O Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa deu esta quinta-feira uma vitória importante ao Ministério Público (MP) ao declarar aberta a instrução criminal do processo que envolve o procurador Orlando Figueira e Manuel Vicente, vice-presidente de Angola. A defesa do n.º 2 do governo de José Eduardo dos Santos contestava o facto de o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) ter decidido enviar os autos para o TIC sem que Vicente tivesse sido notificado pessoalmente em território angolano da acusação contra si deduzida. Mas a juíza Ana Cristina Carvalho não acolheu tais argumentos.

De acordo com o despacho da magistrada assinado esta quinta-feira, o TIC de Lisboa considera que “na situação de que nos ocupamos, não tendo um dos dos arguidos sido notificado da acusação, por manifesta impossibilidade, bem patente nos autos, nada impedia que o MP de remeter o processo para instrução, nos termos do disposto no art. 283.º, n. 5 do Código Processo Penal (CPP),“, lê-se no documento a que o Observador teve acesso.

Mais: as defesas arguiam também o facto de o MP não ter notificado os arguidos da remessa para os autos para o TIC mas a juíza também não deu razão neste ponto. “Nem tinham de o ser”, diz a juíza, apoiando-se em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que considera tal remessa um “mero expediente”.

Quer isto dizer que a juíza Ana Cristina Carvalho não detetou qualquer nulidade e deu seguimento normal ao processo, declarando aberta a instrução requerida pelo único arguido que, até agora, contestou formalmente a acusação do DCIAP: Armindo Pires, procurador de Manuel Vicente que foi acusado dos crimes de corrupção ativa (em co-autoria com o advogado Paulo Blanco e Manuel Vicente), de branqueamento e de falsificação de documento (em co-autoria com os mesmos arguidos).

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Em declarações ao Observador, Rui Patrício, advogado de Vicente, afirmou que “ainda não vi o despacho que chegou hoje [esta sexta-feira] pelo correio, pois viajei ao início da tarde. Estou muito espantado com a sua emissão, desde logo porque ainda não se esgotara o prazo para as defesas se pronunciarem sobre o despacho do MP [de remessa dos autos para o TIC, para abertura da instrução criminal]. Se não me falham as contas, terminaria, sem os três dias legais de multa, na próxima 2.ª feira”.

Paulo Blanco, por seu lado, afirmou que ainda não tinha sido notificado do despacho do TIC.

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Contudo, e no mesmo dia em que foi notificada do despacho da juíza Ana Cristina Carvalho, a defesa de Manuel Vicente remeteu um novo requerimento em que insiste que “a remessa do processo, nesta fase, para o Tribunal de Instrução Criminal, para além de não se realizar ao abrigo do exigido pelo disposto no n.º 5 do art. 283.º do CPP — pois que, neste momento, é, no mínimo, prematuro concluir pela ineficácia dos procedimentos de notificação do sr. eng. Manuel Vicente, sendo de aguardar, pelo menos, pela prolação do parecer do Tribunal Constitucional (TC) de Angola”, lê-se no requerimento a que o Observador teve acesso.

Recorde-se que, no seguimento da emissão de uma carta rogatória para Angola com o conteúdo do despacho de acusação assinado pelas procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão para que Manuel Vicente seja notificado do conteúdo da mesma, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola pediu um parecer ao TC sobre o estatuto de imunidade a que Manuel Vicente, enquanto vice-presidente da República, tem direito — além da amnistia da República de Angola que beneficia Vicente por incluir os crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais. O TC de Angola ainda não emitiu o seu parecer, logo a PGR ainda não notificou Manuel Vicente do despacho de acusação do DCIAP.

A defesa de Manuel Vicente entende que, como não estão verificados os pressupostos impostos pelo CPP, o processo na sua globalidade deve regressar à fase de inquérito, “aguardando-se resposta das Autoridades Judiciárias Angolanas”.

Vicente, Blanco e Figueira ainda podem contestar a acusação?

Caso a juíza Ana Cristina Carvalho entenda que tal não tem fundamento legal que, “deve, pelo menos, o processo seguir esse rumo no que respeita ao senhor eng. Manuel Vicente, determinando-se a respetiva separação e devolução ao MP, prosseguindo os autos para a fase de instrução para que sejam analisadas as questões levantadas por quem, sendo já arguido, já a requereu e por quem, eventualmente, ainda a possa requerer”.

Neste último caso, a defesa de Manuel Vicente solicita ao TIC de Lisboa que conceda “prazo, contado desde a notificação do despacho do MP que determinou o prosseguimento dos autos, para os arguidos que o pretendam possam requerer a abertura de instrução”.

O que levou à acusação de corrupção contra Manuel Vicente?

Contudo, não é certo que o faça. No despacho produzido esta quinta-feira, a juíza Ana Cristina Carvalho indeferiu, por exemplo, a reclamação de Paulo Blanco que alegava ainda ter prazo para contestar formalmente a acusação do DICAP, apresentando o respetivo requerimento de abertura de instrução. “Relativamente aos arguidos Orlando Figueira, Paulo Blanco e Armindo Pires, o prazo para requerer a abertura de instrução terminou a 6 de abril de 2017”, lê-se no despacho da magistrada.

Já no que diz respeito a Manuel Vicente, a magistrada entende que, além de o vice-presidente de Angola não ter sido notificado por “manifesta impossibilidade, bem patente nos autos”, os seus advogados em Portugal foram notificados do despacho de acusação a 16 de fevereiro de 2017, tendo expirado a 31 de março de 2017 o prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução.