“Glória”

O cinema de Leste chega a Portugal a conta-gotas, mas o que chega é quase todo bom, como é o caso deste “Glória”, dos búlgaros Kristina Grozeva e Petar Volchanov, autores de “A Lição”, e que continuam atentos aos podres e aos absurdos do seu país na era pós-comunista. Tzanko Petrov (excelente Stefan Denolyubov) é um trabalhador dos caminhos de ferro, gago, solitário e que cria coelhos com desvelo. Um dia, encontra uma carteira cheia de dinheiro na linha e entrega-a às autoridades. Como o ministro dos Transportes está acusado de envolvimento num caso de corrupção, Julia (Margita Gosheva), a sua astuta e detestável directora de comunicação, execrada por todos com quem trabalha, decide transformar Tzanko num “herói nacional” para distrair as atenções.

O pobre diabo, que nem sequer tem um par de calças apresentável, vê-se então numa cerimónia pública com o ministro, discursos, televisão, beberete e o prémio de um relógio novo. Só que Julia perde o relógio velho de Tzanko (marca Glória, que dá título ao filme), que tem enorme valor estimativo e funciona melhor que o novo, e depois de uma série de peripécias tragicómicas, aquele vê-se transformado de herói da nação incensado a nível oficial, em figura de ridículo e em delinquente tratado ao empurrão. “Glória” é uma muito bem conseguida e certeira sátira negra sobre a máquina burocrática estatal e o desprezo desta pelo cidadão comum, a inépcia e a corrupção pública, e o poder dos gabinetes de comunicação e relações públicas dos governos (sem esquecer a forma como pessoas ingénuas e bem-intencionadas podem ser manipuladas pelos media).

“A Odisseia”

Este filme de Jérôme Salle, com Lambert Wilson no papel principal e rodado numa réplica do navio-laboratório Calypso, propõe-se contar a vida e os feitos do lendário comandante Jacques Cousteau, sem abdicar de apresentar os aspectos menos agradáveis da sua personalidade e de pôr parcialmente em causa a sua dimensão de devotado e desinteressado pesquisador e paladino dos oceanos. Assim, temos, por um lado, o Cousteau entusiasta dos oceanos, pioneiro do mergulho com oxigénio em garrafas, da exploração marinha e subaquática, do documentarismo sobre a natureza, dos estudos oceanografia e do conservacionismo marinho; e pelo outro, o Cousteau egocêntrico, cioso do seu sucesso e da sua imagem pública, sempre á procura de dinheiro para financiar as expedições e a tapear os documentários para conseguir apoios, que engana a mulher, Simone (Audrey Tautou), à qual deve o dinheiro com que se lançou na aventura da sua vida, muito ligado ao filho mais novo, Philippe (morto em Portugal, em 1979, quando o seu hidroavião se despenhou no Tejo, perto de Lisboa) e que acaba por se zangar com o filho mais velho, Jean-Michel. “A Odisseia” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.

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