Pouco importa que Donald Trump garanta que não divulgou a fonte da informação que partilhou durante a semana passada com o ministro dos Negócios Estrangeiros e o embaixador russo (entretanto já se soube que o material classificado que passou a Sergey Lavrov e Sergey Kislyak veio de Israel).

Também não é muito importante que o general H.R. McMaster, o seu conselheiro para a Segurança Interna, desvalorize a questão, dizendo que o Presidente nem sequer sabia de onde vinha a inteligência que partilhou, portanto nunca poderia comprometer a sua origem.

De acordo com inúmeros especialistas, o que está em questão é muito mais do que isso. Até porque, como explicou ao New York Times John Sipher, veterano da CIA que serviu em Moscovo nos nos 1990 e que, mais tarde, geriu o programa russo da agência norte-americana, os russos não precisam que lhes digam de onde vem uma informação, só de ter acesso a ela para perceberem qual a sua origem.

“Os russos têm o maior sistema de recolha e coleção de informação do mundo, à exceção do nosso. A partir de uns quantos detalhes podem construir um cenário bem completo. Podem casar os comentários do presidente Trump com a sua própria inteligência, e com a inteligência dos seus aliados. Também podem empregar recursos adicionais para descobrir outras coisas”, disse Sipher, 28 anos na CIA.

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Para uma série de especialistas, ouvidos por vários meios de comunicação norte-americanos, esta crise é apenas mais uma evidência de que Donald Trump não tem capacidades para estar à frente dos destinos dos Estados Unidos da América. Em causa está a alegada partilha de material confidencial com os russos sobre um potencial plano em curso do ISIS para fazer explodir aviões com micro-bombas colocadas em computadores portáteis. “Recebo informação ótima. Tenho pessoas a ‘briefar-me’ com ótimas informações todos os dias”, escreveu o Washington Post que Donald Trump disse durante a referida reunião.

Elizabetth Goitein, analista de segurança nacional, alertou para o perigo que correm agora os agentes no terreno responsáveis pela informação passada aos russos. “Dependendo do que for necessário para deduzir quem foi a fonte, é certamente possível que que uma ou mais pessoas corram sérios riscos de vida neste momento.”

Apesar de garantir que, por sua vez, Donald Trump não corre qualquer risco de impeachment ou acusação criminal, porque faz parte das competências do Presidente dos Estados Unidos “desclassificar informação”, Alan Dershowitz, professor emérito na Universidade de Harvard, na CNN, disse que a situação não deve de todo ser desvalorizada: “Esta é a acusação mais grave alguma vez feita a um presidente dos Estados Unidos em funções. Não podemos subestimar isto”.

Bob Baer, ex-agente da CIA, também à CNN, contextualizou o que aconteceu à luz das regras do jogo dos serviços secretos, ainda antes de se saber que a informação em questão tinha sido disponibilizada por Israel. “Ao revelá-la aos russos, o Presidente perdeu o controlo desta informação. Que agora vai ser partilhada com os sírios e com os iranianos — aliados da Rússia. A capacidade de proteger a fonte, seja ela qual for, esteja ela onde estiver, foi seriamente comprometida… Se um agente da CIA tivesse revelado informações deste género aos russos, teria sido automaticamente despedido.”

O congressista democrata Adam Schiff, citado pelo New York Times, alertou para a possibilidade de este episódio “secar” as fontes de informação classificada até agora ao dispor dos Estados Unidos. Dizendo que qualquer país que as partilhe com os agentes norte-americanos “pode decidir que já não confia nos Estados Unidos para isso, ou pior, que já não confia no Presidente dos Estados Unidos para lhe dar informações”. “Só posso esperar que alguém explique ao Presidente o que significa proteger informações e por que e que isto que aconteceu é, em última análise, tão perigoso para o nosso país”, completou.

“Estamos a ver os resultados de ele ser um pouco indisciplinado, impulsivo, instintivo e intuitivo, de ter pouca paciência para se preparar e para fazer as coisas de acordo com os respetivos processos. Quando ele foge ao guião como fez agora torna-se especialmente auto-destrutivo”, disse Michael Hayden, antigo diretor da CIA à CNN. Leon Panetta, que também ocupou o cargo e foi Secretário da Defesa na administração Obama, assinou por baixo.

“O Presidente dos Estados Unidos não pode fazer ou dizer aquilo que bem entender. Isso é só ser irresponsável. É preciso haver pessoas que se sentem com o presidente antes de ele ir para as reuniões e que lhe digam ‘estas são as linhas que não pode cruzar porque põem em causa a segurança do nosso país”, disse Panetta.

O senador republicano Bob Corker, figura respeitável e respeitada no Capitólio e no partido, também se manifestou contra a administração Trump. “Neste momento eles estão numa espiral descendente e têm de descobrir uma forma de lidar com tudo o que está a acontecer. O caos que a ausência de disciplina está a gerar está, por sua vez, a criar um ambiente, a meu ver, preocupante.”

Não deixa de ser irónico que, durante a campanha eleitoral, Donald Trump tenha sido particularmente insistente nas críticas que fez a Hillary Clinton, por ela ter alegadamente enviado informação classificada a partir da sua conta pessoal de email. Até ao momento, a democrata ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto.