“Mulher-Maravilha”

Houve, sobretudo nos EUA, quem se congratulasse com o facto de “Mulher-Maravilha”, o novo “blockbuster” com uma personagem da DC, ser realizado por uma mulher, Patty Jenkins (a autora de “Monstro”), como se o facto representasse uma grande conquista feminina na indústria cinematográfica americana. Na realidade, só prova que as mulheres são capazes de realizar um filme de super-heróis tão chapadamente mau, tão ferido de gigantismo descerebrado, tão cerradamente pateta, tão esmagado pelos efeitos especiais como os homens. Com a israelita Gal Gadot bem encaixada na pele e na farda da super-amazona (sucede a Lynda Carter, que a interpretou na televisão), e a merecer um argumento bem melhor do que este, “Mulher-Maravilha” tira-a da sua ilha fantasiosa e instala-a nas trincheiras de uma I Guerra Mundial versão “comic book”, sem a menor correspondência com a realidade histórica, fazendo-a ganhar o conflito na companhia do super-canastrão Chris Pine e de um trio de comparsas etnicamente correcto. A caracterização monstruosa do general Ludendorff é mais do que motivo para os seus descendentes porem em tribunal os responsáveis por este filme, e David Thewlis a fazer de Ares, o deus da guerra, representa um dos mais risíveis erros de “casting” do século. O resto, é o habitual massacre de sequências de combate tipo “videogame” em câmara lenta ou acelerada, de efeitos digitais mastodônticos e de agressão auditiva com uma potência sonora que aspira a ensurdecer os espectadores.

“Félicité”

Mãe solteira, Félicité vive em Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo, e canta em bares para ganhar o pão de cada dia e dar de comer ao filho adolescente. Um dia, o rapaz tem um acidente de moto e fere-se gravemente numa perna. Uma operação no esquálido hospital onde ele está internado custa uma fortuna e tem que ser paga em contado, e por isso Félicité vai varar a cidade para arranjar a soma necessária o mais depressa possível. Nem que isso signifique submeter-se a humilhações várias e até mesmo ser agredida. Assinado pelo senegalês Alain Gomis, “Félicité” ganhou o Grande Prémio do Júri do Festival de Berlim, e o seu lado melhor é o documental, mostrando a miséria, a corrupção, a violência e o subdesenvolvimento endémicos de um país cujo regime e cuja situação política e social contradizem a menção à democracia que tem inscrita no nome. A história começa a perder ímpeto e interesse à medida que a situação de Félicité (a imponente Véronique Beya Mputu) e do filho se vão estabilizando, mas o filme, feito com meios limitados, tem uma linearidade despretensiosa, uma lhaneza dramática e sobretudo um valor de documento de actualidade, que servem de contrapeso às suas fragilidades e ao excesso de duração (se Gomis lhe tivesse rapado uns 20 ou 30 minutos, só o tinha melhorado).

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“David Lynch: The Art Life”

É à faceta de David Lynch como pintor, menos conhecida do grande público, que é dedicado o documentário “David Lynch: The Art Life”, realizado por Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergard-Holm. Estes foram já responsáveis, em 2007, por “Lynch (One)”, um outro trabalho documental sobre a rodagem de “Inland Empire”, o último filme de David Lynch até à data, onde se mostrava, pontulamente, o realizador de “Veludo Azul” a pintar e a fazer colagens e pequenas esculturas no estúdio que tem na sua casa de Los Angeles. O filme estreia-se incluído na chamada Operação David Lynch, no Cinema Ideal, de que fazem ainda parte as reposições do alucinatório, mesmerizante e indecifrável “Mulholland Drive” e da execrável “prequel” cinematográfica de “Twin Peaks”, “Twin-Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer”; de “Twin Peaks-The Missing Pieces”, de 2014, composto sequências cortadas na montagem deste; e das curtas-metragens do realizador. Tudo vindo para o cinema à boleia da terceira temporada de “Twin Peaks” na televisão. “David Lynch: The Art Life” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.