Um think tank, cinco economistas e uma solução para a sustentabilidade da dívida. Ou nem tanto. Pelo menos a assunção de que o problema é sério — por ser “um dos temas que mais condiciona o nosso presente e o nosso futuro” — e deve centrar o debate. Outra certeza: “Não há uma silver bullet ou uma solução milagrosa que resolva e remova automaticamente o peso da dívida”. O haircut (perdão de dívida) teria “um custo brutal”. Resta “a gestão dinâmica da dívida no mercado”, mas sempre dentro dos trilhos europeus.

Os economistas autores do policy paper “Que caminhos para a dívida pública portuguesa?” são Joaquim Sarmento (que foi também assessor económico do ex-Presidente da República, Cavaco Silva), Luís Bravo, Francisco Catalão, Nelson Coelho e Ricardo Santos, que trabalharam no âmbito do think tank (Plataforma para o Crescimento Sustentável) criado em 2011 por Jorge Moreira da Silva, ex-vice do PSD e ex-ministro do Ambiente. A solução que apresentam para um problema que, no campo político, tem sido reconhecido à esquerda e à direita, passa essencialmente por quatro pontos:

  • Diversificar as opções de financiamento, tornando “mais atrativos” os certificados de aforro e do Tesouro ou obrigações do Tesouro;
  • “Alisar” os reembolsos de dívida de médio e longo prazo a valores entre os 5 e os 6 mil milhões de euros por ano;
  • Reforçar os pagamentos antecipados ao FMI, para baixar as taxas de juro a que o país está sujeito;
  • O IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) deve manter uma “almofada de liquidez, em torno dos 6 a 8 mil milhões de euros”, para períodos de eventual “turbulência financeira”.

Mas o estudo também elenca os pontos (suaves) para uma abordagem europeia no capítulo da dívida, já que defende que “a nível europeu só é possível procurar soluções que não passem por reestruturação haircut ou outro tipo de perdas para os instrumentos europeus”:

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  • O Mecanismo Europeu de Estabilidade poderia comprar títulos de dívida ao BCE e aos bancos centrais nacionais, ganhando a vantagem de poder “refinanciar esses títulos na maturidade” (a dívida poderia ter custos mais baixos);
  • Linha cautelar do Mecanismo Europeu de Estabilidade para as emissões dos próximos quatro e cinco anos. Isto permitia que os países ficassem sob a proteção do Mecanismo: conseguiriam entrar nas compras de dívida do BCE, mas ficam sob controlo mais apertado por parte da Comissão Europeia;
  • Eurobonds: mutualizar a dívida até 60% do PIB, acima desse valor a dívida seria da responsabilidade dos Estados membros. Mas, para isto, defende o policy paper, teria de ser criado “uma espécie de Tesouro europeu” e os países que recorressem a esta solução teriam de ser cumpridores das regras europeias.

Passos de lã, num tema que ainda faz tremer parceiros europeus, quando assumido por países com dívidas mais pesadas. Foi também assunto de um grupo de trabalho entre o Governo e o BE, com o relatório a ser conhecido recentemente e a deixar clara a sensibilidade do tema. A dívida afasta posições entre PS e BE e o mais que conseguiram neste relatório conjunto foi uma posição muito recuada sobre o tema, também cauteloso sobre um pedido de reestruturação da dívida dos privados, apenas admitindo que Portugal negociasse, em Bruxelas, a redução das taxas de juro e o alargamento dos prazos dos empréstimos europeus. O tema é suficientemente quente entre os dois parceiros no Parlamento, que tiveram dificuldade em verter para um documento o debate que existiu no grupo de trabalho.

Dívida. O relatório une ou divide o PS e o Bloco?

O estudo da Plataforma para o Crescimento Sustentável também deixa de parte qualquer solução mais radical para a dívida, colocando de parte qualquer forma de haircut, seja de privados, dívida em obrigações do Tesouro, incluindo BCE e Banco de Portugal, e reestruturação da dívida dos instrumentos europeus. E os cinco economistas mostram porquê:

  • Privados: A solução até faria a dívida reduzir em 47 pontos percentuais do PIB (em 85 mil milhões de euros), mas “destruiria a credibilidade do país”, que teria dificuldades no acesso aos mercados financeiros e teria de recapitalizar a banca.
  • Obrigações do Tesouro, com BCE e Banco de Portugal incluídos: a redução da dívida seria ainda maior (na ordem dos 111 mil milhões de euros, cerca de 66 pontos percentuais do PIB), mas as consequências também. Além do que consta no ponto anterior, conduziria a “perdas avultadas do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, dado que mais de 80% dos ativos do fundo estão aplicados em dívida pública nacional” e à provável saída de Portugal do euro;
  • Reestruturar instrumentos europeus: estender maturidades, diferir juros até 2025, ou propor o haircut — que não consta dos instrumentos europeus pelo que ou Portugal “teria o apoio de todos os Estados membros (algo altamente improvável) ou implicaria a saída de Portugal da zona euro, com consequências calamitosas”.