“Hey, hey! Anda bater, anda bater, anda! Tu bates bem, se perdermos que se f***! Vai, anda, tu bates bem. Agora está nas mãos de Deus”. Portugal ia decidir a passagem às meias-finais do Campeonato da Europa com a Polónia nas grandes penalidades. Tinha acabado o prolongamento, os jogadores andavam ali a passarinhar pelo campo, até que Cristiano Ronaldo, mais uma vez, tomou as rédeas da equipa para moralizar João Moutinho. O médio tinha a missão de marcar a terceira tentativa com o resultado em 2-2. Foi bola para um lado, guarda-redes para outro. E a defesa de Patrício ao remate de Blaszczykowski, seguido do golo de Quaresma, fizeram o resto. Ronaldo tinha razão.

Ficha de jogo

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Portugal-Chipre, 4-0

Jogo particular

Estádio António Coimbra da Mota, no Estoril

Árbitro: Davide Massa (Itália)

Portugal: Rui Patrício; Cédric (Nélson Semedo, 67′), Luís Neto, José Fonte, Eliseu; Danilo Pereira (William Carvalho, 46′), João Moutinho (Adrien, 46′), João Mário (André Gomes, 46′); Bernardo Silva (Gelson Martins, 46′), Nani (Pizzi, 60′) e André Silva

Treinador: Fernando Santos

Chipre: Georgallidis; Kyriakou (Mitidis, 60′), Demetriou (Stylianou, 82′), Laifis, Alexandrou (N. Ioannou, 68′); Katelaris, Artymatas, Margaça; Charalambides (A. Avraam, 60′), Makris e Sotiriou (G. Economides, 76′)

Treinador: Christakis Christoforou

Golos: João Moutinho (3′ e 42′), Pizzi (63′) e André Silva (70′)

Ação disciplinar: nada a registar

Esta tarde, no Estoril, Ronaldo não esteve. Nem estava a pensar na Seleção Nacional – mais logo vai disputar a final da Liga dos Campeões pelo Real Madrid, contra a Juventus, e com ele é cada coisa a seu tempo. Mas Moutinho voltou a provar que bate bem. Desta feita, os livres diretos. No plural, dois. Que mais pareciam penáltis com barreira, tamanha foi a pontaria do médio para colocar a bola na gaveta. E esse foi mesmo um dos poucos pontos de interesse do triunfo de Portugal frente ao Chipre por 4-0, num jogo particular de preparação para a deslocação a Riga, essa sim para a qualificação para o Mundial de 2018.

Aliás, o encontro teve tão poucos pontos de interesse no primeiro tempo – por alguma desinspiração dos comandados de Fernando Santos e por clara falta dela pelo lado dos cipriotas – que nos permitiu ir escrevendo uma outra história, menos conhecida, sobre o médio que, a brincar, a brincar, tem 30 anos e já leva 12 nisto. Assim, recuemos uma década, até 2007, para perceber o significado que os dois golos de livre direto tiveram para o jogador do Mónaco, que se sagrou campeão francês.

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Moutinho já andava na alta roda do futebol desde 2005, ano em que se tornou o jogador mais novo de sempre a disputar uma final da Liga Europa (18 anos e 252 dias, marca que superada este ano por Matthijs de Ligt, do Ajax). E, com a Seleção à mistura, fazia uma média de 50 jogos por época. Mas foi em 2007 que tudo mexeu: ganhou o primeiro troféu como sénior no Sporting (a Taça de Portugal), esteve no Campeonato da Europa Sub-21 na Holanda e ficou a um pequeno passo de sair para o Everton, que prometeu uma proposta de mais de 20 milhões ao conjunto de Alvalade mas nunca passou dos 17. Ficou, ainda esteve “castigado”, mas assumiu a responsabilidade do que se passou e tornou-se mesmo o capitão mais novo de sempre dos leões depois de Francisco Stromp, que tinha comandado a equipa em campo com 17 anos… um século antes.

No entanto, aquilo que João Moutinho queria mesmo era melhorar alguns aspetos do seu jogo. Um, em específico: as bolas paradas. E falava com antigos e atuais companheiros e treinadores. E treinava depois do treino esses lances. E tentava, tentava, tentava. Continuava a marcar uma média de sete golos por temporada, com alguns penáltis à mistura, mas livres diretos, pouco ou nada. Até nas conferências de imprensa o jogador ia falando disso, mostrando noção de que faltava ainda aperfeiçoar a inclinação do corpo quando transformava os livres para conseguir fazer baixar a bola. Marcou uma vez, em Florença, em 2009. Na época seguinte, saiu para o FC Porto. E o filme repetiu-se. Foi mais tarde para o Mónaco. Esta temporada, para a Ligue 1, apontou dois golos de remates de meia-distância (o golo contra o Bordéus foi fabuloso) e um livre direto para a Taça, com o Marselha. Mas o dia para o qual trabalhou desde 2007 chegou hoje: ao intervalo, Portugal ganhava por 2-0 com dois golos seus e ambos de livre direto, sem hipóteses para o guarda-redes Georgallides.

https://www.youtube.com/watch?v=1MRD1_cvxSI

À exceção dos golos de João Moutinho, houve um cabeceamento de Nani por cima, após cruzamento da direita de Cédric, um toque de calcanhar de Fernando Santos no banco que o público aplaudiu de pé e pouco mais. O segundo tempo não foi muito, muito melhor, mas a velocidade de Gelson Martins lá foi conseguindo mexer com as coisas. E nos dez melhores minutos da etapa complementar, Pizzi (63′, após assistência de André Silva) e André Silva (70′, depois de um grande cruzamento de André Gomes) completaram o resultado.

João Moutinho é daquele tipo de jogadores que nenhuma equipa abdica mas que fica muitas vezes relegado para segundo plano. É um virtuoso, sabe tocar, mas costuma vestir o papel do carregador de piano que faz brilhar os outros. Hoje, também ele brilhou. E ficou no primeiro plano. Aos 30 anos, falamos de um jogador que passou apenas por três clubes mas leva 13 títulos de clubes (três Campeonatos, três Taças de Portugal, cinco Supertaças e uma Liga Europa em Portugal; um Campeonato em França) e dois na Seleção: o Europeu Sub-17 (em 2003, numa equipa em que nem costumava ser titular) e o Europeu de seniores, no ano passado. Pelo currículo ou pelos livres, chapeau!