Não é que não queiramos. Mas há dias em que a “a incompreensibilidade do universo” (citando aqui Bernardo Soares e o “Livro do Desassossego”) não o permite: a noite foi mal dormida, o despertador não desperta — e despertando, fazemos-lhe ouvidos moucos, tocando mecanicamente no snooze), aceleramos qual Juan Manuel Fangio estrada fora, o trânsito vai começando a adensar-se, o Fangio vira “domingueiro”, os sinais luminosos conspiram contra nós e apanhamo-los em tom de encarnado um por um, um lugar onde estacionar não há e atrasamo-nos. Tudo isto é uma insofismável verdade. Mas talvez não se aplique a um domingo pela tardinha no estádio no Dragão.

Quem não foi — e na bancada vislumbravam-se mais clareiras do que cadeiras com adeptos portistas nelas sentados –, só não foi porque não quis ir, ponto. Afinal, o FC Porto não tem mais pelo que lutar: o título está entregue ao Benfica e o segundo lugar, aquele que dá acesso direto à Liga dos Campeões, está entregue aos portistas depois da derrota do Sporting com o Feirense no sábado. Ainda assim, se adeptos houve que foram condicionados na chegada ao jogo pela tal “incompreensibilidade do universo” — ou tão somente porque resolveram “picar” uma bifana e uma imperial nas roulotes em redor do estádio e por lá ficaram na “palheta” –, não perderam nada. Sobre a primeira meia-hora, apenas um adjetivo que a qualifica: sofrível. O mexicano Corona era o dono da bola e mais ninguém tocava na “menina” — nem aparentava ter muita vontade de tocar. Quanto a remates com a direção da baliza, nem um que soltasse uma brrruaaaaa aos bocejantes adeptos.

Siga a marinha.

Um minuto, um preciso minuto após a meia-hora, o Paços de Ferreira sai veloz em contra-ataque a jogar pela esquerda, Diego Medeiros cruza para a entrada da área, Andrézinho recebe a bola sozinho e de costas para a baliza, tem espaço e tempo de sobra para rodar e, depois de rodar, rematar à baliza. O remate é fraco e rasteiro, é certo, dir-se-ia condenado ao insucesso, mas desvia caprichosamente em Luiz Phellype e, devagar, devagarinho, segue para a baliza, com Casillas traído e sem reação.

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Foi o toque a reunir no ego portista – ou no que resta dele ainda esta época. Aos 35’, Herrera conduz a bola meio-campo fora, entrega-a à direita em Corona e corre em direção à área e ao primeiro poste. Entre compadres mexicanos, Corona cruza de pronto para lá, um cruzamento “redondinho”, que Herrera desviaria depois para a baliza, com Felgueiras ainda a defender a bola para o poste, mas sem evitar que esta entrasse na baliza. É certo que não é isso que a Herrera se pede, mas o médio portista não “molhava a sopa” desde a primeira jornada.

Logo em seguida, aos 39’, a reviravolta: penálti no Dragão, apita de pronto Artur Soares Dias. Bruno Santos empurrou Brahimi pelas costas no interior da área. Na conversão, é o próprio Brahimi quem se chega à frente para bater, o remate é displicente e com pouca força, Felgueiras adivinha o lado, o esquerdo, defende, mas azarado vê a bola ressaltar-lhe da luva direita para as costas e entrar na baliza.

A displicência do remate é sintomática da exibição e época do argelino. Esta tarde (como em outras tardes e noites passadas) fica sempre a ideia que o futebol para ele não deveria ter óxido de cálcio, vulgo “cal”: se retirassem as marcações ao relvado, Brahimi sairia em dribles e mais dribles do estádio, contornaria transeuntes cidade do Porto adentro, só parando para os lados de Ramalde ou de Santo Ildefonso, vagueando sem direção e desatento, até que, por fim de tanto driblar em vão, ergue a cabeça (coisa que raramente faz) e percebe que nem é mais a bola que dribla mas o próprio ar, pois alguém (como sempre ou quase sempre sucede no jogo) lha tirou.

Ao intervalo, Nuno deixaria Corona (que até foi o menos mau do FC Porto na primeira parte) no balneário e fez entrar Jota. E acertou: aos 47′, Maxi fez um lançamento para Herrera, este desmarcou (pasme-se: num passe de bicicleta!) Jota nas costas da defesa do Paços, um toque para controlar, dois para ajeitar a bola e, ao terceiro, Jota remataria para o 3-1.

Quem também entrou na segunda parte foi André Silva. E entrou, elogie-se, com vontade de voltar aos golos nove jogos depois do último, marcado na noite do 7-0 ao despromovido Nacional.

Sessenta e nove minutos. Herrera engonhava. Em frente da baliza, com a dita mesmo à mercê, engonhava. E perderia a bola, claro. André Silva assistiu a tudo — enquanto pedia (suplicava mesmo, esbracejando) a bola ao mexicano, que nunca lhe entregaria. Depois, André recuou, correu até Andrézinho (que havia surripiado Herrera), recuperaria a bola, voltou-se, olhou para a baliza, chutou, a bola ressaltaria em Miguel Vieira e quase traiu Felgueiras, que desviou para canto. Mais e melhor do que Soares já conseguiu; o brasileiro deu-lhe a vez quando contabilizava zero remates à baliza e muitos passes errados: sete em quinze.

Perto do final, aos 89’, mais um penálti a favor do FC Porto: Vasco Rocha puxa e derruba Jota. Era a oportunidade para André Silva chegar aos vigésimo primeiro golo na época. Corre até à bola em ligeiros pulinhos sobre o relvado e, sem delongas nem “paradinhas”, chuta forte para a esquerda, Felgueiras ainda se atira para lá, mas quando chega já a bola havia entrado: 4-1.

A época ainda não terminou, o FC Porto ainda jogará em Moreira de Cónegos para a semana, mas do Dragão é a despedida. É certo que com golos, mas apenas com sessenta minutos de jogo – a outra meia-hora, a primeira, foi para os pardais. Alguém viu o Brahimi em Santo Ildefonso? Digam-lhe que o jogo terminou e pode voltar.