Os Swans estiveram mortos durante treze anos. Os fãs duvidavam do renascimento, Michael Gira, fundador e líder, também. A história começa no início da década de 1980, em Nova Iorque, quando a cidade vivia um dos períodos mais intensos da história da música popular. Os Swans rebentaram aí, algures entre o pós-punk, o punk, a no wave, o rock e exageros que só aquela época e cidade concretizaram. Os relatos dos concertos são míticos, as histórias em volta de Michael Gira e a sua banda são muitas. Verdade, mito e pura ficção.

Entre 1982 e 1997 editaram com regularidade. Foram influenciados por algumas tendências da época, chegaram a cair no gótico, mas mantiveram-se ligados à essência: um rock poderosíssimo que transmite a verdade a partir do som. Há muita fisicalidade no som dos Swans, em sintonia com o exaspero espiritual e existencial da voz de Michael Gira (e, noutros tempos, o fim do mundo na garganta de Jarboe), com um lirismo que beneficia tanto a carne como a alma. Há transcendência, tortura, martírio e salvação, sem ritualismos, só o real.

Em 1997 Michael Gira declarou o fim dos Swans. No ano seguinte é editado um álbum de gravações ao vivo, Swans Are Dead (Young God Records, 1998), e parecia que o mundo ia acabar ali (oiça-se “I Crawled” ou “Feel Happiness”). Michael Gira continuou com outros projectos (Angels Of Light) e quando menos se esperava, anunciou o regresso dos Swans em 2010, com My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky (Young God Records). Os Swans estavam de volta, sem o selo “melhores do que nunca” e, sim, actuais, presentes, ligados, vivos.

Entretanto editaram mais três álbuns de estúdio (The Seer em 2012, To Be Kind em 2014 e The Glowing Man em 2016, todos na Young God Records) e tocam imenso ao vivo. Passaram por Portugal algumas vezes nos últimos anos. Sexta-feira, às 22h, sobem ao Palco . do Primavera Sound para aquele que será, muito provavelmente, o último concerto desta formação dos Swans em Portugal. Os Swans não irão morrer, mas renascer mais uma vez. Estivemos à conversa com Michael Gira sobre esse processo, a longa carreira e as diversas vidas dos Swans.

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Conheci os Swans com Swans Are Dead, um álbum ao vivo que marcava o fim dos grupo. Nessa altura já sabia que tinham acabado e que provavelmente nunca os veria ao vivo ou ouviria material novo. “Swans Are Dead” é um título fantástico, poderoso e definitivo. No final dos anos 1990 tinha alguma expectativa de que os Swans poderiam regressar? O que é que aconteceu para renascerem nesta década?
Nunca pensei que voltaria a tocar com os Swans. Para mim essa era a ideia de inferno, mas aconteceram-me coisas na vida que me levaram a tomar essa decisão. Na altura tinha esgotado criativamente o meu projeto de então, os Angels Of Light, e a minha editora [Young God Records] estava perto da falência. Estava num impasse, o que iria fazer com a minha vida? Artisticamente e não só. Regressar aos Swans pareceu-me uma boa opção. Por isso decidi que iriam voltar, mas não como outras bandas que o fizeram no passado recente, só a tocar material antigo. Queria que se tornasse num processo de descoberta, de evolução e que esteticamente fosse algo de diferente dos Swans do passado. Ao fim de quatro álbuns foi isso que fizemos. Agora chegou a altura de fechar este ciclo e avançar para uma nova versão dos Swans.

Referiu uma nova versão dos Swans. The Glowing Man [Young God Records, 2016] é o último álbum de estúdio desta formação?
Correto. Editámos recentemente um álbum ao vivo, Deliquescence [Young God Records, 2017], mas só está disponível através do site da editora e nos concertos. É uma amostra do que soamos ao vivo atualmente e tem também novo material, mas não será editado de outra forma. A questão é que eu não quero ter uma banda, não quero voltar a estar confinado a um grupo específico de pessoas. Adoro os cavalheiros com quem toco atualmente, são fabulosos e grandes músicos. Alguma da melhor música que criei na minha vida foi com eles. Mas acontece o mesmo que acontece com uma família, tens de te distanciar a certo momento, senão começas a ficar zangado com eles ou a ficar enojado com a sua aparência e cheiro.

Mas planeia continuar com os Swans e editar novo material?
Sim, mas será mais próximo do que eu fazia nas décadas de 1980 de 1990: músicos diferentes para cada álbum e juntar músicos para as atuações ao vivo. Ainda não sei como vão soar, mas não quero que seja semelhante ao que fazemos atualmente. De momento, é tudo o que sei.

Editar álbuns ao vivo faz parte dos fins de ciclo dos Swans? Recordo-me do “Swans Are Dead” e do “Feel Good Now” [Edição de Autor, 1987], este último não foi bem um fim de ciclo, mas o som certamente mudou após esse disco.
Mas foi um fim de ciclo. Quando tenho material ao vivo que merece ser ouvido, edito-o.

As pessoas que vão aos vossos concertos e que ouvem os novos discos são fãs mais jovens ou são fãs antigos?
A maior parte são novos. É uma experiência fantástica, perceber que há tanta gente jovem a ouvir a tua música. Outra coisa que adoro é que agora há mais mulheres a ouvirem a nossa música. Nunca gostei da ideia dos Swans estarem muito associados a uma ideia de testosterona, música muito masculina. Não é o que nós somos. É uma sorte encontrar agora um grupo tão variado de pessoas a encontrar algo de verdadeiro na nossa música. Uma coisa que me deixou muito feliz foi na altura da gravação do “The Seer” [Young God Records, 2012]. O nosso engenheiro de som pôs o disco a tocar para a sua mulher, que é professora e é uma pessoa muito quadrada, que não ouve música. Ela achou-o muito envolvente, gostou muito. Isso fascinou-me, alguém que está completamente distante deste mundo e que encontrou algo de útil na nossa música.

Os Swans tocam muito ao vivo. É uma parte importante no processo de criação e escrita das novas canções?
Nesta formação tem sido crucial. Muito do material foi desenvolvido ao vivo. Podia já existir um esboço, uma ideia, mas foi através de tocar múltiplas vezes ao vivo que as canções cresceram até se tornarem naquilo que ouves nos álbuns. Canções como “The Glowing Man” ou “Cloud Of Unknowing” desenvolveram-se ao vivo. Aliás, algumas desenvolveram-se a partir de outras canções que já tínhamos gravado. Ao tocá-las percebíamos que podíamos ir para outros sítios e descartávamos as ideias antigas que tínhamos, avançávamos nessa nova direcção. Esta formação é muito telepática, somos como um único corpo a tocar e, por vezes, as transições nem se notam. Somos um só cérebro a pensar para o todo.

No início mencionou que a sua editora não era viável financeiramente e que isso foi importante na decisão de regressar aos Swans. Reeditar os álbuns antigos também faz parte desse processo de revitalizar a Young God?
É uma escolha estética. Quero que o trabalho que gravei esteja disponível. Se as pessoas estão interessadas nele, quero ter a certeza que a masterização é feita como deve ser e que todos os detalhes estão como eu quero. E quero garantir que o meu trabalho esteja disponível para todos. É algo que sinto como natural.

Tem feito um ótimo trabalho com estas reedições. Para mim tem sido importantíssimo para descobrir alguns álbuns dos Swans, como o Filth [Neutral Records, 1983, o primeiro álbum dos Swans], que é fantástico e desconhecia. Também trabalho numa loja de discos e fico muito contente quando vejo pessoas mais novas a comprarem e a descobrirem esses álbuns antigos.
É fantástico ouvir isso. Deixa-me muito feliz. Há umas noites estavam imensos miúdos de dezoito anos num concerto, isso deixa-me muito feliz. Eu sei que não somos banda para toda a gente. Tenho a certeza disso, não somos um grupo pop, mas acredito que existe muita gente que gosta e anda à procura do tipo de experiência que proporcionamos. Que se preocupam em ter uma experiência intensa e procurar algum tipo de verdade através do som. Ouvir isso e vê-los nos nossos concertos é muito encorajador.

Como se sente ao ouvir os álbuns antigos? No início dos anos 1980 os Swans eram bastante diferentes e foram importantes para a cena rock/punk-rock/avant-rock nova iorquina, e não só, de então.
Tudo tem de mudar. Começamos num ponto e é natural que a mudança aconteça. Quando segues por um caminho diferente, isso implica que algo mude. Tens de conseguir acompanhar para onde o som te leva. Olho agora para o passado como parte de um longo processo. Cada álbum é um processo, que não está necessariamente acabado, faz parte de toda a tua obra. Para mim é muito difícil ouvir as gravações do início, de me identificar com elas, porque eu era uma pessoa muito diferente naquela altura. Mas é algo que faz parte do caminho que percorri até aqui. E eu tenho de continuar esse caminho.

Em relação à editora, ainda supervisiona os lançamentos da Young God de bandas que não estão relacionadas com os Swans ou com projetos pessoais?
Não existem novas bandas na Young God atualmente. Existem os álbuns antigos que editei, claro, mas não tenho planos para editar música de outros artistas. Não é algo que sinta como viável agora, para mim, dirigir uma editora pequena. Economicamente não é viável. No momento em que decidi reunir os Swans, eu estava a perder dinheiro com os discos ou estavam a ganhar tão pouco que não valia a pena, algo como dez cêntimos por hora. É algo que já não faz sentido para mim. Com os downloads, o streaming, todas essas coisas tornam este tipo de editora num negócio muito frágil. Tive de tomar decisões, deixar de me concentrar na editora e dedicar-me inteiramente aos Swans.

Mas já era assim no início do século? Nessa altura editava muitos álbuns.
Não era. Começou a mudar por volta de 2006, 2007. Estava praticamente falido. Foi uma decisão que me deixou triste, mas tive de a tomar. Já não estava em mim o desejo de trabalhar arduamente no trabalho de outras pessoas e receber pouco ou nada por isso. Foi uma decisão que tive de tomar para conseguir avançar com os Swans.

Há duas semanas tocou em Manchester, no Transformer Festival, ao lado de bandas como os Royal Trux e os This Heat, que também foram marcantes na década de 1980 e 1990 e que acabaram e regressaram ao ativo recentemente.
Não vi os Royal Trux, mas consegui apanhar os This Heat. Foi absolutamente fantástico. Ouvi os dois primeiros álbuns deles centenas de vezes quando foram editados, numa altura em que musicalmente eu ainda nem tinha concebido uma estética. Andei obcecado com aqueles discos. São simultaneamente cerebrais e muito emotivos, foram e são realmente especiais. Nunca houve nada como aquilo. E estou muito feliz por este ressurgimento e vê-los ao vivo por uma experiência tremenda. Arranjos fantásticos, o trabalho vocal também estava incrível. Eles são fantásticos, mostram realmente o que é possível fazer com som.

Foi a primeira vez que os viu ao vivo?
Sim

Isso é incrível. Ambas as bandas reuniram-se recentemente, os This Heat foram importantes para si, mas só agora é que os vê ao vivo, mais de trinta anos depois.
Creio que pouca gente os viu ao vivo com a formação original.

Já agora, conhece o Flaming Tunes do Gareth Williams [membro original dos This Heat] com a Mary Currie?
Não.

É lindíssimo. Foi editado em 1985, é diferente do trabalho nos This Heat, mas é um disco muito frágil e delicado.
Podes-me enviar uma mensagem com essa informação?

Claro. Foi reeditado há uns anos numa editora inglesa, a Blackest Ever Black. Para terminar, que sensações, sentimentos, guarda destes últimos anos a gravar e a tocar com estes Swans?
Há duas correntes em simultâneo. Uma de elação, êxtase. Outra de completa exaustão. Ou estamos em digressão ou no estúdio, provavelmente 300 dias por ano nos últimos sete anos. Uma das razões para querer terminar com este ciclo passa por não conseguir aguentar mais isto. Quero fazer algo que esteja mais próximo de casa e que seja menos cansativo e mais fácil de concretizar.

Vocês tocam imenso. Atua mais na Europa ou nos Estados Unidos.
Não faço ideia! Tocamos em todo o lado.

Mas é uma decisão sua?
Tudo o que diz respeito aos Swans é uma decisão minha.

Deixe refazer a pergunta. É algo que sente como importante para a existência dos Swans?
Totalmente. Mas para os próximos Swans não será tão importante. Provavelmente vou passar um mês em digressão na Europa, outro nos Estados Unidos e algumas datas na Ásia. E é isso, todos os anos. Mas ainda não sei. Tenho de escrever material novo e depois vejo para onde iremos. Mas tenho a certeza que não quero passar tanto tempo em digressão.