Passam três minutos depois das 11h30 quando chegamos à Cervejaria Ribadouro, plantada no coração da capital, na Avenida da Liberdade — uma casa de portas abertas desde 1947. Lá dentro espera-nos um workshop sobre marisco, dado por dois marisqueiros com 30 anos de casa: Alberto Mota e Manuel Almeida arregaçam as mangas e afinam o discurso perante uma dezena de jornalistas. A dupla tem uma hora e meia para apresentar diversas espécies de marisco, bem como explicar o trajeto destas do mar à mesa.

À medida que uma conversa cheia de dicas úteis prossegue, diante dos nossos olhos passam facas e pinças afiadas. Numa sala de aula improvisada ficámos a saber, por exemplo, que as ostras se comem vivas e que não vale a pena comprar sapateiras esbranquiçadas. Tome nota desses e de outros conselhos e transforme-se num marisqueiro de primeira.

Ostra

Sabe a mar e é comida viva — à exceção de quando é cozinhada. A ostra, dizem-nos os professores de serviço, é um dos mariscos mais perigosos tendo em conta o seu habitat natural, cujas toxinas são capazes de, na falta de cuidado, provocar intoxicações alimentares. A ostra deve ser sempre aberta no momento de consumo e, estando fechada, aguenta até sete dias após ter sido apanhada. Caso se depare com uma ostra aberta, e o seu conteúdo esteja seco, é porque a mesma está imprópria para consumo. De referir que a ostra deve ser aberta com uma faca própria, sendo que a mão que fica a segurar a concha tem de estar coberta por uma luva de malha de aço, não vá a ponta curta mas afiada falhar o alvo.

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Na Cervejaria Ribadouro, a ostra é oriunda da costa nacional, nomeadamente das Rias de Aveiro, Alvor e Formosa e ainda do estuário do Tejo. No restaurante que faz chegar à mesa 40 a 50 quilos de ostras por semana, só aconteceu uma vez — nos 30 anos de carreira de Alberto Mota — um cliente ter descoberto uma pérola. Coisa rara, essa.

A ostra deve ser sempre comida viva. © iStock/Lisovskaya

Sapateira

A sapateira deve ir para a panela estando já “mortiça”, mas não pode chegar nesse estado ao restaurante. Passamos a explicar: Alberto Mota pega numa sapateira viva — e de pinças agitadas — para mostrar que, caso esta consiga “fixar as pernas” (isto é, se as pernas não estiverem “bambas”), é porque o crustáceo está bom e recomenda-se. Nessa lógica, ao invés de serem devolvidas ao fornecedor, as sapateiras seguem viagem para o tanque. Mais tarde, e antes de serem cozidas, são colocadas em água tépida e só depois seguem para a panela com água a ferver. Falando de uma sapateira de um quilo, por exemplo, esta deverá ser cozinhada durante cerca de 10 minutos. Acrescente-se que, embora haja diferenças físicas entre uma sapateira macho e fémea — com a última a ter uma barriga mais saliente e rosada –, o sabor de ambas é idêntico.

Mas como saber se uma sapateira está boa para levar para casa? Basta agarrá-la pela barriga, com os dedos em cada uma das pontas, e abaná-la: chocalhando a parte da barriga é possível perceber se está ou não cheia (se se sentir líquido no interior, é sinal de pouca carne). E, já agora, se a sapateira estiver esbranquiçada, o melhor mesmo é deixá-la para trás.

Se a sapateira estiver esbranquiçada, ainda antes de cozinhada, o melhor mesmo é deixá-la para trás. © iStockphoto/Alexcrab

Lagosta

Uma primeira dica? Lagostas mais escuras crescem mais a norte, em águas frias, enquanto as mais claras crescem a sul e pertencem a águas mais quentes. Dito isto, e considerando verdade absoluta o que os marisqueiros nos contam, todo o marisco de água fria é mais saboroso, sendo que as lagostas de Peniche são, por norma, as mais caras. Além destas “etiquetas”, há outras formas de perceber se o crustáceo está ou não bom para fazer furor à mesa: se a lagosta for grande e leve é porque está vazia (isto é, tem pouco conteúdo comestível); não sendo fresca, é preciso ter atenção aos cristais de gelo que, em última análise, sugerem que está congelada há demasiado tempo, o que pode comprometer a sua qualidade. Quanto a cozeduras, uma lagosta de um quilo e meio, por exemplo, leva cerca de 20 minutos a cozinhar. Depois de cozida, é Manuel Almeida quem a corta ao meio com recurso a uma faca e perícia afiadas. “Tira-se a tripa e o bucho”, diz-nos. A cabeça da lagosta só chega à mesa depois de retiradas as partes não comestíveis.

Sse a lagosta for grande e leve é porque está vazia. © iStockphoto/AlexRaths

Percebes

É um dos ex-líbris da casa, garantem os marisqueiros. Esta espécie de crustáceo cirrípede composta por duas partes — unha e pedúnculo comestível — vive agarrada às rochas e alimenta-se de micro-organismos. Os percebes chegam ao restaurante ainda vivos, condição essencial para serem servidos no prato, pelo que é preciso confirmar o seu estado de saúde. Para isso, basta cheirá-los: se cheirarem a maresia é porque estão frescos. Antes de entrarem na panela, onde são sujeitos a uma “cozedura escaldão”, os percebes são lavados. Finda a cozedura, e caso a unha se descole bem do pedúnculo, é sinal de que os percebes estão prontos a comer. De referir que, enquanto o restante marisco é cozido com uma média de 50 a 60 gramas de sal por litro de água, os percebes precisam de 70 gramas por litro, tendo em conta a sua cozedura “supersónica”.

Os percebes precisam de 70 gramas de sal por litro de água. © iStockphoto/Genaro_Melendrez