Um técnico do Convento de Cristo, em Tomar, assegura que as filmagens de “O Homem que Matou D. Quixote” obedeceram a “níveis de segurança absolutos” e que os alegados danos se resumiram a “pequenos destacamentos de pedras”.

Álvaro Barbosa, arquiteto e técnico de conservação da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) no Convento de Cristo, do qual foi diretor durante oito anos, disse à agência Lusa que as cenas da produção internacional realizada por Terry Gilliam foram explicadas previamente num dossiê submetido à apreciação da DGPC, não tendo havido “nada a obstar”.

As cenas incluíram o cenário alusivo a uma festa que se realiza em Valência, Espanha, em que objetos são queimados numa pira que tem no topo a imagem de uma santa, que também arde.

“Nesta zona, no sítio central [de um dos pátios laterais à Janela do Capítulo], foi erguida uma estrutura, um dispositivo, com ripas de madeira onde iam ser segurados os tais objetos que depois serão queimados com a santa durante a festa. Quando levantaram essa pirâmide de madeira a ideia era que o todo desse a ilusão que era uma pira de madeira a arder, mas tal não acontecia porque o que provocava as chamas era um conjunto de bicos de gás que simulavam as chamas e nunca foi feito uma queima integral”, disse Álvaro Barbosa à Lusa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O técnico afirmou que a pira, com cerca de 12 metros de altura, estava dividida em oito andares, simulando as chamas de gás “uma fogueira a ser consumada, andar por andar”, numa filmagem que durou três dias.

Extintores e bombeiros de prevenção

“Durante esse tempo, à volta deste claustro havia um conjunto de extintores e outros dispositivos para atalhar a qualquer tipo de fogo descontrolado que pudesse haver. Na parte de cima, nas janelas [onde tem o seu gabinete de trabalho] e na varanda, havia também aspersores ligados por um sistema de rega a uma cisterna móvel dos bombeiros que se encontrava na fachada norte sempre em funcionamento que podia atuar em qualquer circunstância”, disse.

“Havia também uma equipa de bombeiros de prevenção para qualquer eventualidade” e sistemas de segurança nas garrafas de gás, adiantou.

Álvaro Barbosa assegurou que “tudo foi feito com rigoroso controlo”, tanto para segurança das pessoas como “do ponto de vista de preservação do património”, dando ainda o exemplo da cobertura de areia colocada no chão, sobre uma manta geotêxtil, “para evitar que qualquer calor passasse da pira para o chão do claustro”, onde não é visível qualquer marca.

Além do “vasto currículo” da empresa de efeitos especiais pirotécnicos, espanhola, contratada — que em 2006 simulou, também no Convento, a fogueira de um auto de fé durante a filmagem de “Santa Teresa d’Ávila” e tem feito “coisas do género” em Mérida, igualmente Património da Humanidade –, o técnico referiu o facto de uma seguradora ter aceitado fazer um seguro no valor de 2,5 milhões de euros.

Sublinhando que ao longo da filmagem nunca se deparou com qualquer situação que pudesse fazer recear pela segurança das pessoas ou do monumento, Álvaro Barbosa afirmou que as visitas prosseguiram com normalidade nesse período.

Quando terminaram as filmagens, uma equipa técnica de conservação, juntamente com o realizador, o produtor português e a diretora do Convento, fizeram uma vistoria ao espaço utilizado, disse. “Praticamente todo o filme foi feito aproveitando os milhares de recantos e diversidades de espaços que tem este monumento e isso só vem enriquecer o património”, frisou.

Pequenos “destacamentos” nas pedras

Quanto às pedras que sofreram “pequenos destacamentos”, o técnico assegurou que estes acontecem ao longo do ano, mas especialmente a partir da primavera até ao outono, quando o pátio onde se registaram essas quebras acolhe muitos eventos, bastando que alguém se encoste ou se sente na borda dos socos das colunas.

Mesmo que algumas das situações detetadas durante a vistoria tenham ocorrido fora do contexto da filmagem, todas foram incluídas no restauro abrangido pelo seguro, disse.

“O Convento de Cristo é antigo, as pedras vão envelhecendo, como nós, acabam por ter patologias de estrutura material que são agravadas pelas condições climatéricas, nomeadamente a alternância de tempo seco com tempo extremamente húmido”, a que se acrescentam os líquenes cujas micro-radículas abrem sulcos na superfície da pedra.

“Observo isto há 30 anos, eu e muitos dos funcionários aqui. Há pequeninos bocadinhos de pedra que se destacam, mas há bocados maiores de pedra que já sofrem da patologia ao longo do tempo. Ou seja, já vi grandes pedras estarem na iminência de cair, como por exemplo aquelas cruzes no topo que por vezes abrem fendas”, referiu.

Também as telhas partidas são uma “ocorrência normal”, que se verifica, por exemplo, durante as inspeções aos telhados “para ver se há obstruções ao escoamento da água”, e que são substituídas.

Técnico ficou surpreendido com denúncia de estragos

Álvaro Barbosa disse à Lusa que foi com “surpresa” que viu ser denunciada a “destruição” ocorrida no Convento durante as filmagens, nomeadamente ao ver mostrada a cruz que caiu na altura do tornado que atingiu a cidade em 2010.

“Eu vi isto [o filme de Gilliam] como o interesse que tem a comunidade internacional, neste caso na pessoa dos realizadores, pelo Convento de Cristo, que está muito para além da mera visita turística. É um facto cultural não só na sociedade portuguesa, mas para todo o mundo”, afirmou.

O ministro da Cultura explicou esta semana que a DGPC abriu um inquérito na segunda-feira e que terá 20 dias para apresentar conclusões sobre o que aconteceu no Convento de Cristo.

Uma reportagem da RTP emitida na semana passada mostrou imagens de danos alegadamente causados pelas filmagens daquela produção internacional em pedras, telhas e decorrentes de uma fogueira ateada num dos claustros.