Sem surpresas, o nome da deputada do PSD indicada para ser a próxima presidente do Conselho de Fiscalização das secretas foi chumbado esta quarta-feira, em votação por voto secreto no Parlamento. Era preciso maioria qualificada de dois terços e PS e PSD não se entenderam, apesar dos elogios que ontem se fizeram ouvir na audição prévia à votação. Na audição de Teresa Morais, não só os deputados do PSD e CDS elogiaram as qualificações e qualidades da deputada para o exercício daquelas funções, como os deputados socialistas não apontaram uma falha ou crítica ao seu perfil.

Isto, apesar de o líder parlamentar socialista, Carlos César, sempre ter defendido que a deputada “não tinha perfil” adequado para aquelas funções, e era demasiado próxima da “direção partidária”, do PSD.

Na hora do veredicto, o nome não colheu o número suficiente de votos: 112 votos a favor, 75 brancos e 25 nulos, de um total de 212 votantes. Para ser eleita seriam precisos 142 votos a favor. Ainda assim, partindo do princípio que os 89 deputados do PSD e os 18 do CDS votaram a favor (107, no total), pode-se equacionar que houve pelo menos 5 votos a favor da ala esquerda do Parlamento. Faltaram 30 votos para Teresa Morais ser eleita.

Sendo o voto secreto não é possível saber factualmente de que lado vieram os votos a favor e os votos contra, mas não se espera grande falha da parte dos sociais-democratas. Ao que o Observador apurou, nem todos na bancada do PSD nutrem simpatia pela deputada próxima de Pedro Passos Coelho, mas para evitar fraturas à direita (já que já se esperavam votos contra à esquerda), o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, enviou esta manhã um e-mail a todos os deputados a apelar à união em torno da candidatura.

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As reações à votação não se fizeram esperar. À direita, Luís Montenegro criticou o “precedente gravíssimo” aberto pelo PS no relacionamento entre os grupos parlamentares, uma vez que os socialistas “não arranjaram nenhuma argumentação plausível para justificar o chumbo”.

Perante isso, o líder parlamentar, que recusou equacionar um “plano B” face ao chumbo de Teresa Morais, fez saber que o PSD vai avaliar a situação nos órgãos próprios da direção do partido. Ou seja, vai levar o caso ao mais alto nível do partido. “O PSD tem estado sempre à altura dos seus compromissos, mas o PS entende abrir um precedente grave na forma de encarar as eleições no Parlamento, mesmo quando concorda que cabe ao PSD nomear a pessoa para o cargo”, disse aos jornalistas.

Já antes, o CDS, pela voz de Telmo Correia, tinha criticado a “mera teimosia partidária” do PS, uma vez que na audição de terça-feira à tarde a Teresa Morais “ficou claro para toda a gente que era uma pessoa com currículo e perfil” para o cargo. Para os centristas, deixar a fiscalização das secretas sem liderança (e as próprias secretas também, já que a pessoa indigitada pelo Governo, Pereira Gomes, mostrou “indisponibilidade” para avançar perante a polémica a seu respeito) é “gravíssimo”. “O terrorismo é uma realidade quase diária na Europa e a melhor forma de protegermos o país é termos serviços de informação eficazes”, disse Telmo Correia, depois de criticar a “irresponsabilidade e a ligeireza” do PS a lidar com o assunto.

… E PS diz que PSD preferiu “via do confronto” e pede “maior respeito”

Do lado do PS a argumentação é outra: foi o PSD que não se preocupou em encontrar consensos e, por isso, Carlos César pede “maior respeito pela opinião dos outros”. Porque, disse, “o tempo do ‘quero, posso e mando acabou”.

“Sabendo que para esta eleição é preciso maioria de dois terços, o PSD não procurou cuidar desse consenso e preferiu a via do confronto, afetando com isso a dignidade das pessoas envolvidas”, disse.

Questionado sobre o facto de os deputados do PS presentes na audição a Teresa Morais não terem criticado nem apontado nenhuma falha ao perfil da deputada, Carlos César rejeitou que assim tivesse sido. “O que o PS fez foi dizer que não nos compete fazer avaliações de natureza pessoal em relação aos nossos pares, compete sim fazer uma avaliação de natureza política”, sublinhou, argumentando que o “entendimento político era de que a candidatura de Teresa Morais não obedecia ao perfil” adequado àquelas funções.

PCP quer “outro modelo”

E BE e PCP? Não acompanharam a votação porque não concordam com o “modelo” que está inerente à fiscalização das secretas. “O Bloco de Esquerda tem tido desde sempre uma grande reserva em relação ao modelo de fiscalização das secretas, e não tem reservas sobre a idoneidade de quem quer que seja”, disse o deputado bloquista José Manuel Pureza.

O PCP tem entendimento semelhante, mas vai mais longe, ao dizer que o chumbo que se verificou esta quarta-feira evidencia que “a fiscalização das secretas está refém do entendimento entre PS e PSD, e isso é desadequado”, disse o deputado António Filipe aos jornalistas, acrescentando que o modelo de eleição das pessoas para este organismo cria “bloqueios” à composição do conselho de fiscalização dos serviços de informação.

Um tipo de “bloqueio” que tem acontecido, de resto, noutras situações. Isto é, em todas as eleições que exigem maioria de dois terços: eleição do provedor de justiça, do presidente do Conselho Económico e Social, do presidente da ERC, do Tribunal Constitucional, etc. É por isso que, apurou o Observador, o PCP equaciona vir a apresentar uma alternativa a este modelo que passa por não obrigar a que a eleição do presidente da fiscalização das secretas tenha de ser feita por votação parlamentar, nem por maioria de dois terços na Assembleia.