Um debate quinzenal muito temático, com um momento caricato de campanha eleitoral autárquica. Assunção Cristas criticou o anúncio do Governo de criar até 2021 duas novas estações ao metro de Lisboa — Estrela e Santos — e anunciou querer nada menos do que 20 novas estações. Só não disse como, mas está lançado o tema. De resto, emprego, desemprego, dívida, investimento e médicos marcaram a discussão. Costa admitiu a Jerónimo de Sousa a hipótese de estudar uma derrama estadual para as empresa com maiores lucros. No dia em que o INE divulgou os dados da taxa de desemprego do primeiro trimestre do ano, o valor mais baixo dos últimos oito anos, PS e Governo procuraram cavalgar a onda. Mas a direita fugiu para a falta de investimento na Saúde e para a dívida pública, e a esquerda voltou a erguer a bandeira da precariedade laboral.

Campanha autárquica invade Parlamento. Cristas quer 20 novas estações de metro

Campanha a metro na bancada do CDS. Não é a primeira vez que a líder do CDS aproveita os embates na Assembleia da República com o primeiro-ministro para piscar o olho ao eleitorado da capital. Esta quarta-feira, Assunção Cristas revelou, no plenário, a maior proposta dentro da grande bandeira que os democratas-cristãos erguem para tentar “roubar” a câmara ao PS: 20 novas estações para o Metro de Lisboa.

Foi assim, de repente, sem qualquer anúncio prévio – ainda que se tivesse chegado a pensar fazer o anúncio em conferência de imprensa –, que o CDS deixou cair a bomba eleitoral. No intervalo do confronto com António Costa, Cristas não perdeu tempo a avançar grandes detalhes.

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Ou há rasgo, horizonte e ambição para o metro de Lisboa ou os problemas da área metropolitana não se vão resolver (… ) A nossa proposta são 20 novas estações para o metro de Lisboa e espero que possam ser estudadas, planeadas, financiadas e tratadas”, limitou-se a dizer a presidente do CDS.

O ex-presidente da câmara fala para a ex-ministra. Surpreendido pelo “momento de campanha eleitoral” de Cristas no palco da Assembleia da República, António Costa disparou: não foi “muito leal” ter aproveitado a ausência da candidata do PSD – Teresa Leal Coelho, a braços com trabalhos da Comissão de Orçamento e Finanças, justificou mais tarde a deputada – para fazer o anúncio.

E fez mais: lembrou a Cristas que, no período de vida do anterior Governo, o Metro de Lisboa perdeu um número recorde de utentes. “100 milhões é o número de passageiros que o Metro e a Carris perderam na cidade de Lisboa enquanto foi ministra. E como bem se recorda não era só ministra da Agricultura e do Mar, em grande parte do seu mandato foi também ministra das Cidades”, respondeu o primeiro-ministro.

Dívida e Banco de Portugal. Reservas ou provisões?

Os gurus de Costa, Louçã e Galamba. Foi Luís Montenegro, do PSD, quem puxou primeiro pelo tema da dívida, e do relatório saído do grupo de trabalho entre PS e BE, no qual o Governo participou mas ao qual não se quis vincular. Ironizando com os “gurus” do Governo nesta matéria da dívida, o líder parlamentar do PSD questionou o primeiro-ministro se já tinha tido “tempo para falar com os seus gurus Francisco Louçã e João Galamba” para perceber se afinal o Governo vai ou não “deitar a mão às reservas do Banco de Portugal” para compor as finanças públicas.

O guru António dá explicações. Mas Costa viria a dizer-se perplexo pela confusão de termos que Luís Montenegro estaria a fazer entre “reservas” do banco e “provisões”. Disse que não estava em cima da mesa nenhuma proposta para diminuir as reservas, antes pelo contrário, “até se propõe aumentar as reservas do Banco de Portugal”. “O que se constatou é que a política do Banco de Portugal era mais conservadora” relativamente à distribuição de dividendos aos acionistas, disse o primeiro-ministro, acusando o PSD de “demagogia chocante” nesta matéria. E explicou: o Banco de Portugal alterou o seu critério de provisões, e no OE 2017 já estava até inscrito um aumento das receitas dos dividendos do Estado.

A guru Catrina também explica. Também Catarina Martins, BE, sairia em defesa do Governo nesta matéria. “As reservas do Banco de Portugal são dinheiro que o Banco de Portugal tem, os proveitos do Banco de Portugal são os lucros que faz com a dívida pública do nosso país, é dinheiro que nos é tirado”, disse a coordenadora bloquista, afirmando que é pela recuperação desse “dinheiro nosso” que o BE se bate. “Tentar misturar as questões para levantar medos nas pessoas pode ajudar um PSD sem discurso político, mas não ajuda o país”, acrescentou.

Os gurus do PCP são outros. Do lado do PCP, que esteve à margem do grupo de trabalho da dívida (entre PS e BE), Jerónimo de Sousa quis marcar posição e lembrou que é por iniciativa dos comunistas que a Assembleia da República vai discutir a questão da dívida, numa oportunidade transparente de cada um defender o interesse nacional. É que o PCP não fez parte daquele grupo de trabalho, entre dois partidos — à margem do Parlamento enquanto instituição –, mas propôs a criação de um grupo de trabalho sobre a dívida no âmbito da comissão parlamentar de orçamento e finanças. E o PS aceitou. Ou seja, será um grupo de trabalho com a presença de todos os grupos parlamentares e com funcionamento institucional.

Mais emprego e menos desemprego. Quem é o pai da criança?

A força dos números. Foi o tema de abertura do debate, com António Costa a aproveitar a boleia dos dados divulgados pelo INE para puxar dos galões. “Não vale a pena discutir o que é indiscutível”, disse Costa, afirmando que foi “a maior criação de emprego líquida desde 1998”. E nem vale a pena o PSD dizer que o mérito é seu porque, disse Costa, “provámos que tivemos maior criação de emprego, aumentámos o salário mínimo nacional, aumentámos os direitos dos trabalhadores e, com isso tivemos menos défice, mais exportações, maior criação de emprego”. E tudo sem o modelo antigo dos “baixos salários”.

Os louros e a vergonha. Mas Luís Montenegro, PSD, contestou logo esta visão. Se “os números são bons, se há capacidade de a economia criar emprego”, então há que perceber por que é que isso acontece, disse, atribuindo os louros à reforma laboral levada a cabo pelo anterior Governo PSD/CDS. E aqueles que eram contra a reforma laboral hoje “deviam corar de vergonha”, disse.

Uma questão de ritmo. Ou seja, todos concordam que os números são bons, resta saber de quem é o mérito. Também Assunção Cristas, líder do CDS, mostrou satisfação pela descida do desemprego, mas não deixou de afirmar que o ritmo de progressão foi mais intenso em anos anteriores. E foi munida de cartazes com gráficos para mostrar que, “de facto, no passado recente [a diminuição do desemprego] até foi de um ritmo mais acelerado que agora”.

Na resposta, Costa gracejou: não trouxe quadros mas tenho aqui uma fotografia sua [mostrou uma imagem no telemóvel] a dizer que havia menos 17 mil postos de trabalho, mas há mais 150 mil postos de trabalho”. O primeiro-ministro garantiu que o Governo não vai mexer na legislação laboral.

Caixa Geral de Depósitos. Costa garante que não há despedimentos

Os balcões, outra vez. O PCP foi o partido que mais expressou as suas preocupações sobre este tema: “O Governo não vai fazer nada para reverter o encerramento de balcões?”, perguntou Jerónimo de Sousa. O caso mais gritante é o de Almeida, na Guarda, que passa agora a ser o único concelho sem balcão da CGD. “Não é possível melhor serviço público com menos balcões. O problema repete-se por esse interior fora, com o encerramento de agências onde as pessoas mais precisam delas”, disse o secretário-geral comunista, perguntando se o Governo acompanhava essas preocupações e se pensava dar um passo atrás.

Sem despedimentos. António Costa respondeu com três garantias e um ponto de discórdia: primeiro, a CGD ficará “100% pública”, depois, o plano de reestruturação passa por garantir que “em todos os municípios existe pelo menos um balcão”, sendo que a seleção irá assentar em critérios como o número de habitantes do município e o movimento habitual que aquele balcão regista. Terceira garantia: “Não haverá despedimentos nem redução de postos de trabalho derivados do encerramento de balcões”. A única maneira de reduzir o número de trabalhadores da CGD será através de reformas e rescisões amigáveis. Houve apenas um ponto de discórdia entre o Governo e o PCP neste tema: Costa não acompanha Jerónimo na questão de o Governo se dever pronunciar sobre decisões da administração da Caixa. Para Costa, não cabe ao Governo “intervir em cada decisão casuística” mas apenas aprovar as grandes orientações do banco enquanto representante do acionista Estado.

Saúde. Greves são para respeitar, diálogo segue depois

A dívida na saúde. Começou por ser o PSD a atacar a falta de investimento do Governo na Saúde. “A instabilidade está instalada no Serviço Nacional de Saúde, a dívida cresceu 30 milhões de euros ao dia em 2016 e já cresce 45 milhões ao dia em 2017, a dívida aos laboratórios cresceu 1 milhão por dia em 2016”, começou por apontar o líder parlamentar do PSD, atacando a “política de desinvestimento do Governo”. “Está a ver no que dá conseguir défices à custa de cortes cegos e desinvestimento público? É este o seu modelo de serviço nacional de saúde? Desinvestimento, cortes e piores serviços?”, perguntou Montenegro, acusando o Governo de ter dificuldades em lidar com a reposição das 35 horas semanais na saúde.

Nem com todo o otimismo do mundo. O “otimista” assumido, António Costa, depressa chutou para o Governo anterior. “Era impossível que as pessoas não estivessem descontentes depois de tudo o que aconteceu nos últimos quatro anos. Sou um grande otimista e nem eu acreditava que era possível repor num ano o que foi retirado em quatro anos”, disse para início de conversa. Mas depois congratulou-se com os avanços que diz estarem a ser feitos ao nível da saúde: reversão das taxas moderadoras e do desinvestimento em pessoal, com a contratação em 2016 de 4 mil pessoas, entre médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico — “a maior contratação de sempre”.

António Costa admitiu, ainda assim, que a alteração dos horários semanais dos profissionais de saúde (com o regresso às 35 horas) criou uma “pressão brutal sobre as Finanças”.

O silêncio dos responsáveis. Catarina Martins, BE, também falou no tema para estranhar o silêncio do ministro da Saúde em dia de greve dos médicos. Mas para isso Costa tinha uma resposta pronta: “A greve é um direito” e, por isso, o Governo está em silêncio até que a mesma tenha passado. “Há é um processo negocial que está em curso e que retomaremos assim que a greve terminar”, disse.

Aumentar a derrama estadual para empresas com lucros elevados? Costa admite que sim

Foi a única novidade que ficou do debate. Jerónimo de Sousa perguntou qual era a posição do Governo sobre a hipótese de aumentar a derrama estadual para empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros — no sentido de pôr as empresas com maiores lucros a contribuíram mais fiscalmente — e o primeiro-ministro mostrou-se recetivo admitindo considerar essa hipótese. Dizendo que era preciso prosseguir “o combate por uma maior justiça fiscal”, Costa garantiu ao PCP que o Governo vai “considerar todas as propostas”, incluindo a do eventual aumento da derrama para empresas com lucros mais elevados.