A ideia é de tal forma complexa, que é impossível não pensar nas possibilidades infindáveis da tecnologia: pode um algoritmo avaliar com uma precisão de 90% se alguém corre o risco de se suicidar? Não só pode como já o está a fazer.

A história do trabalho de Colin Walsh, analista de dados na universidade Vanderbilt University Medical Center, em Nashville, no estado do Tennessee, mereceu o destaque da Quartz, que conta como funciona o sistema que pode revolucionar a forma como encaramos o suicídio. Walsh e a sua equipa criaram um “super-computador” que, através da análise de dados de milhares de pacientes, consegue prever com um precisão de 80 a 90% se alguém vai tentar cometer um suicídio nos próximos dois anos. A margem de precisão sobe para 92% se o horizonte temporal for de uma semana.

O investigador testou o modelo avaliando os dados de mais de cinco mil pacientes que deram entrada na Vanderbilt University Medical Center e que apresentavam sinais de auto-mutilação ou de tentativa de suicídio, incluindo detalhes como a idade, o género, o código postal, medicamentos e diagnósticos prévios.

Publicado na Clinical Psychological Science em abril, o ensaio destes investigadores é apenas o primeiro passo. O objetivo agora é desenvolver o sistema e alargá-lo a outro universo que não apenas os pacientes que deram entrada na Vanderbilt University Medical Center. Ainda que os primeiros indícios sejam animadores, à Quartz, Walsh não escondeu que este modelo vai colocar desafios deontológicos no futuro.

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“Existe sempre o risco de consequências não intencionais. Desejamos o bem e queremos construir um sistema que ajude as pessoas, mas às vezes podem resultar problemas a jusante”, concedeu o analista. E depois há outra questão: estarão os médicos dispostos a aceitar uma previsão que não é suportada pelo histórico clínico do paciente e apenas e só porque um “computador” o diz? São desafios por ultrapassar, admitiu.

Apesar da tecnologia estar ainda numa fase embrionária, as possibilidades deste algoritmo são infindáveis. Nessa conversa que manteve com a Quartz, Walsh reconhece que o sistema tem uma limitação óbvia: só considera dados de pessoas que deram entrada no hospital. O que leva a outro ponto: em muitos casos, as pessoas que estão em risco de suicídio não passam pelos hospitais.

“Muita da nossa vida é passada fora do sistema de saúde. Se nos cingirmos aos dados que estão disponíveis no sistema de saúde, só vamos ter parte [do universo]”, explicou Walsh. A chave pode estar na Internet e, sobretudo, nas redes sociais.

Em teoria, admitiu o investigador, o algoritmo pode ser aplicado às redes sociais, tornando-o capaz de “ler” o que escrevemos, o que lemos e o que vemos no Facebook e no Twitter, por exemplo. Pela frequência com que usamos as redes sociais, esses dados podem permitir perceber o nosso padrão de comportamento e perceber se estamos em risco.

De resto, e como recorda a própria Quartz, no início do ano, o Facebook anunciou que está a usar Inteligência Artificial para analisar publicações à procura de indícios e sinais de ferimentos auto-infligidos, por exemplo. Os primeiros resultados já permitiram concluir que o sistema é mais preciso do que o modelo que permite aos nossos “amigos” virtuais assinalarem pessoas que possam estar a correr esse risco.

A concretizarem-se as hipóteses teóricas levantadas pelo modelo desenhado por Walsh, esta tecnologia permitirá agir enquanto há tempo e combater os problemas que levam alguém a cometer suicídio.