Cientistas da Universidade de Lisboa descobriram um peixe que rouba os ovos das fêmeas e consegue clonar-se através de um processo chamado androgénese. É a primeira vez que um caso de androgénese — um processo em que se desenvolve um novo ser vivo exclusivamente a partir do material genético do macho progenitor — é detetado na natureza entre os animais vertebrados. O peixe, da espécie Squalius alburnoides (o nome comum é bordalo), foi encontrado no rio Ocreza, que nasce na Serra da Gardunha e desagua no rio Tejo. O estudo foi publicado numa publicação da Royal Society Open Science.

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Há dois tipos de reprodução: sexuada e assexuada. A primeira ocorre entre dois indivíduos, um macho e uma fêmea, tal como o ser humano: para que nasça um novo ser vivo, é necessário a junção de ambas as células sexuais. A reprodução assexuada não exige qualquer cruzamento: um indivíduo dá origem a outro, que é geneticamente igual ao progenitor, como acontece com as estrelas do mar.

A androgénese é um fenómeno raro de reprodução assexuada que já foi possível em laboratório, mas que nunca tinha sido observado entre os vertebrados de modo espontâneo na Natureza. De acordo com as explicações dadas pelos cientistas no relatório por eles publicado, o macho deste peixe produz esperma cujas células sexuais contêm o dobro do material genético normal. A seguir, o macho rouba os ovos de peixes fêmea, que por algum motivo não contém material genético fêmea progenitora, e deposita os espermatozoides no seu interior. O ovo desenvolve-se e dá origem a um peixe que é geneticamente igual ao progenitor.

No entanto, esta explicação levanta outras dúvidas. Os cientistas portugueses não sabem porque é que os ovos não têm o material genético da fêmea no interior, mas acreditam que o macho o possa destruir. Também existe a hipótese de este ser um caso de um “acidente natural” em que o ovo se desenvolveu sem informação genética e o peixe, como um parasita, se aproveitou dele para se clonar. Nenhuma destas teorias foi confirmada pela comunidade científica, mas é certo que este caso, sendo isolado ou algo recorrente na vida reprodutiva do Squalius alburnoides, é “a primeira prova empírica de androgénese espontânea a ocorrer naturalmente entre vertebrados”. Até agora, esta forma de reprodução só tinha sido identificada em moluscos e artrópodes.

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As células têm dois tipos de material genético: o ADN nuclear e o ADN mitocondrial. O ADN nuclear é o que está guardado nos núcleos das células e que contém, geralmente, a informação genética do progenitor e da progenitora. o ADN mitocondrial fica guardado nas mitocôndrias, que são as responsáveis por gerar a energia da célula. O ADN mitocondrial só contém a informação genética da fêmea progenitora porque, no momento da fecundação, a única parte do espermatozoide que entra no óvulo é a cabeça. As mitocôndrias do espermatozoide ficam guardadas na chamada peça intermédia que, juntamente com o flagelo (a “cauda” do espermatozoide), é destruída a seguir à fecundação.

Estes resultados foram obtidos quando uma equipa científica recolheu aleatoriamente 261 indivíduos da espécie Squalius alburnoides, que está em vias de extinção por perda de habitat, no rio português. Ao estudar o padrão genético dos peixes, os investigadores descobriram que o material genético guardado no núcleo das células de um dos peixes era exatamente igual ao que tinha sido recolhido do núcleo das células de outro peixe da amostra. Os únicos cromossomas desse peixe eram os paternos. No entanto, o ADN mitocondrial (que está guardado nas mitocôndrias, o “centro de produção de energia” das células) não era o mesmo do ADN do progenitor, porque essa informação genética só pode ser cedida pela fêmea.

O Squalius alburnoides, que costuma ter 15 centímetros de comprimento, pode ser encontrado nos rios portugueses e espanhóis. É uma espécie híbrida porque nasceu do cruzamento entre duas espécies que geralmente não podem ter descendência por terem genes incompatíveis (como a mula, que nasce do cruzamento entre uma égua e um burro).