Do poder do lobby das energéticas à incapacidade do Estado para defender os próprios interesses, passando pelo estranho caso do estudo encomendado à Universidade de Cambridge que, entregue ao então ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, numa quinta-feira à noite e ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, no dia seguinte ao fim da manhã, já tinha sido lido na sede da EDP pela hora de almoço.

Menos de uma semana depois das buscas da Polícia Judiciária às sedes da EDP e da REN e da constituição de sete arguidos (António Mexia, presidente-executivo da EDP, João Manso Neto, presidente da EDP-Renováveis, e Rui Cartaxo, ex-presidente da REN e atual presidente Conselho de Administração do Novo Banco, entre eles), por suspeitas de corrupção ativa, corrupção passiva e participação económica em negócio, Henrique Gomes só recusou falar sobre a investigação em curso. De resto, em entrevista ao Diário de Notícias, o ex-secretário de Estado da Energia do governo de Pedro Passos Coelho, falou sobre tudo.

Henrique Gomes, que se manteve durante apenas nove meses no cargo (demitiu-se a 12 de março de 2012), garantiu ao jornal que o setor elétrico tem sido sobre-protegido e sobre-remunerado em Portugal. E explicou que os CMEC (Custos de Manutenção para o Equilíbrio Contratual), no centro da investigação em curso e que tentou, em 2011, alterar, são um bom exemplo disso: “Basta ver a decomposição dos custos para a formação dos preços. Este ano esses custos representam cerca de 1900 milhões de euros. Para o próprio CMEC, este ano, estavam previstos – é uma previsão – 300 milhões. Numa coisa que deveria ser um apoio mínimo para compensar a passagem para mercado. Estes apoios deviam ter sido muito mais reduzidos e foram mal negociados”.

“O lobby da energia defende os seus direitos e os seus interesses, daí não vem mal ao mundo. Mas o lobby da energia tem condicionado os governos. E isso acho mal, é um erro”, acusou, assumindo que foi exatamente o poder e influência das energéticas na esfera do Estado que o levou a pedir a demissão do cargo.

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O erro não é que as empresas defendam os seus interesses, é que o Estado não defenda os seus. Chamo a atenção para qual é o poder económico de que estamos a falar. Estamos a falar de três empresas, um pequeno grupo – EDP, EDP Renováveis, GALP e REN, que é pequenina no meio disto tudo. Estas empresas, em conjunto, representam 42, 43% de todo o PSI20. Este valor concentrado em três empresas… está a ver o poder que pode ter.”

Um bom exemplo, contou, foi o que aconteceu em dezembro de 2011, quando a sua equipa encomendou à universidade de Cambridge um estudo para determinar todas as rendas excessivas na produção de energia nacional. “Foi um trabalho interessante, foi entregue ao ministro Álvaro [Santos Pereira] numa quinta-feira ao fim do dia, em papel, o sr. ministro leu durante a noite, falou connosco de manhã, fizemos os ajustes que ele achou por necessários e mandou entregar ao sr. primeiro-ministro ao fim da manhã. À hora de almoço, estava a almoçar com a minha equipa, começámos a receber chamadas da EDP a perguntar que relatório era aquele. Passados uns dias, o relatório era desvalorizado porque tinha erros e porque não era por ser em inglês que seria bom.”

Por este e por outros episódios, garantiu, Henrique Gomes não se arrepende nem um pouco de ter abandonado o governo há já cinco anos: “Não ficaria lá mais tempo nenhum”. O lobby da Energia, que terá festejado a sua saída com brindes e champanhe, recorda o Diário de Notícias numa referência a uma entrevista de Santos Pereira à TSF, agradeceu.