “O nome significava que não éramos vencedores, mas vencidos também não éramos”, confessa Zambujal, divertido.

Os encontros serviam para pôr “a escrita em dia”, diz o escritor e antigo jornalista — como Baptista Bastos. Mas faziam mais.

Desde falar-se muito de mulheres a apreciar os vinhos, aproveitávamos o lado lúdico da vida, analisavam-se os assuntos da atualidade e as raízes distantes em que a atualidade mergulha”.

Recuavam décadas na memória para voltar sempre aos dias de hoje. “O Baptista Bastos era um bebedor da vida, tinha um grande gosto de viver, uma alegria natural”. Era apaixonado por Lisboa. E foi sempre respeitado. De sentido político vincado — homem de esquerda –, foi sempre respeitado, garante Zambujal. Mesmo por aqueles de quem estava mais distante. “Mesmo com aqueles com que entrou em polémicas com quem teve trocas mais azedas de argumentos, podiam não estar de acordo, mas todos o admiravam”.