A neutralidade fiscal nos combustíveis, prometida pelo Governo, e não cumprida segundo o PSD e o CDS, dominou a audição do ministro-adjunto e do secretário do Estado dos Assuntos Fiscais em comissão parlamentar esta terça-feira.

O PSD, pela voz do deputado António Costa Silva, acusou mesmo o Executivo de praticar “o maior saque fiscal” no imposto sobre os combustíveis, o que provocou risos na bancada socialista e comparações com o “enorme aumento de impostos”, anunciado por Vítor Gaspar em 2013 durante a governação do PSD/CDS. Já Pedro Mota Soares do CDS concluiu que a neutralidade fiscal, na redefinição do Governo, “significa mais 250 milhões nos bolsos do Estado.”

O ponto de partida para esta dupla audição ao ministro Eduardo Cabrita e a secretário de Estado, Fernando Rocha Andrade, pedida pelo PSD e CDS, era o relatório elaborado pelos técnicos do Parlamento que aponta para um acréscimo da receita do imposto sobre os produtos petrolíferos cobrado no ano passado, muito superior à perda de receita no IVA dos combustíveis.

Estado cobrou mais em imposto petrolífero do que perdeu em IVA e ganhou 250 milhões

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O deputado centrista, Pedro Mota Soares, recorreu ao relatório da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) para sustentar que o Governo falhou na promessa da neutralidade fiscal sobre os combustíveis, feita pelo ministro das Finanças, pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e até pelo primeiro-ministro, António Costa.

A tese da neutralidade fiscal foi usada para justificar o aumento de cinco cêntimos por litro no imposto sobre os combustíveis no ano passado. Esta subida do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos) teria como principal finalidade compensar a perda de receita no IVA que estava a ser sentida desde 2015, em consequência da descida do petróleo e dos preços dos combustíveis. Para suavizar o impacto do maior aumento de impostos, decidido pelo Executivo de António Costa, foi assumido o compromisso de rever o ISP em baixa quando a subida dos preços permitisse ao Estado compensar a perda com mais cobrança de IVA.

Governo lembra que foi o único a baixar imposto depois de subir

Para o ministro-adjunto, foi a primeira vez que um Governo cumpriu este compromisso. Eduardo Cabrita lembra que o ISP do gasóleo baixou dois cêntimos no ano passado, uma medida praticamente inédita na política fiscal recente. Mas o Governo resolveu suspender a aplicação da revisão trimestral do ISP este ano, fechando a porta a eventuais novas descidas do imposto, argumentando que o compromisso só valia para 2016.

Apesar dos preços finais terem baixado em 2016, o relatório elaborado pelos técnicos do Parlamento mostra que o crescimento na receita do imposto petrolífero foi muito superior à queda de receita no IVA dos combustíveis, o que resultou numa diferença positiva para o Estado da ordem dos 250 milhões de euros. “O saldo desta medida é tudo menos neutro, porque serviu para o Estado ir além da receita que perdeu no IVA”, afirmou Mota Soares.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais aproveitou a oportunidade para voltar a esclarecer o que quer dizer, do seu ponto de vista, a expressão neutralidade fiscal. Ainda que Rocha Andrade desconfie que o deputado do CDS não quer compreender porque lhe estraga o raciocínio. A neutralidade prometida tem apenas que ver com as revisões periódicas do imposto petrolífero em 2016 e a previsão de receita fiscal para esse ano, realça.

Não sei em que momento é que não ficou claro que a neutralidade fiscal se referia apenas a este mecanismo de revisão trimestral do imposto. O relatório da UTAO prova que quando o preço dos combustíveis baixa, a receita do IVA cai. Se não tivéssemos aumentado o imposto, teríamos perdido mais”.

O governante espera que a fim de 500 dias e várias explicações, os deputados da oposição finalmente compreendam.

O maior “saque fiscal” e o enorme aumento de impostos

Pelos vistos não, António Costa Silva do PSD volta ao tema e cita outra vez os números da UTAO, sublinhando que a “Matemática não engana”. E acusa o Governo de, com esta medida, ter levado a cabo o “maior saque fiscal”, num contexto de liberdade na política económica, fora das restrições da troika.

A expressão provoca risos do deputado socialista João Galamba. O Bruno Dias afirma que chamar à subida do imposto petrolífero “o maior saque fiscal da história é a frase do mês“. O deputado comunista cita números do aumento da cobrança de impostos, aplicada pelo anterior Governo. E sublinha que esse aumento da carga fiscal não se limitou aos rendimentos do trabalho (IRS), lembrando a reforma da fiscalidade verde introduzida em 2015 que também fez subir o imposto sobre os combustíveis.

Na resposta, o ministro Adjunto manifesta o seu respeito “pelo difícil papel que está a representar (o deputado do PSD). Vítor Gaspar não mentia quando falava em enorme aumento de impostos histórico sobre os rendimentos do trabalho”.

Margarida Balseiro Lopes do PSD volta à análise dos técnicos independente do Parlamento, que aponta para um aumento do peso médio dos impostos no preço final de combustíveis. Mota Soares também volta a carga e diz que Eduardo Cabrita “tem uma relação breve e descontinuada com a realidade”, quando aponta para a baixa do preço pago pelos automobilistas em 2016. Afinal o preço médio antes de imposto baixou entre 16% a 17%, mas o preço vendido na bomba baixou apenas 4% (uma diferença que em parte é explicada pelo elevado peso dos impostos no preço, como explicou Bruno Dias).

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O deputado do CDS volta a citar explicações dadas por João Galamba há cerca de um ano, nas quais o deputado socialista terá dito que o aumento do imposto sobre produtos petrolíferos foi calibrado para os preços ficarem abaixo dos verificados no início de 2016, o que atualmente não se verifica.

Para Mota Soares, o Governo “demorou mais de 500 dias a encontrar uma nova fórmula de neutralidade”. Para o deputado do CDS, neutralidade significa que os contribuintes não pagam mais, nem o Estado cobra mais. Na definição do Executivo, “neutralidade fiscal significa mais 250 milhões no bolso do Estado.”