Da fundação à internacionalização das startups, como pode a Europa reinventar um espaço que é único, mas que corre a várias velocidades? Num debate que juntou à mesa organizações que promovem o empreendedorismo, aqui e além fronteiras, a conclusão foi unânime: a chave para o sucesso está na “cooperação” entre países, entre ecossistemas, na “Europa do mercado único”.

O encontro decorreu durante a ScaleUp for Europe, evento da semana Start & Scale – iniciativa do projeto municipal ScaleUp Porto que quer tornar a cidade numa referência nacional e internacional nas áreas da inovação, empreendedorismo e emprego – que esta quinta-feira juntou empreendedores, investidores e órgãos de decisão europeus no Palácio da Bolsa, no Porto.

Discutiram-se estratégias de crescimento sustentável para startups e scaleups (empresas que já estão numa fase de crescimento muito acelerado) na Europa e à escala global, assim como o papel que as cidades têm como “catalisador” desse crescimento. Mas como pode um ecossistema fazer escalar as suas startups numa Europa que anseia por ter a próxima Google ou a próxima Tesla?

Para Miguel Dias, da Porto StartUp Accelerator, é cedo para pensar em escalar empresas. “Nós achamos que estamos num processo de scaleups, mas não estamos ainda”, notou. A idade média de uma scaleup é de quase 14 anos, o que significa que uma startup demora 13 anos a escalar. Apesar de considerar que o tempo que uma startup demora a escalar é “cada vez mais curto”, Miguel Dias sublinhou que ainda é preciso “aprender muito para chegar a um nível em que seja possível escalar”.

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Mas, “não basta escalar. É preciso aprender a escalar”. Quem o diz é Rui Coutinho, coordenador da Porto Design Factory .

Ruben Nieuwenhuis é diretor da Startup Amesterdão, fundada para que todos os intervenientes e as empresas tecnológicas da capital holandesa pudessem criar em ecossistema mais forte e preparar-se para “subir degraus”. “O que nós queremos em Amesterdão é o que tem sido feito em Barcelona, Lisboa, e noutras capitais”, admite o empreendedor.

A Europa é um lugar tão grande. Como é que eu consigo romper a mentalidade, partilhar o meu conhecimento com outros europeus e ligar as cidades?”, questionou.

Para o diretor da Startup Amesterdão, o ecossistema europeu não deve estar em “competição”, mas partilhar exemplos e aprender a trabalhar com o poder local. “Quando eu estou em Berlim, em Kiev ou aqui, é como estar em Amesterdão”, admite. “Devemos ajudar-nos. Quando começarmos a colaborar uns com os outros isso vai gerar um grande crescimento”, acredita. Assim, vão surgir mais “unicórnios” (empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares) na Europa.

Isabel Salgueiro admite também que a “colaboração europeia” foi importante quando a Beta-i decidiu lançar o Lisbon Challenge. “Fomos forçados a trabalhar com outros aceleradores na Europa para partilhar ideias, contactos”, o que contribuiu para o “contexto internacional” (o programa de aceleração já recebeu startups de mais de 50 países e inclui roadshows a cidades como Londres, Boston, São Francisco, São Paulo ou Tel Aviv) que o Lisbon Challenge foi ganhando, sublinhou.

“Tirar vantagem do que temos de diferente, do que é único”

Enquanto se discute o futuro de um ecossistema europeu, num mercado único, que lugar têm as identidades locais, regionais, a diversidade no plano europeu? “Como ser local num mercado europeu? Como é que se faz esse equilíbrio?”, lançou Rui Coutinho.

Para Carlos Oliveira, presidente da InvestBraga, entidade responsável pela criação da Startup Braga, é preciso “tirar vantagem do que temos de diferente, do que é único” para nos diferenciarmos numa perspetiva local.

“Se jogarmos todos na mesma parte do campo, não vamos ser bem sucedidos”, notou. Diz que é preciso tirar partido das infraestruturas da cidades e criar áreas onde se possam distinguir. Dá como exemplo o trabalho desenvolvido em Braga com o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), a Universidade do Minho e o Hospital de Braga, que “diferenciam” o ecossistema bracarense que aposta nas áreas das tecnologias médicas e nanotecnologia e economia digital.

Rui Coutinho dá também como exemplo o trabalho que tem sido feito na Porto Design Factory, fundada no seio do Instituto Politécnico do Porto e de uma das suas mais reconhecidas escolas – a Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) – que lançou, em janeiro, os primeiros programas de aceleração de ideias de negócio nas áreas da música e do design, em Portugal.

“O investimento não é solução para tudo”

A falta de financiamento na Europa é apontada como uma das dificuldades de quem se lança num projeto, o que leva a que quando as startups começam a procurar financiamento, recorram a investidores americanos.

Para apoiar startups numa fase em que é complicado captarem investimento, a Startup Braga criou recentemente um “microfundo” de 1 milhão de euros para apoiar novos projetos no ecossistema, investindo em pre-seed (investimento inicial para validação do projeto). Além de ajudá-las a arrancar com o projeto, a incubadora bracarense quer preparar as empresas para rondas e investimentos subsequentes com business angels (investidores privados) e outros investidores.

Também o Porto Startup Accelarator, programa de aceleração tecnológico da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) com o INESC TEC, trouxe, na semana passada, investidores internacionais (Accel Partners, Octupus Ventures), para conhecerem novos projetos portuguesas.

Estamos a trazer investidores internacionais para Portugal, não só para criar oportunidades para o ecossistema local, mas também para educá-lo. A melhor forma de aprender alguma coisa é olhar para os melhores e tentar alcançá-los, questioná-los sobre o que têm feito. Depois, é preciso adaptar isso ao nosso ecossistema”, sublinha Miguel Dias.

Mas, para Miguel Dias, “o investimento não é solução para tudo”. É preciso que os empreendedores assumam a “responsabilidade” sobre o que está a acontecer e que o crescimento deve ser ” inclusivo”, notou Ruben Nieuwenhuis. “Eles [os empreendedores] querem mudar o mundo, querem criar grandes empresas”, sublinhou o holandês.

O modelo empreendedor europeu tem aprendido com os erros dos outros e tenta ser mais sustentável, mais inclusivo e preocupado com os impactos que as startups podem ter”, defendeu Carlos Oliveira.

“Os unicórnios são muito sobrevalorizados”

“O contexto de Sillicon Valley é muito diferente do da Europa e acho que não devemos querer replicá-lo na Europa”, sublinhou Carlos Oliveira. O também secretário de Estado do Empreendedorismo no governo de Pedro Passos Coelho e fundador da MobiComp, tecnológica que em 2008 foi vendida à Microsoft, acrescentou ainda que os “unicórnios (startups avaliadas em mais de mil milhões de dólares) são sobrevalorizados”.

Por isso, mais do que ter startups no clube das empresas multimilionárias, importa que o crescimento que elas provocam seja “inclusivo”, que gere emprego e que tenha impacto na economia nacional.

E deu como exemplo a Farfetch, tecnológica luso-britânica de moda de luxo que é o único unicórnio de origem portuguesa, que desenvolve a tecnologia em Portugal. Em maio, a empresa anunciou que quer contratar mais 500 pessoas no país, até ao final do ano, divididas entre os escritórios de Lisboa, Porto e Guimarães.

Dirigido à comunidade empreendedora, Miguel Dias deixou um conselho: “Não devemos querer o impossível. Mas devemos sempre querer mais”.