Um FOLIO melhor, mais internacional e revolucionário: foi assim que José Pinho, da Ler Devagar, e Celeste Afonso, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Óbidos, apresentaram a terceira edição do Festival Literário Internacional de Óbidos que — apesar dos boatos que falavam no fim do evento — vai mesmo regressar à vila literária de 19 a 29 de outubro.

José Pinho e Celeste Afonso, que apresentaram esta sexta-feira, no Museu do Aljube, em Lisboa, as primeiras confirmações do festival, garantiram aos jornalistas presentes que o FOLIO está diferente — “reinventou-se” — e que isso não é uma coisa má. Os cortes no orçamento obrigaram a organização a procurar novas parcerias, principalmente junto das editoras que, este ano, ganharam um maior destaque (a Tinta-da-China, por exemplo, vai ter uma programação só sua chamada GRANTA FOLIO). Foram elas e os outros parceiros do festival — que incluem organismos como a Assembleia da República, o Centro Cultural de Belém, a EDP ou a Companhia Nacional de Bailado — que ajudaram a organização a criar o programa que, até agora, conta com a confirmação de mais de 28 autores, nacionais e internacionais, e atividades variadas. E também com algumas novidades.

“O que sinto é que parecemos Blimundas, recolhendo vontades para levantar a passarola”, disse Celeste Afonso, numa referência à obra Memorial do Convento, que celebra em 2017 35 anos, data que não passará em claro no FOLIO.”

“São muitos aqueles que se juntaram para que o FOLIO seja de todos e de cada um e que seja cada vez mais internacional. Isto é só o que está confirmado”, alertou a vereadora, antes de destacar algumas das iniciativas de 2017. “Estamos muito felizes com esta programação e com o tema. O tema deste ano é “Revoluções” e foi exatamente por isso que foi escolhido o Museu do Aljube para a apresentação do FOLIO 2017, também ele uma “revolução”, de acordo com os dois organizadores. “Conseguimos juntar-nos de forma orgânica, e estamos a realizar aquele que é, para mim, o melhor FOLIO”, afirmou José Pinho. “Este FOLIO vai ser o FOLIO revolucionário”, garantiu o responsável.

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Para Celeste Afonso, o FOLIO é cada vez mais “uma afirmação de uma estratégia — de Óbidos Vila Literária”. Em 2015, Óbidos passou a integrar a rede de cidades criativas da UNESCO, recebendo a classificação de “vila literária”. Um título que não é só da vila, “mas também a Portugal”.

Dois Prémios Camões e um amigo de García Márquez

Para já, estão confirmados 27 autores, de 14 nacionalidades diferentes. Mas esta é apenas uma pequena parte do que falta ainda divulgar, segundo os organizadores. Entre eles conta-se o Prémio Camões Raduan Nassar, um dos nomes grandes do festival. O autor, afastado da escrita desde 1984, raramente aparece em público. Vive numa quinta em Pindorama, em São Paulo, onde cria galinhas e de onde só saiu uma vez nas últimas três décadas — para apoiar publicamente Dilma Rousseff. Por essa razão, a sua presença no FOLIO é das mais aguardadas.

De acordo com José Pinho, a ideia sempre foi a de criar um evento literário “diferente”, sem repetir convidados. “Desde o início pensámos que o FOLIO tinha de ser diferente e os convidados não podiam ser o mesmos de sempre. Evitámos sempre repetir de um ano para o outro os mesmos autores”, afirmou o responsável. Algo que, de facto, tem sido conseguido.

A programação foi apresentada por José Pinho, da Ler Devagar, e Celeste Afonso, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Óbidos

Milton Hatoum, também ele brasileiro, também participará no evento. Dois Irmãos, romance vencedor do Prémio Jabutti (o mais importante galardão literário do Brasil), em 2001, será relançado pela Companhia das Letras em setembro. Da Colômbia virão Jerónimo Pizarro e Plínio Apuleyo Mendoza, jornalista escritor e amigo próximo de Gabriel García Márquez sobre quem escreveu uma biografia romanceada, O Aroma da Goiaba, editada em Portugal, em 2005, pela Dom Quixote.

Entre os nomes que integrarão o Festival Literário de Óbidos, contam-se ainda os canadianos Anaïs Barbeau-Lavalette, Joseph Boyden, Rosemary Sullivan e Patrice Lessard, os franceses Laurent Binet e Maylis de Kerangal, o húngaro Viktor Sebestyen e os espanhóis, Dolores Redondo, J.A. González Sainz e Mempo Giardinelli, com especial destaque para Fernando Aramburu, autor do muito galardoado Pátria (sobre o fim da ETA), entre outros.

No que diz respeito aos escritores portugueses, estarão presentes Valter Hugo Mãe, Mário de Carvalho, Dulce Maria Cardoso, Carlos Querido, Mário Cláudio, Anabela Mota Ribeiro e Vitor Milhazes, que integrará a programação da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Manuel Alegre, que venceu recentemente o Prémio Camões, confirmou esta sexta-feira que participará no festival. O autor vai estar à conversa com João Gobern. A faltar fica apenas a presença de um Prémio Nobel da Literatura, à semelhança dos outros anos.

O FOLIO (muito) para além dos livros

À semelhança dos anos anteriores, uma parte da programação do FOLIO 2017 será dedicada a outras atividades que, embora relacionada com literatura, sairão do âmbito dos livros. Exposições, concertos, teatro, debates e conferências — haverá muito para fazer durante os 11 dias do Festival Literário de Óbidos.

No que diz respeito à música, haverá “concertos a acontecerem pela primeira no FOLIO e para o FOLIO”, salientou Celeste Afonso: Rodrigo Leão apresentará a nova versão do espetáculo “A Vida Secreta das Máquinas”, a fadista Aldina Duarte dará um concerto especial com Carlão e Maria João irá estrear em Portugal um novo espetáculo que é uma homenagem à revolução da palavra com leitura musical da obra do escritor brasileiro. Vitorino, Chullage, Norberto Logo, Stereossauro e Luís Pastor têm também presença confirmada na edição de 2017 do festival.

José Pinho, da Ler Devagar, é um dos responsáveis pela organização do festival

Os 35 anos da publicação do Memorial do Convento, de José Saramago, serão assinalados com o espetáculo de rua Sete Luas, criado por Pedro Giestas para o FOLIO. E porque este ano também se comemora os 100 anos da Revolução Russa, haverá uma peça de teatro experimental baseada no livro Os Três Gordos, de Iúri Olecha — A Pança — e cinema com os filmes O Couraçado Potemkine e Outubro, de Serguei Eisenstein.

O FOLIO vai ainda receber a maior exposição individual em museu do artista moçambicano Gonçalo Mabumba, um nome relevante na cena artística internacional conhecido pelas suas esculturas feitas de arsenal bélico desativado dos tempos do conflito moçambicano.

O Centro de Investigação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL) associou-se este ano ao evento com um programa de conferências e debates sobre literatura. Ernesto Rodrigues falará de António Nobre, Camilo Pessanha Raul Brandão e a receção mundial de Cervantes, enquanto Sandra Patrício, Isabel Lousada e Fátima Mariano falarão de três autoras feministas do século XIX — Cláudia de Campos, Mercedes Blasco e Adelaide Cadete. Dionísio Vila Maior fará uma conferência sobre Futurismo.

O FOLIO Ilustra e o FOLIO Educa estão também de volta. As curadoras Mafalda Milhões e Maria José Vitorino prometem trazer mais uma vez a Óbidos os melhores ilustradores nacionais e internacionais e tertúlias e workshops sobre literatura, leitura e educação.

“Provavelmente o orçamento total é superior ao do ano anterior”

Na terça-feira, o Diário de Notícias publicou uma notícia em que dava conta de que o evento tinha sofrido um corte de 250 mil euros no orçamento para 2017. De acordo com José Pinho, o dinheiro teria sido desviado para o surf. A Câmara de Óbidos respondeu na quarta-feira ao artigo, explicando, em comunicado, que “nunca houve verba desviada porque nunca houve verba atribuída diretamente ao FOLIO”. “O Campeonato de Surf é um dos eventos âncora da região, assim como é o FOLIO e tantos outros eventos que se realizam no Oeste, como os dedicados ao vinho, à doçaria conventual, à agricultura, só para citar alguns dos muitos exemplos”, referia a nota, enviada ao Observador.

Apesar das declarações ao Diário de Notícias, José Pinho disse na apresentação desta sexta-feira que não tinha certezas de que o orçamento era de facto “mais reduzido” em relação ao do ano anterior. “Temos mais atividade, temos mais autores”, afirmou, admitindo, porém, que “a parte financeira é inferior à do ano anterior”.

Celeste Afonso, vereadora da Cultura de Óbidos, garante que “vivemos num mundo em que os números passam para segundo plano”

Não conseguimos contabilizar o apoio que os nossos parceiros nos dão. Provavelmente o orçamento total é superior ao do ano anterior”, afirmou, explicando que não foi feita “nenhuma alteração na coordenação” do evento. “Mantivemos as coisas como estavam. Há coisas que mudaram naturalmente.”

Celeste Afonso explicou que não existem “números concretos”. “Este FOLIO não tem números fechados porque não temos um orçamento.” A maioria do investimento foi feito por parte dos parceiros e, por isso, o único orçamento que existe diz respeito à produção do festival — uma verba que, segundo a vereadora, ronda os 200 mil euros. Contudo, para a responsável, o mais importante não é o dinheiro gasto: “Vivemos num mundo em que os números passam para segundo plano quando temos este conteúdo”, disse, pegando na programação com uma das mãos.