Theresa May e os conservadores britânicos saíram “fragilizados” das eleições da última quinta-feira e, apesar da incerteza que agora se vive no Reino Unido, ficou menos provável que o país possa ter uma saída abrupta e violenta da União Europeia. Um cenário que seria penalizador para os emigrantes portugueses em Londres e no resto do Reino Unido. Esta é a convicção de Guilherme Rosa, vereador da câmara de Lambeth (Londres), eleito pelos trabalhistas, que num restaurante português em Stockwell diz ao Observador que “nunca tinha visto uma campanha” assim.

Diz-nos que ficou surpreendido pela forma como esta campanha correu. Porquê?
Foi uma campanha como nunca tinha visto, com a juventude tão motivada e tão participativa. Nunca imaginei ver. Centenas de jovens a falar com as pessoas, à porta do supermercado, miúdos ainda sem 18 anos sequer. Os jovens fizeram a diferença — a participação rondava os 40% e nestas eleições foi de 65%, um milhão de jovens registaram-se para votar desde que a eleição foi marcada, há dois meses.

Ficou surpreendido pelo resultado?
O resultado surpreendeu um pouco toda a gente, apesar de as últimas sondagens já indicarem que os conservadores não iriam ter uma mega-maioria. Agora terão de fazer um acordo com o DUP (partido dos unionistas da Irlanda do Norte) para salvar a face e não haver eleições já a seguir. Este país já está um pouco farto de eleições: foram as eleições em 2015, o referendo da Escócia, o referendo da União Europeia, agora estas eleições. As próprias máquinas partidárias estão esgotadas, não têm mais dinheiro, as pessoas também estão fartas de ir à mesa de voto.

E agora o que se segue? Acredita noutro cenário que não um governo liderado por Theresa May?
Não parece que seja possível fazer uma coligação de esquerda, uma “geringonça” britânica. Matematicamente é difícil fazer uma coligação dessas. Ainda pensei que o Sinn Fein poderia abdicar da regra de não aparecer no Parlamento caso o DUP se unisse aos Conservadores, mas mesmo assim não tinham maioria. Mas acredito que eles, o Sinn Fein, nunca largaram essa regra e não será agora que o vão fazer.

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Mas em que situação fica Theresa May?
Fica fragilizada. Pediu um mandato mais forte para negociar o Brexit, mas o povo não lho deu. Se se mantém no cargo, depende se tem uma revolta dentro do partido. Se tem coragem de fazer outras eleições agora e o tiro sair-lhe ainda mais pela culatra, se consegue um acordo… De facto, está fragilizada. Mas não foi uma hecatombe, eles continuam a ser o partido mais votado e com direito a formar Governo.

Mas falou-se pouco do Brexit na campanha.
Sim, por causa da questão da segurança, também, que roubou algum protagonismo. Se calhar, como o Governo não tem sido muito esclarecedor sobre como quer fazer o Brexit, não lhes convinha estar a desenvolver muito o tema. Mas criou-se uma desconfiança, na reta final, em relação ao partido conservador, também porque o programa eleitoral foi uma desgraça.

Com a questão do chamado “imposto sobre a demência”, por exemplo?
Houve um conjunto de medidas mais fortes contra os pensionistas, que sempre votaram sobretudo nos conservadores. Houve aí uma má gestão da comunicação em relação a este eleitorado e é possível que haja alguma desmotivação desse eleitorado em relação a votar nos conservadores. Perante uma campanha conservadora com alguns percalços, o Labour foi implacável e foi buscar, até, eleitorado que votou para sair da UE e que tinha votado UKIP, principalmente no norte de Inglaterra.

E voltando aos jovens, foi decisiva a promessa de tornar as propinas gratuitas?
Foi capital. Os jovens foram atrás da promessa. Como não seria provável o Labour, em princípio, ir para o Governo, é uma promessa fácil de se fazer e difícil de concretizar. Valeria uns milhares de milhões valentes de libras. Mas o que vejo, sobretudo, é uma apropriação do eleitorado por parte de uma franja da população que quer uma outra distribuição da riqueza. Os conservadores têm representado uma proteção dos direitos económicos dos pensionistas em detrimento dos jovens, que estão um pouco fartos disto e, portanto, participaram massivamente, dizendo: nós também queremos ensino gratuito porque os pensionistas têm casas valorizadas em um milhão de libras em Londres e deduções fiscais e por aí adiante. Se os pensionistas concentram muito poder económico e acabam por ajudar, aleatoriamente, os jovens a comprarem casa — porque de outra maneira não conseguem — os jovens disseram: não, não, o melhor modelo não é os pensionistas a ajudarem individualmente os jovens mas ajudar-se toda a classe de jovens.

O que achou da campanha de Corbyn?
Acho que ele foi consistente e íntegro. Foi muito atacado, de forma muito injusta, inclusivamente por algumas franjas do seu partido e por alguma imprensa, mas manteve-se sempre fiel aos seus valores, e conseguiu contar com o apoio de milhares de jovens associados ao movimento “Momentum”, espalhado por todo o país. É uma lição política de que se uma pessoa tiver convicção nas suas ideias, por muitas críticas que existam, se a pessoa se mantiver fiel aos seus princípios as pessoas começam a acreditar. Ele agora tem autoridade para fazer uma oposição construtiva, forte, a este governo.

O chamado Hard Brexit” está fora de questão? Theresa May perdeu o mandato para tirar o Reino Unido da União Europeia sem um acordo sólido?
Sim, isso eu acho que aconteceu. O eleitorado foi taxativo. Os Remainers votaram massivamente, agora, para chumbar esta atitude do Governo. Vai ser muito difícil, no Parlamento, passar porque há alguns deputados Tories que são favoráveis à permanência na União Europeia. Se tentarem uma solução muito dura no Parlamento, eles tornam-se rebeldes e votam contra o Governo. O que significa que o Governo tem muito pouquíssimas hipóteses de conseguir impor uma solução musculada. Ou tem o apoio de um ou dois partidos, regionais, e apazigua estes rebeldes, ou nunca passaria no Parlamento. O Parlamento é organismo soberano desta democracia.

Mas está realmente em risco, o Brexit? Pode não acontecer?
Eu tenho sempre mantido a convicção de que o Brexit será para levar até ao final, as pessoas votaram e é assim que esta democracia funciona. Mas pode-se dar o caso de haver uma degradação progressiva da economia, termos um Governo disfuncional e sem autoridade, podemos ter cada vez mais “leavers” arrependidos e isso ganhar ímpeto mediático… Daqui a um ano ou dois pode realizar-se o tal segundo referendo para validar a solução final encontrada com a União Europeia. É provável que esse referendo surja, portanto a tendência será para haver uma solução mais apaziguadora, um Brexit suave, para bem do povo britânico que não votou para sair. E a própria União Europeia tem de pensar nessas pessoas e, também, nos expatriados que cá estão.

Quais têm sido as principais preocupações da comunidade portuguesa?
A comunidade portuguesa tem andado preocupada com esta questão do “resident certificate”, o direito de ficar cá, sobretudo aqueles que estão cá há menos tempo. Mas as pessoas já perceberam que não vão existir soluções graves e radicais. Serão soluções graduais. Se há portugueses que nunca trabalharam nesta terra e decidem viver à custa das ajudas do Estado, numa perspetiva de “Hard Brexit” era taxativamente caso para voltar [para Portugal]. Mas numa perspetiva de “Soft Brexit” se calhar as pessoas vão ter uma oportunidade de contribuírem para esta economia e poderem ficar. Acho que ficaram mais resguardadas em termos políticos, com a subida dos Liberais Democratas e o bom resultado dos trabalhistas — Corbyn também sublinhou que gerir bem a situação dos expatriados era uma prioridade.

Disse, após o referendo no ano passado, que estava tão sentido que admitia sair do Reino Unido. Ainda se sente assim?
Sim, disse isso, que poderia sair no final do meu mandato [que termina em 2018]. Bem, tenho refletido e o tempo passa, e tenho uma nova relação com uma pessoa que vive cá e tem cá família. Se calhar preciso é de tirar uma sabática porque serão quatro anos de muito trabalho. Eu, de facto, contemplei sair daqui, porque podia estar a desaparecer o país lindo onde tinha vivido, antes, mais de 10 anos. Tenho muitas saudades do meu país, se tivesse uma oportunidade lá obviamente gostaria de contemplar a possibilidade de voltar. Mas também gosto muito de Londres, é uma cidade fascinante, portanto se também tiver oportunidades cá não sou tão taxativo [como fui após o referendo]. O facto de sairmos da União Europeia, como íamos sair, era algo que me deixava muito desalentado. Se se tornasse um país onde os europeus eram maltratados, as pessoas iriam pensar na sua vida.